Antônio Mello: O "humor" ressentido de Rafinha Bastos
O revoltado, a alguns passos do revolucionário, quer transformar, mudar às vezes radicalmente. O ressentido não. Ele só quer destruir, se vingar, age negativamente contra si ou, mais comumente, contra os outros (de um existencialista a outro, pulo de Camus a Sartre: "o inferno é o outro"). Os outros são os deficientes físicos, os negros, índios, escravos… Os outros são as mulheres, os homossexuais, os pobres…
Por Antônio Mello, em seu blog
Publicado 10/05/2011 18:35

Sentindo que fracassaram na vida, que gente que consideram medíocre está sendo beneficiada, vangloriada, e ele não, o ressentido age para destruir essas pessoas, às vezes fisicamente, em geral apenas por palavras, piadas, humor…
Gente como Rafinha Bastos é uma válvula de escape para eles. Reportagem da revista Rolling Stones de maio publica que para Rafinha mulher feia não tem que reclamar se é estuprada:
"Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade."
Prossegue a reportagem: "Seus textos versam geralmente sobre preconceitos e termos politicamente incorretos. Durante os poucos minutos de suas apresentações, é possível passear por um rosário de sacanagens em cima de gordos, carecas, deficientes, cidadãos de Rondônia, judeus, golfinhos e pagodeiros. 'A minha comédia não é feita pra todo mundo, véio. E eu não quero que seja. Até agora eu cheguei assim. Eu não preciso popularizar a minha comédia', ele fala, após um gole de refrigerante".
Há uma classe média ressentida no Brasil. Esse ressentimento se intensificou durante o governo Lula que passou a ser percebido como um governo que acolhe todos aqueles com quem eles, os ressentidos, não se identificam.
Aí está a raiz desse humor agressivo, preconceituoso, cada vez mais excludente. Um humor que tem alvo definido: os fodidos (e fodidos são todos aqueles que eles julgam inferiores social, cultural, sexual, etnograficamente).
Rafinha Bastos é mais um a se utilizar disso, Está faturando muito. Inclusive fazendo piada com o próprio filho. "Trechos que falavam sobre como cumprimentar gente que não tem os braços, o que dizer para uma mulher virgem com câncer, e por que, depois que teve um filho, Rafinha passou a defender o aborto" [Fonte: a mesma reportagem]).
Rafinha Bastos está ganhando. Mas vai perder mais adiante, e seu humor será uma diversão anacrônica como os gladiadores entregues aos leões, os deficientes que eram atração em circos da Idade Média, a Farra do Boi, as rinhas de galo, o Casseta & Planeta, que apelou para isso e perdeu.
A agressão ao outro (via porrada mesmo ou humor) traz uma satisfação momentânea e ilusória como uma carreira de cocaína. Mas cobra a conta, com tristeza e degradação. Quanto mais cedo Rafinha Bastos e seu público saírem dessa, melhor pra eles – e pra nós.
Termino com um poema de Vielimir Khlébnikov:
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos – risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Tradução de Haroldo de Campos.