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Paul Krugman: O presidente ausente

O que fizeram com o presidente Obama? O que aconteceu com a figura inspiradora que seus partidários acreditavam ter eleito? Quem é esse cara chocho e tímido que não parece defender coisa alguma de específico?

Por Paul Krugman*

Compreendo que, com a Câmara dos Deputados sob o controle de republicanos hostis, não há muito que Obama possa fazer em termos de ações políticas concretas. Pode ser que tudo que lhe reste seja o prestígio conferido pelo posto que ocupa. Mas ele não tem se aproveitado disso – ou melhor, tem usado a influência que seu posto lhe confere para reforçar a narrativa oferecida por seus inimigos.

As declarações que fez depois do acordo orçamentário da semana passada servem como exemplo.

Talvez o acordo terrível que ele acabou aceitando, sob o qual os republicanos acabaram conseguindo mais do que haviam solicitado originalmente, tenha sido o máximo que lhe era possível obter – ainda que, do meu ponto de vista, pareça que a ideia do presidente sobre como negociar comece por uma negociação com ele mesmo que envolve concessões iniciais, seguida por nova negociação com os republicanos que acabam por resultar em ainda mais concessões.

E tenha em mente que essa foi apenas a primeira das diversas oportunidades que os republicanos terão para usar seu poder de chantagem quanto a uma paralisação do governo a fim de conseguir o que querem; depois de ceder de modo tão completo já no primeiro round, Obama criou um parâmetro que requererá concessões ainda maiores nos próximos meses.

Mas talvez devamos conceder ao presidente o benefício da dúvida e supor que US$ 38 bilhões em cortes de gastos – e um corte proporcional ainda maior se considerada a proposta orçamentária da Casa Branca – fossem o melhor acordo possível. Ainda assim, será que Obama precisava comemorar sua derrota? Será que precisava elogiar o Congresso por aprovar "o maior corte de gastos anuais em nossa história", como se esses cortes imprudentes de gastos em um momento de alto desemprego – cortes que farão cair o nível de emprego e retardarão o crescimento – fossem realmente uma boa ideia?

Entre outras coisas, o novo acordo orçamentário mais que compensa os efeitos econômicos positivos da grande presa que Obama teria supostamente conquistado com seu acordo de dezembro passado – a extensão temporária da redução da alíquota tributária paga pelos norte-americanos de classe trabalhadora. E o preço daquele acordo, é bem recordar, foi estender por dois anos os cortes de impostos adotados no governo Bush, a um custo imediato de US$ 363 bilhões e com custo potencial muito maior – porque agora está parecendo cada vez mais provável que os irresponsáveis cortes de impostos do governo passado sejam adotados de maneira permanente.

Em termos mais amplos, Obama não está se provando capaz de montar qualquer desafio à filosofia que hoje domina a discussão em Washington – uma filosofia segundo a qual os pobres precisam aceitar grandes cortes nos programas federais de assistência médica e alimentar; a classe média precisa aceitar grandes cortes no Medicare (que na verdade equivalem a desmantelar completamente o programa de saúde); e as grandes empresas e os ricos têm de aceitar grandes cortes nos impostos que pagam. Sacrifício compartilhado!

Não estou exagerando. A proposta orçamentária da Câmara apresentada na semana passada – e elogiada como "audaciosa" e "séria" por todas as Pessoas Sérias da capital – inclui cortes severos no Medicare e outros programas que ajudam as pessoas mais necessitadas, o que entre outras coisas privaria 34 milhões de norte-americanos de seus planos de saúde. A proposta também inclui um plano para reduzir as verbas e privatizar o Medicare, o que faria com que a maioria dos idosos, ou talvez todos eles, se tornem incapazes de arcar com seus custos de saúde. E incluiria um plano para reduzir fortemente os impostos sobre as empresas e a alíquota tributária que incide sobre as pessoas de alta renda, para o seu nível mais baixo desde 1931.

O Tax Policy Center, uma organização apartidária de pesquisa, estima a perda de receita com esses cortes de impostos em US$ 2,9 trilhões ao longo da próxima década. Os republicanos da Câmara alegam que os cortes de impostos seriam "neutralizados em termos de arrecadação" por meio de uma "ampliação da base tributária" – ou seja, pela eliminação de lacunas e isenções. Mas seria preciso eliminar muitas lacunas para cobrir uma brecha de US$ 3 trilhões; por exemplo, mesmo que uma das maiores isenções fosse eliminada, a que incide sobre o crédito residencial hipotecário, o montante arrecadado não chegaria nem perto de cobrir a diferença. E os líderes republicanos evidentemente não propuseram nada assim drástico; não ouvi deles nenhuma indicação sobre que isenções seriam eliminadas.

Seria de esperar que a equipe do presidente não só rejeitasse essa proposta mas a visse como um suculento alvo político. No entanto, embora a proposta do Partido Republicano tenha atraído críticas pesadas de alguns democratas – entre os quais o senador Max Baucus, um centrista que no passado colaborou com os republicanos -, a resposta da Casa Branca foi uma declaração do secretário de imprensa de Obama na qual ele expressava amena desaprovação.

O que está acontecendo, afinal? A despeito da feroz oposição que encontrou desde o dia em que assumiu, Obama parece continuar apegado à ideia de que é uma figura capaz de transpor as diferenças partidárias profundas que existem na política norte-americana. E seus estrategistas políticos parecem acreditar que ele será capaz de se reeleger ao se posicionar de maneira conciliatória e razoável, e se demonstrar sempre disposto a aceitar compromissos.

Em minha opinião, no entanto, o país deseja – e, mais importante, o país precisa de – um presidente que acredite em alguma coisa e esteja disposto a lutar por ela. E não é isso que estamos vendo.

*Economista estadunidense, articulista do New York Times. Fonte: Folha de São Paulo, tradução de Paulo Migliacci