Geraldo Galindo: Dilma, direitos humanos e política externa
A grande imprensa brasileira comemorou pra valer o voto brasileiro para o envio de um "fiscal" dos direitos humanos ao Irã. Com raríssimas exceções, como a de Clóvis Róssi, tucano articulista da Folha, todos viram uma mudança de posição do atual governo em relação ao anterior.
Por Geraldo Galindo*
Publicado 12/04/2011 09:32 | Editado 04/03/2020 16:19
Dilma estaria explicitando suas diferenças com o ex-presidente Lula na seara internacional, logo numa das áreas onde o país mais avançou nos últimos anos, assumindo uma postura enfática na defesa da soberania do país e de protagonismo político e diplomático, deixando de ser um subalterno dos EUA.
Seria uma precipitação agora afirmar categoricamente que há uma mudança de rumo, mas poderíamos especular que há sinais preocupantes de uma nova política que possa servir aos interesses imperialistas. Logo depois de tomar posse a presidente fez uma viagem à terra de Maradona e lá disse enfaticamente que não seria condescendente com a violação dos direitos humanos, o que nenhum cidadão normal deve se opor. Ocorre que ela se referia, conforme a imprensa, a Cuba e ao Irã, onde uma mulher teria sido condenada a morte por apedrejamento em razão de adultério, a mesma pena ridícula estabelecida na bíblia cristã para o mesmo "crime".
O voto do Brasil no Conselho dos Direitos Humanos da ONU em sintonia com os norte-americanos não teria ocorrido sob o governo Lula e é um gesto que provoca preocupações justas para quem defende o Brasil como um país autônomo e não sujeito às pressões das potências imperialistas. Qual o objetivo de se enviar um "fiscal" de direitos humanos ao Irâ? Por que o Irã e não a Arábia Saudita, o Iemen? É que o primeiro é uma teocracia que não se dobra aos interesses dos grandes países e os outros dois são teocracias sanguinárias, bem piores do que a do Irã, mas que são aliados dessas mesmas nações. É a velha tese de que uma ditadura amiga é muito bem vinda e ditadura inimiga deve ser destruída, para possivelmente surgir uma outra ditadura amiga.
A propósito, o mundo só passou a saber recentemente que existia ditadura no Egito e no Marrocos. Estes nunca foram assim rotulados, pois eram aliados das potencias ocidentais. A Arábia Saudita talvez seja a pior ditadura do mundo. Lá é proibido qualquer tipo de organização da sociedade civil, não há parlamento, não há eleições (o que há no Irã), as mulheres são oprimidas, os homossexuais perseguidos e uma dinastia comandada por ferozes ditadores, chamados gentil e formalmente pela imprensa ocidental, inclusive a do Brasil, de Reis. Quando tratam da Venezuela, onde há eleições regulares, dizem ser ditadura, o presidente ditador etc.
Mas voltando à preocupação excessiva da presidente Dilma com os direitos humanos no Irã e em Cuba, talvez ele devesse se preocupar mais com esses direitos aqui no nosso próprio Brasil, preocupações que efetivamente tem, pois ela representa um projeto de mudanças no Brasil iniciado pelo presidente operário (que as elites tanto odeiam) e que fazem de tudo para distanciar um do outro. Neste exato momento em que escrevo essas linhas tem centenas de brasileiros sendo torturados nas delegacias, milhares sendo humilhados e morrendo nas filas de hospitais, jovens sendo executados pelas Polícias Militares, trabalho semi-escravo até em obras do PAC, o centro de São Paulo abarrotado de homens e mulheres consumindo drogas e dormindo no meio da rua lado de animais.
Mas o que gostaria mesmo era que a presidente Dilma tomasse uma decisão corajosa de enfrentar pra valer os torturadores do regime militar, de quem foi vítima. Na Argentina, Uruguai e Chile esses violadores dos direitos humanos estão sendo processados, julgados e punidos por um crime que a nossa constituição considera imprescritível e insuscetível de anistia. E o nosso governo continua a fazer de conta que o problema não existe enquanto os assassinos circulam livremente como se nada tivesse acontecido.
A abstenção do Brasil à autorização para o "bloqueio do espaço aéreo líbio" para a "proteção dos civis" é outra demonstração de sinais preocupantes. Qualquer pessoa medianamente instruída sabe que os americanos não estão preocupados com "civis", pois estes foram as primeiras vítimas de seus criminosos bombardeios, mas apenas para, juntamente com a comunidade européia, se apropriar das imensas riquezas de petróleo nas mãos do ditador líbio, até há pouco, amigo deles.. O Brasil deveria ter votado contra e assim demonstrar ao mundo que existe um país emergente no cenário internacional que se opõe ao terrorismo de estado patrocinado pelos imperialistas. Mudança de rota? A ver.
Recentemente a Comissão Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil por supostamente violar os direitos humanos dos indígenas na construção de uma hidrelétrica em Rondônia. E logo depois o governo dos EUA divulgou seu relatório dos direitos humanos relatando problemas graves no Brasil, que efetivamente existem, mas o maior violador de direitos humanos no mundo não tem moral alguma para levantar suspeitas contra outros países. Logo eles que jogaram bombas atômicas no Japão, bombardeiam países e povos sempre que podem em sua política de pilhagem, apoiaram as ditaduras sanguinárias da América latina e apoiam regimes ainda piores no norte da África, sem falar que Tio Sam concentra a maior população carcerária do mundo, em sua maioria formada por negros e hispânicos.
A reação do Brasil às duas provocações foi dura e à altura, uma posição firme, digna de um país soberano. Está de parabéns. Mas da mesma forma que o Brasil deve repelir tais relatórios e intromissão de prepostos americanos em nossa política interna e externa, como justificar o voto brasileiro ao lado dos americanos para condenar direitos humanos em outro país?
* Geraldo Galindo é presidente do PCdoB em Salvador-BA