Capistrano: Morre Abdias do Nascimento, ícone da luta dos negros 

  Acompanhei, desde anos 1960, a vida de Abdias do Nascimento, sempre tive por ele uma grande admiração, tenho alguns dos seus trabalhos: são estudos, pesquisas e textos teatrais sobre a questão da raça negra, não só no Brasil, mas, em todo o mundo.

Abdias do Nascimento
Abdias foi um grande brasileiro. Ele faleceu nesta terça-feira (24 de maio de 2011), deixará uma grande lacuna no movimento negro, ele deixou a sua marca na história do nosso país, tanto como intelectual, como político, mas, principalmente como militante da causa negra, foi um dos pioneiros dessa luta.

Abdias completou 97 anos no dia 14 de março último, portando, nascido em 1914, tento sua vida, praticamente, toda transcorrida durante o século 20, adentrando por uma década no século 21.

Durante mais de setenta anos, Abdias, foi um militante da luta do seu povo. Até o final da vida, com uma lucidez primorosa, sempre falava da sua luta em defesa do movimento negro como se tivesse começando naquele momento. Abdias, destemido, sempre lutou com muita garra, com muita perseverança, na certeza da justeza da sua causa.

Abdias é um ícone da luta dos negros, símbolo que merece ser ressaltado e lembrado como um baluarte da luta em defesa de uma sociedade justa sem discriminação e exclusão, ele é um exemplo de homem comprometido com a vida e com o mundo.

Desde 1931 foi ativista da luta dos negros no Brasil, foi um dos fundadores da Frente Negra Brasileira, movimento que vai ser fechada pelo Estado Novo em 1937. É um dos fundadores e dirigente do Teatro Experimental do Negro (1944), grupo que tinha como objetivo abrir espaço nos tablados para os atores negros, com isso, permitindo o negro mostrar a sua capacidade artística, mostrando a força cultural de uma raça, foi um grande momento da luta dos negros contra os preconceitos na nossa sociedade.

Outra frente de luta criada por Abdias foi o “Quilombo”, jornal mensal que tinha como objetivo divulga a problemática do negro e as suas aspirações não só na sociedade brasileira, como também a questão racial em todo o mundo.

Segundo Antonio Sérgio Guimarães, prefaciando a Edição fac-similiar desse jornal publicado pela editora 34, disse, “O Quilombo foi herdeiro da melhor tradição dos jornais paulistas de luta contra o preconceito de cor, como o Clarim da Alvorada (1924-33) ou a Voz da Raça (1933-37), mas, foi muito mais que isto: suas páginas receberam artigos originais de Artur Ramos, Gilberto Freyre, Di Cavalcante, Orígenes Lessa, Raquel de Queiroz, Roger Bastide, Nelson Rodrigues, constituindo-se em importante elo de comunicação entre intelectuais brancos e negros na luta anti-racista e no projeto de construção de um estado democrático de direito que incluísse os negros como cidadãos normais com os mesmos direitos que os brancos”.

Além de militante político, Abdias foi um intelectual, escreveu diversos livros que fazem parte de uma importante bibliografia existente sobre a questão do negro no Brasil e no mundo, entre os seus escritos podemos citar: Sortilégio (mistério negro), publicado pelo Teatro Experimental do Negro, Rio de Janeiro, 1960; Dramas para negros e prólogos para brancos – antologia de teatro negro-brasileiro, publicado pelo TEM, Rio de Janeiro, 1961; Teatro Experimental do Negro – Testemunhos (organizador do volume), publicado pelo T.EN, Rio de Janeiro, 1966; O negro revoltado, ed. GRD, Rio de Janeiro, 1968; e o excelente estudo, “O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado”, editora Paz e Terra, 1978, com prefacio do mestre Florestan Fernandes.

Além de sua militância como intelectual, escritor e jornalista, usando a caneta como arma na luta contra o racismo, Abdias foi para prática, como líder organizou grupos na luta em defesa da causa negra, como militante político participou dos embates eleitoral tendo sido deputado federal, suplente de senador, com o falecimento de Darcy Ribeiro do qual era suplente, Abdias assume o mandato de Senador da República, coroando, com isso, a luta de um negro pelos direitos civis e as conquistas sociais dessa raça historicamente tão massacrada. Abdias foi preso diversas vezes, com o golpe de 164 foi para o exílio.

O CEPAARN – Centro de Estudos e Pesquisas África/América do Rio Grande do Norte, com sede em Mossoró, quando presidente (2002) eu instituiu a medalha Abdias do Nascimento, entregue as instituições e empresas públicas ou privadas que contribuíam na luta contra as desigualdades sociais, o racismo e qualquer tipo de preconceito. A entrega sempre ocorria no dia 20 de novembro dia nacional da consciência negra, era um grande momento que fazíamos no Dia Nacional da Consciência Negra.

Está medalha, que leva o nome de Abdias do Nascimento, é uma justa homenagem a um brasileiro que fez da sua vida uma trincheira permanente de luta em defesa dos oprimidos, principalmente, dá raça negra, raça que, historicamente, tem sido espoliada, mutilada, sofrendo um verdadeiro holocausto.

 

Antonio Capistrano foi reitor da UERN é filiado ao PCdoB