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Rui Paz: Os Estados Unidos e Bin Laden

Os EUA anunciaram recentemente o assassinato, por um seu comando especial, do multimilionário saudita Osama Bin Laden. Tal como o 11 de Setembro de 2001 também esta operação deixa uma infinidade de perguntas sem respostas convincentes.

Por Rui Paz*

Qual a razão que levou o presidente norte-americano a decidir mais uma execução sem julgamento quando haveria tanto a esclarecer no interesse da proteção e da segurança do povo norte-americano, objetivo que Obama não se cansa de proclamar como sendo o seu primeiro dever? Por que impedir os povos agredidos, os estados destruídos, as centenas de milhares de civis massacrados pelos bombardeiros norte-americanos e da Nato e os milhões de refugiados vítimas de um novo ciclo de guerras e agressões militares de conhecer as verdadeiras razões e circunstâncias apresentadas como pretexto para este novo holocausto? Por que não aproveitar a detenção do organizador dos atentados de Nova Iorque, segundo a versão de Washington, para explicar aos familiares das vítimas muitos fatos que continuam envoltos na mais profunda obscuridade, inclusive nas centenas de páginas dos relatórios do Congresso norte-americano?

Estas interrogações só permitem duas conclusões plausíveis. Ou o atual presidente dos EUA é de fato uma pessoa com uma capacidade de raciocínio extremamente limitada, ou é conivente com processos e estratégias de caráter muito mais obscuro e maquiavélico do que aquilo que deixa transparecer no tom angélico e moralista das suas habituais pregações.

O presidente norte-americano sabe muito bem que a colaboração entre Washington e o “super-terrorista” saudita já vem de longe, dos tempos em que os EUA decidiram combater o processo democrático no Afeganistão. Michael Springman, diretor do centro de obtenção de vistos na cidade de Jeddah na Arábia Saudita entre 1987 e 1989, invocando ordens expressas do Ministério dos Negócios Estrangeiros norte-americano, afirma claramente à BBC: “eu concedi vistos a terroristas que através da CIA e de Osama Bin Laden eram recrutados para receberem treino nos Estados Unidos” (Junge Welt, 10.08.2007). No bairro nova-iorquino de Brooklyn, e em mais 38 cidades norte-americanas existiam centros de recrutamento com inscrições como «centro de apoio à guerra santa” (Der Spiegel, 38/2001).

Mas mesmo depois da tomada do poder em Cabul pelo regime dos talibãs com o apoio de Washington, vamos encontrar a mesma estratégia na Bósnia, no início dos anos noventa, onde os EUA, Bin Laden, Teerã e as monarquias do Golfo vão sabotar o bloqueio contra o fornecimento de armas decretado pela ONU, criar e armar brigadas militares terroristas seguindo o mesmo esquema do Afeganistão. Bin Laden é então recebido no palácio presidencial de Izetbegovic e obtém do presidente de um regime apoiado pela Nato e pelos EUA um passaporte bósnio. Em Agosto e Setembro de 1995, a Nato, atuará como força aérea dessa brigada internacional bombardeando e matando centenas de sérvios. Após os acordos de Dayton será a firma de mercenários dependente do Pentágono, MPRI, que irá organizar os adeptos de Bin Laden no Exército Islâmico da Bósnia e integrá-los em grupos como o UCK para a execução de operações terroristas a partir da Albânia contra a Sérvia, o Kosovo e até contra a Macedônia. Não admira pois que a maior parte dos principais organizadores do 11 de Setembro tenham combatido na Bósnia ao lado dos EUA e da Nato. As fronteiras entre o terrorismo privado e o terrorismo de Estado são assim não só na convergência de objetivos e de atuação, mas também na sua estrutura tentacular indissociáveis. Como salienta o almirante Schmähling, ex-diretor dos serviços de informação das Forças Armadas Alemãs, MAD, “os Estados Unidos criam eles próprios os demônios que depois se propõem combater”. Mas o dia virá em que o povo norte-americano e toda a humanidade terão o direito de julgar e condenar um poder imperial tão opressor e tenebroso.

* Rui Paz é analista de política internacional
Fonte: jornal Avante!