Nágyla Drumond: Sobre o partido da classe operária no século 21

No último dia 30 de abril, o PCdoB realizou o encontro inicial do ciclo de debates sobre Fortaleza, com uma palestra ministrada por nosso Senador Inácio Arruda sobre os investimentos e as perspectivas da Copa de 2014 num município como o nosso, com os desafios de abrigar mais de 2,5 milhões de habitantes em um espaço urbano dominado pela especulação dos mais diversos formatos, assim como todas as grandes cidades do mundo nos últimos 50 anos, para fazer um recorte mais recente.

Por Nágyla Drumond*

Quando ouvia o Inácio falando pela manhã, com o entusiasmo e inteligência que lhes são peculiares, foi difícil segurar as lembranças, memórias e histórias de mais um homem, entre tantos homens e mulheres que se forjaram na luta do povo. Inácio tem um pouco mais de 50 anos, comemorados no último dia 05 de maio (mesmo dia do aniversário de Marx), mas parecia ter 20 anos ou mais de um século de vida e experiência por conseguir expressar com garra e convicção a Fortaleza que queremos e que precisamos ter para enfrentar os desafios das próximas décadas do século XXI. Não quero fazer avaliações, pois estas talvez não caibam no mundo cibernético, do que podemos aprimorar em nosso discurso e nossa prática política. Estas cabem aos fóruns partidários presenciais.

Eu queria mesmo era registrar a alegria pessoal em ter participado daquele momento, quinze anos depois da primeira candidatura do Inácio à prefeitura de Fortaleza, quando eu ainda não era filiada ao Partido. Mas lembro vivamente, como se fosse hoje, de uma caminhada realizada numa sexta-feira à tarde, no centro da cidade, depois das eleições de 1996… Inácio, Mário Mamede e a nossa brava militância comemorando e agradecendo ao povo os votos livres daquela grande maratona. Como diz o Antero: ”Se eu não me emocionar, não valeu de nada”.

Depois da palestra da manhã, foi bacana ver a "militância anônima" do nosso partido naquele burburinho na nova sede do comitê municipal. As pessoas almoçando juntas (por sinal, que almoço maravilhoso), num espírito de confraternização. Falo do anonimato dos que constroem o PCdoB e não estão nem das direções das entidades do movimento social, nem nas trincheiras de luta do parlamento, nem nas assessorias de nossos mandatos, nem nas mesas de debates e negociação; estão em outras lutas, muitas vezes invisibilizadas por nosso tarefismo diário, mas que estão lá, na concretude do cotidiano, às vezes entediante, porém necessário para que apuremos nosso faro político e partidário.

Abordo tais questões para escrever, um pouquinho, sobre a nossa responsabilidade em problematizar a importante questão dos partidos políticos de esquerda e de vanguarda no século XXI. Partidos como o nosso, que precisam mais do que nunca fazer a leitura da realidade com ampla capacidade materialista-histórica e dialética. Partidos que precisam ser fortes não só pra enfrentar a’ reforma’ política (eleitoral) em sua face conservadora, que deseja acabar com as coligações e implementar outras medidas restritivas da democracia, ou enfrentar as retaliações ao relatório da reforma do Código Florestal apresentado pelo deputado comunista Aldo Rebelo. Um partido que precisa compreender seu papel de organização marxista-leninista na união do povo, nas mais diferentes trincheiras e batalhas. Precisamos da força e do vigor revolucionário para saber que não existem impossibilidades entre atuar na luta pelo posto de saúde local, ao mesmo tempo em fazemos o debate conjuntural na universidade e na associação de moradores. Se a vanguarda não for capaz de assim fazer, quem fará? As igrejas? a Mídia burguesa e reacionária com suas versões de classe? Os movimentos e entidades fisiologistas e corporativistas? Talvez estes diversos grupos e organizações estejam desempenhando seu papel social com mais "qualidade" do que nós, pois reforçam o jargão simples e conservador, ao mesmo tempo, simples e complexo, de "dar ao povo o que gosta e precisa". Na verdade o que, arbitrariamente, acreditam que seja gostar e precisar.

