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Há 50 anos, União Soviética fez história ao levar homem ao espaço

Na manhã de 12 de abril de 1961, o soviético Alekseyevich fez um café-da-manhã inédito. Flutuando a 327 quilômetros acima da superfície terrestre, o homem de apenas 27 anos comeu e bebeu dentro de uma bola de apenas 2,3 metros. Ficou conhecido para a posteridade como Yuri Gagarin e seu desjejum matinal era apenas um feito dentro de outro maior.

Gagarin

Foi a segunda refeição do dia para o piloto da força aérea da extinta União das Repúblicas Socialistas Sociéticas (a ex-URSS). Horas antes, na companhia do seu substituto imediato German Titov, o cosmonauta já havia recebido “comida do espaço” para se acostumar à rotina durante a missão.

Nesta terça-feira (12), a Rússia celebra, com grande pompa, os 50 anos deste que foi o primeiro e histórico voo espacial tripulado por um ser humano, realizado por Gagarin. Para marcar a data da primeira órbita completa em torno da Terra, serão realizadas diversas cerimônias em toda a Rússia. No Kremlin, haverá uma salva de 50 tiros. Segundo o presidente russo, Dmitry Medvedev, o cosmonauta participou de um evento "revolucionário" que mudou o mundo.

Desde a missão espacial de 1961, outros 500 homens e mulheres, de mais de 30 países, seguiram seus passos. Mas a primazia coube a um piloto, Gagarin, que — após intensos testes de resistência física e psicológica — foi o escolhido entre mais de 3.500 aspirantes à missão.

Os candidatos foram submetidos a um regime de treinamento severo, que envolvia longos períodos em câmaras de isolamento. Dos seis homens selecionados como possíveis candidatos à primeira aventura do homem no espaço, sobraram somente dois no final — Gagarin e German Titov.

A decisão sobre quem estaria a bordo da nave redonda Vostok 1 (Oriente, em português) foi comunicada ao grupo apenas quatro dias antes da missão. Alguns acreditam que a origem humilde de Gagarin contribuiu para que ele fosse o escolhido. Enquanto Titov teve uma criação de classe média, Gagarin era filho de operários.

Os líderes soviéticos podem ter encarado isso como uma demonstração de que, sob o comunismo, até mesmo os representantes de famílias mais humildes poderiam ser bem-sucedidos. Mas outros defendem que o desempenho do cosmonauta durante o processo de seleção foi um fator muito mais importante.

Corrida espacial

À época, a União Soviética e os Estados Unidos travavam uma batalha silenciosa para saber qual nação levaria o primeiro ser humano à Lua. Durante a Guerra Fria, tais ''primeiras vezes'' eram usadas pelos dois países para afirmar superioridade tecnológica e ideológica.

Os norte-americanos venceram a disputa em 1969, com o “pisão” inaugural de Neil Armstrong no satélite natural da Terra. Mas, nos oito anos anteriores, os soviéticos sempre estiveram à frente — inclusive no lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik, em 1957.

O voo de Gagarin lançou o mundo na era de missões espaciais tripuladas e foi um grande feito da União Soviética. “Quando ele voou, minha primeira impressão foi: ‘Bem, eles passaram à nossa frente novamente”, afirma o americano Charles Duke, que pisou na Lua durante a missão da Apollo 16, em 1972.

No início de 1961, o astronauta americano Alan Shepard vinha treinando para um voo sub-orbital em um foguete Mercury-Redstone, previsto para decolar em maio daquele ano. Os soviéticos não estavam cientes da data do lançamento — mas Sergei Korolev, o cientista-chefe do programa espacial soviético, temia que os Estados Unidos saíssem na frente e pressionou para que o lançamento se desse o quanto antes.

Os americanos só levariam o primeiro homem ao espaço alguns meses mais tarde, durante a viagem de Shepard no voo da Freedom 7, em 5 de maio de 1961. Porém somente em 7 de fevereiro de 1962, durante a missão Friendship, com John Glenn, o país teve seu primeiro astronauta completando uma volta inteira ao redor do planeta. Ambos os feitos fizeram parte do Projeto Mercury, da agência espacial norte-americana (Nasa).

O histórico voo

O voo de Gagarin começou às 9h07 no horário de Moscou, com o lançamento da cápsula Vostok 1 com o foguete R-7. Antes de decolar, o cosmonauta gritou “Poyekhali!” (“Vamos lá!", em tradução livre). A nave partiu das instalações do então secreto Cosmódromo de Baikonur, conhecido à época também como Tyuratam, localizado atualmente nas estepes do Cazaquistão — uma das ex-repúblicas soviéticas.

Onze minutos após a decolagem, o combustível do foguete acabou, a Vostok foi liberada e a humanidade entrava em órbita pela primeira vez. Para girar ao redor do planeta, a Vostok precisou alcançar uma velocidade média de 28 mil km/h. Gagarin não chegou a controlar a nave, ainda que os controles para uma operação manual da Vostok 1 estivessem disponíveis ao piloto soviético.

“Ninguém sabia que efeito a gravidade zero teria sobre os astronautas lá em cima. Eles estavam preocupados com o risco de que ele pudesse ficar desorientado e inválido, uma vez exposto à ausência de gravidade'', lembra Reginald Turnill, repórter de temas aerospaciais da BBC entre 1958 e 1975. “'Foi decidido desde o início que ele não teria o controle da nave espacial — que o controle seria feito a partir da base.”

