Osvaldo Carioca: Um defensor da Ciência e das Energias Renováveis

O Vermelho/CE conversou com Osvaldo Carioca que, durante a entrevista falou sobre energias renováveis, o papel da Academia no desenvolvimento da sociedade, desenvolvimento sustentável e investimentos na área.

O engenheiro químico José Osvaldo Beserra Carioca era ainda jovem, aluno da primeira turma de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará, quando iniciou as pesquisas na área de biomassa. Mesmo antes de terminar a graduação, começou a ensinar na UFC. Depois, passou em primeiro lugar para o doutorado, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ainda era cedo quando o cearense visualizou que os recursos fósseis eram finitos e passou a dedicar seus estudos aos meios de superar este futura carência. “Ainda estudava Termodinâmica na UFC quando, em 1973, aconteceu a crise do Petróleo. Naquela época, diziam que teríamos este combustível até por volta do ano 2000. Esta conscientização forte surgiu não só em mim, mas em todo o país”, recorda Carioca. O professor também cita a criação do Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), em meados de 1975, como outro fator determinante que o fez dedicar sua vida aos estudos das energias renováveis. “Vivíamos a descoberta de um problema e tínhamos que encontrar uma solução para ele”, ratifica.

Após concluir o curso de Engenharia na UFC, Osvaldo Carioca fez mestrado e doutorado na Coppe/UFRJ, escola de referência em Engenharia na América Latina. “Quando voltei ao Ceará, fiz uma opção pela energia de biomassa”. Segundo o engenheiro, devido às pesquisas que já desenvolvia na época, recebeu um convite para atuar no Centro de Pesquisas da Petrobras. “Por ter sido aluno da UFC, não considerei ético deixar o Ceará. Optei por continuar aqui, retribuir o investimento da Academia em mim e empregar no nosso Estado o que tinha aprendido”. Foi quando surgiu a oportunidade de realizar o 1º Congresso Brasileiro de Energias de Biomassa.

Em 1978, Osvaldo Carioca foi um dos organizadores do encontro que trouxe ao Ceará o cientista americano Melvin Calvin, prêmio Nobel de Química de 1961. “Ele era o homem da fotossíntese, seu trabalho foi voltado a determinadas plantas que produzem combustíveis e deixou uma contribuição sobre o mecanismo das plantas de uma grandiosidade enorme para a produção de alimentos, combustíveis e medicamentos”, enumera. Ainda segundo o cearense, o pesquisador apresentou ideias naquela época para o desenvolvimento do país no futuro que ainda hoje são levadas em conta.

Ainda por volta de 1978, o professor Carioca, com o apoio do Ministério das Minas e Energia, estruturou projetos de pesquisa sobre biomassa. Naquele contexto, recorda, o programa do álcool já existia e a grande preocupação era o biodiesel. “Chegamos a estudar plantas e óleos vegetais que não concorrem com o setor de alimentos. Este País tem uma biodiversidade fantástica. Poderíamos sair da civilização do petróleo para a da biomassa, dos recursos renováveis. Isso norteou nossas ações. Dessa pesquisa inicial surgiu a pedra fundamental do que viria a ser o biodiesel, um projeto do Ceará”.

Futuro renovável

“O clima rígido, seco e o tipo de solo dificultavam as pesquisas da ciência aqui. Diante disso, buscamos encontrar soluções. As pessoas só viam as vantagens do petróleo mas tínhamos que olhar também para o outro lado. Era preciso dar emprego no campo e isto seria mais importante tanto para o Nordeste quanto para o Brasil. Era preciso investir num futuro renovável”, argumenta.

Osvaldo Carioca considera o “legado religioso” dos pais um fator importante para sua dedicação aos estudos da biomassa. “Tenho um pensamento com base social forte. Acredito que só a igualdade social proporcionará a grande redenção deste país. E temos esta chance com o investimento na agricultura como forma de desenvolvimento sustentável. O Brasil tem grande potencial para a biomassa e deveria ser liderança mundial no setor. Temos terra e gente, falta investimento. Para mim, este seria o vetor de equalizar a riqueza do Brasil, dar emprego no campo e proporcionar distribuição de renda”, defende.

O pesquisador ratifica a importância de o Brasil desenvolver uma visão estratégica, de um país tropical, com riqueza verde no solo. “Temos meios de criar emprego e gerar renda. Com isso, iremos descentralizar os recursos e investimentos. Temos que ser bons nisso e saber desenvolver políticas públicas neste sentido. O Brasil precisa gerar emprego no campo e investir em ciência e tecnologia”, acredita.