As lutas diárias não se encerram em si, se movimentam contínua e dialeticamente. Equívoco é, por um lado negar a luta diária e por outro acreditar que a luta específica, local e imediata, dará conta das transformações históricas aceleradas às quais estamos submetidos (as). Agindo assim, em "ambos os casos" estamos correndo o risco de sermos reducionistas e nos preocupando, apenas, com a aparência dos fatos.

Ouvindo cada dirigente de base, senti inveja de não militar numa base organizada. Quanta riqueza, quantos desafios, (in) compreensões passíveis de debate amplo para dentro e fora do partido. Camaradas, aos que acreditavam que a organização em bases está superada, o 7 Encontro nacional de questões de partido e o debate naquele sábado á tarde no comitê municipal demonstram o contrário. Longe de querer ser confundida com funcionalista ou mecanicista, a diversidade das bases partidárias são como as células que oxigenam a construção do partido comunista de massas.

É por dentro e por meio das bases que fazemos as melhores e maiores alianças com nossa gente, sem falar em nome ou colocar palavras na boca do povo. O povo fala e vive independente da nossa vontade ou da nossa presença. Nem o povo e nem o seu voto são propriedade dos partidos, sejam eles, conservadores, meramente eleitorais, ideológicos ou de vanguarda. Quando a(s) aliança (s), dialeticamente construída (s) estão azeitadas (sem esperar que elas sejam sempre do mesmo jeito) conseguimos colher os frutos, junto com o povo, tanto nos desafios organizativos quanto nos embates político-eleitorais e teóricos. O povo ensina e quer aprender; aprende e quer ensinar; "desaprende" e aprende de novo; cria, inventa, influencia e é influenciado. Compreendendo essa dinâmica, as bases devem falar ao povo, que muitas vezes está longe, muito longe das bases, quase totalmente à revelia destas.

Talvez a colocação correta não seja apenas a de escutar as bases. É preciso que as bases falem, atuem, discutam e intervenham no debate para dentro e para fora do partido. Que se representem nos órgãos de direção intermediária e superior. Apenas escutar as bases pode colocá-las em uma posição passiva, quase subalterna. Tal prática, se limitada ao ato que anuncia, parece uma concessão à fala do outro; e nisso, me desculpem, há pouca diferença das igrejas tuteladoras, da mídia conservadora ou de coisa orgânica e ideologicamente parecida. Formar militância não é adestrar militantes com desenvoltura eleitoral, governamental ou de direção partidária. É tarefa para uma vida inteira, tensionada muitas vezes e outras vezes perdida para a máquina devastadora de utopias do capital.

Os quadros partidários precisam estar politicamente vivos, organizados e reconhecendo uns aos outros. Acho que precisamos de um esforço antropológico e político de tornar o estranho familiar, e o familiar, estranho. Não podemos perder a capacidade de nos estranhar. Isto nada mais é do que nos perguntarmos, nos problematizarmos, fazermos e praticarmos a boa e velha autocrítica. Num mundo que vive um momento tão perigoso e de uma só vez, e num único final de semana, “cria uma princesa”, “santifica um homem” e “mata um terrorista”; os impérios mandam seu recado: acelerar um ritmo beligerante que se pretende hegemônico de acumulação de capital e superexploração da força de trabalho.

É aqui, talvez, exatamente aqui, que o partido da classe operária necessita ser invadido pelo sentimento de conhecer as faces do povo trabalhador das primeiras décadas do século XXI, aprendendo com as experiências do passado e construindo o presente sem perder o rumo e a perspectiva estratégica. É difícil, muito difícil; cansativo e, muitas vezes, desgastante. Mas antes de tudo é possível e necessário.

Esta, hoje, é tarefa mais complexa do que a 89 anos atrás, pois a segmentação e a alienação do trabalho tomam novos contornos velhos, tornam a luta de classes mais ferrenha e mais profunda, ao passo em que setores momentaneamente hegemônicos decretam o fim do socialismo como perspectiva da humanidade. O Trabalho, categoria central da sociabilidade humana, desloca-se e é subalternizado pelo consumo, pelo individualismo, pelo “desejo” de elevação dos índices de poder aquisitivo, como forma de ganhar dinheiro e de garantir a sobrevivência. Hoje, mais uma vez e como nunca, tudo que é sólido se desmancha no ar.


* Nágyla Drumond é socióloga, professora e secretária Estadual de Mulheres PCdoB