Durante os 108 minutos de duração da missão, Gagarin deu uma volta inteira em torno da Terra. Com 1,57 metro de altura, ele estava em melhores condições do que muitos para tolerar o aperto de sua cápsula espacial. O cosmonauta se alimentava apertando tubos contendo alimentos líquidos e mantinha os controladores de sua missão a par de seu paradeiro por meio de um rádio de alta frequência e de uma chave de telégrafo.

Havia preocupação com o que aconteceria se o controle a partir da base fosse perdido. Mas Gagarin recebeu um envelope selado contendo códigos que permitiram que ele assumisse o controle da nave espacial com o auxílio de um computador que havia a bordo.

Só mais tarde veio à tona o fato de que a missão por pouco não foi um desastre. Cabos que ligavam a cápsula da nave espacial ao módulo de serviço não conseguiram se separar antes do reingresso de Gagarin na órbita terrestre. Por isso, a cápsula acabou sobrecarregada por um módulo extra ao reingressar na atmosfera da Tera. As temperaturas dentro da cápsula se tornaram perigosamente elevadas, e Gagarin por pouco não perdeu a consciência, após a cabine ter girado violentamente.

Os relatos do cosmonauta narram a sensação de estar sob o efeito de uma gravidade menor. “'Eu estava dentro de uma nuvem de fogo, dirigindo-me para a Terra'”, recordou, depois, o cosmonauta. Foram precisos dez minutos para que os cabos finalmente se soltassem e que o módulo de descida, contendo o passageiro, se libertasse.

Antes de sua cápsula cair, Gagarin saltou de pára-quedas e retornou ao solo terrestre às 10h55, pousando perto do rio Volga, numa área de plantação em Smelovka, na província de Saratov, a 300 quilômetros de onde deveria ter pousado. O cosmonauta recebeu, então, seu terceiro café-da-manhã naquele dia: leite e pão de Anna Takhtarova — uma avó espantada com a figura de um homem vestido em trajes laranjas e com um capacete, vindo do espaço.

Legado

Após retornar ao planeta que ele reconheceu como “azul”, o outrora desconhecido piloto foi transformado em herói soviético e celebridade mundial. Monumentos foram erguidos em sua homenagem, e ruas foram batizadas com o seu nome em diversas cidades soviéticas.

Gjatsk, a cidade em que ele passou boa parte de sua infância, foi até mesmo rebatizada como Gagarin. Nikita Khruchov abraçou o cosmonauta assim que ele saltou do avião que o trouxe a Moscou. Pouco depois, o líder soviético o compararia a Cristóvão Colombo e lhe concederia, efetivamente, o status de herói da União Soviética.

Gagarin foi poupado de outras missões pelo medo de um acidente encerrar a vida de um dos principais ícones soviéticos durante a Guerra Fria. Ironicamente, o temor se justificou em 28 de maio de 1968, quando, num acidente durante testes em um avião MiG, Gagarin morreu aos 34 anos.

Na última sexta-feira, em entrevista à imprensa, o chefe dos Arquivos do Kremlin, Aleksandr Stepanov, leu um documento sobre a investigação que estava guardado a sete chaves: "Conclusões da comissão: segundo as análises das circunstâncias do acidente aéreo e os elementos da enquete, a causa mais provável da catástrofe seja uma manobra brusca (do piloto) para evitar uma sonda atmosférica".

"Espero que ponham um ponto final às numerosas especulações que circulam na Rússia em livros pseudo-históricos", declarou Stepanov. Já o subchefe da agência espacial russa Roskosmos, Vitali Davydov, afirmou que todos os documentos disponíveis sobre o assunto foram desarquivados. No entanto, "não encontramos alguns deles".

São mais de mais de 200 documentos e processos desarquivados, por ocasião dos 50 anos do voo de Gagarin. Como sinal da importância do caso, as conclusões haviam sido inscritas num decreto do Comitê Central do Partido Comunista da então URSS, datado de 28 de novembro de 1968, com o selo de "segredo de Estado". Após a tragédia, uma cratera na Lua e um asteroide foram nomeados em homenagem ao cosmonauta.

Monumento

Em outra iniciativa que é parte da série de eventos para marcar os 50 anos da viagem pioneira ao espaço, uma estátua de Gagarin será instalada em Londres, por um ano, a partir de julho. A obra, com 3,5 metros de altura, feita de zinco e alumínio, é um presente da Agência Espacial Russa ao Conselho Britânico — entidade que representa a Grã-Bretanha culturalmente no exterior.

Depois de entrar para a História a bordo da cápsula Vostok, Gagarin saiu numa turnê mundial que incluiu o Reino Unido, onde se encontrou com o então primeiro-ministro, Harold McMillan. Documentos confidenciais divulgados recentemente revelam que o governo britânico não sabia ao certo como lidar com a visita do russo.

O encontro teria sido arranjado às pressas, somente após os políticos se darem conta de que Gagarin era popular entre os britânicos. “Ele não era apenas o homem mais popular do mundo ao retornar do espaço para a Terra” comenta Andrea Rose, diretor de artes visuais do Conselho Britânico. “Gagarin também era a única figura famosa que não era estrela de cinema nem rei ou rainha. Era um ídolo de raízes populares.”


Da Redação, com agências