Novo pensamento

As discussões acerca de ecologia, meio ambiente e energias renováveis, de uns tempos para cá, passaram a ser a tônica de muitas rodas de conversa e até de temas de noticiários. Segundo Osvaldo Carioca, vivenciamos um ciclo de preocupação ambiental e o Brasil tem tudo para inserir-se nele. “Apesar disso tudo, vemos que ainda é preciso muito para avançar. Aumentou o número de matérias veiculadas, a conscientização das pessoas parece se solidificar, as pesquisas nas universidades crescera mas ainda falta muito”, avalia.

Para o Doutor em biomassa, o etanol é um sucesso brasileiro e foi decisivo numa época onde os estudos ainda eram precários. “Mas o álcool ainda está longe de ser o combustível ideal”, considera. O pesquisador defende que o “hidrogênio é o combustível do futuro”. “Em termos de biocombustíveis, o Brasil ainda tem uma visão fragmentada, quando deveria ser integrada, estratégica”.

Ceará e energias renováveis

Lixo, microalgas, química verde e energia eólica são alguns dos elementos que estão recebendo atenção de Osvaldo Carioca. Para o pesquisador, a matriz renovável mais viável para o Ceará é a dos ventos. “A eólica é a energia mais factível nesse momento. Decididamente nosso Estado possui um invejável potencial. Cerca de 50% do potencial eólico do país está concentrado no Ceará e no Rio Grande do Norte. Mas temos que observar também o impacto ambiental deste investimento. Enquanto dizem que é mais barato, questiono: mas a que custo? É preciso atuar de forma estratégica para ter retorno e diminuir impactos”, considera.

Pré-sal

Sobre o pré-sal, o Professor Carioca ainda espera boas notícias. “É inegável o potencial energético que o país aponta, mas ainda acho que investir em energias renováveis seria mais correto. Mesmo com toda a disposição do governo em explorar o petróleo, creio não haver ainda tecnologia suficiente para a prospecção de petróleo nessa camada tão profunda, apesar de a Petrobras deter tecnologia de ponta”.

O pesquisador volta a defender que a biomassa é mais barata, proporciona desenvolvimento sustentável e distribuição de renda. “Apostar na biomassa seria um retorno ao campo. Para mim essa questão do pré-sal mobilizará muitos recursos mas as políticas relacionadas com o biocombustível são prioritárias para o País. Mas, infelizmente, a máquina do governo ainda não processou essa realidade”.

O papel da Academia

Para o Doutor cearense, a atuação das universidades nas pesquisas de energias renováveis é preocupante. “Até temos dinheiro para pesquisa. O que faltam são boas ideias. A Academia ainda vive muito do campo teórico, do discurso. É preciso uma conscientização crítica para alertar que os recursos devem ser investidos nas demandas prioritárias do país. É preciso que o discurso saia do papel”, enfatiza.

Perspectivas com Dilma

“Creio que, por ter uma formação energética forte, a Presidenta Dilma irá investir no setor. Temo apenas pelos seus assessores”, avalia. Entre o otimismo e a prudência, o Professor Carioca espera que os investimentos em energias renováveis e pesquisa sejam contemplados no novo governo.

Questionado sobre como imagina o mundo daqui a 10 anos, diante deste novo cenário de mais consciência ambiental, o pesquisador não parece muito otimista. “Acho que não será muito diferente do atual. Mas eu espero que ele mude conceitualmente com discussões e investimentos em pesquisa”, projeta.

Mais sobre Professor Carioca

Osvaldo é Mestre e Doutor pela Coppe/UFRJ, escola de referência em Engenharia na América Latina. Com Pós-Doutorado na Alemanha, o pesquisador passa parte do ano no país e lá desenvolve pesquisas com hidrogênio e microalgas.

Nascido em Maranguape em 1944, o professor José Osvaldo Beserra Carioca teve onze irmãos e uma vida dedicada aos estudos e à pesquisa. Em 1950, a família mudou-se para Fortaleza.

Osvaldo Carioca é casado com Lúcia Vale – “uma pessoa fantástica”. O casal tem três filhos: Christiane, Francisco e Luciano.

Representou o Brasil em vários encontros sobre energia alternativa no mundo. Participou por três vezes da Conferência de Energia das Nações Unidas além de tomar parte de feiras mundiais. Como professor visitante, mantém uma estreita ligação com a Universidade de Colônia, na Alemanha.

Atualmente, é professor titular do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFC e lidera o movimento de implantação da Rede Nacional de Pesquisas sobre Química Verde. Realiza ainda pesquisas com microalgas juntamente com estudiosos de Israel. É autor de 15 livros e mais de 200 trabalhos científicos em revistas especializadas.

De Fortaleza,
Carolina Campos