Partido Comunista começa a atrair jovens e trabalhadores nos EUA
Nos tempos da Guerra Fria, eles eram temidos, perseguidos e odiados. Hoje, quando os membros do Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA) aparecem em público, a reação é de surpresa. Vinte e dois anos depois da queda do Muro de Berlim, pouca gente sabe que ainda existem comunistas no país.
Por Adriana Maximiliano, no Opera Mundi
Publicado 09/04/2011 12:03
Juntos, o CPUSA e sua irmã mais nova, a Liga Comunista Jovem dos Estados Unidos (YCLUSA, na sigla em inglês), têm cerca de 3 mil membros cadastrados. Para mudar este quadro, a YCLUSA inaugurou há duas semanas a Red School Bus Tour, que oferece aulas gratuitas sobre comunismo de costa a costa.
"Temos aulas e debates sobre marxismo e o movimento político; Construindo o movimento para mudar; A crise do capitalismo hoje; Classe Trabalhadora e o Movimento Operário (…). E também muitas atividades culturais, sociais e recreativas", enumera a propaganda no site da liga.
Transmitida ao vivo pela internet, a Red School Bus Tour é uma das poucas novidades do site. A última edição da revista da liga saiu em 2008, o último post do blog é de 2009 e o último podcast, do ano passado. No entanto, a página da YCLUSA no Facebook respira bem, com mais de 900 fãs e posts sobre Che Guevara e Tania, a Guerrilheira.
"O futuro do partido é certo. Estamos envolvidos em todas as principais lutas dos trabalhadores do país", garante o presidente do CPUSA, Sam Webb, de 65 anos. Durante os protestos contra a redução de direitos trabalhistas em Wisconsin, na semana passada, os membros do partido foram convocados para participar das manifestações em suas cidades.
Em Washington, uma pequena multidão vestida de vermelho e branco – em homenagem à Universidade de Wisconsin-Madison – pedia melhores condições de trabalho e o fim das desigualdades sociais. "É inspirador ver esse povo vestindo vermelho e lutando por direitos trabalhistas. Queremos ver essa multidão crescer por todo o país", comentou o manifestante russo Vlad Gurenko, que mora em Washington e usava uma camiseta vermelha da aviação russa Aeroflot.
Mas a procura no ponto de partida do Red School Bus Tour, em Los Angeles, não chegou a ser revolucionária. "Apareceram entre 20 e 30 pessoas. Mas, se somarmos o público online, tivemos um total de cem alunos. E alguns deles viraram membros no mesmo dia", garante o organizador nacional da liga, Jordan Farrar, de 27 anos.
Filho de republicanos, Farrar acredita que o Partido Comunista passa por um bom momento: "É encorajador ser um comunista nos Estados Unidos hoje. Diferentemente do que a mídia capitalista acredita, nós somos cada vez mais bem-vindos".
Ele tem certa razão. Uma pesquisa do Washington Post e da rede de TV ABC mostrou em janeiro que 36% dos americanos simpatizam com o socialismo, enquanto 35% simpatizam com o ultraconservador Tea Party. "O Tea Party é uma besta. Eu tenho grande familiaridade com eles. Minha mãe é um deles e Lloyd Marcus, um ativista notável do partido e cantor horroroso, é um velho amigo da minha família. Minha mãe se casou no quintal dele", conta Farrar.
Até abril, a Red School Bus Tour vai passar pelos Estados de Texas, Flórida, Michigan e Connecticut. Desde que a novidade foi anunciada, a liga vem recebendo ameaças anônimas. "Se eu vir comunistas perto de crianças, vou deixá-los com a cara vermelha!", escreveu no site da YCLUSA um leitor, escondendo sua identidade sob um apelido impublicável.
Os ataques provocaram debates no site e na página da liga no Facebook. Mas os anônimos anticomunistas não são nada perto do inimigo que eles tentam combater, como explica um dos professores do Red School Bus Tour, o vice chairman do CPUSA, Jarvis Tyner: "Nossos inimigos são as corporações e os bancos. São eles que fecham fábricas, cortam salários e benefícios, e forçam as pessoas, especialmente os jovens, a trabalhar por salários baixos ou entrar para a carreira militar a fim de ter uma educação e uma renda".
Exatamente o mesmo inimigo desde 18 de setembro de 1919, quando um dos fundadores do CPUSA, C. E. Ruthenberg, escreveu um documento anunciando a criação do partido: "O Partido Comunista é um fato". Este e outros milhares de documentos acabaram sendo doados para a Biblioteca Tamiment, da Universidade de Nova York, há quatro anos. "Nem imaginava que eles (comunistas) ainda existiam", disse o diretor da Tamiment, Michael Nash, ao jornal The New York Times na época.
Reforma ecologicamente correta
Na ocasião, o partido precisava abrir espaço em sua sede para novos inquilinos. Do prédio de oito andares no Chelsea, bairro nobre de Manhattan, os comunistas habitam hoje apenas um andar. Os outros foram alugados, inclusive a loja no térreo, onde ficava a livraria do partido. Uma corretora de imóveis e uma loja de produtos de arte, entre outros inquilinos, ajudam a reforçar o orçamento do partido, possibilitando, há três anos, uma reforma 100% ecologicamente correta na sede.
Ao custo de US$ 1 milhão, a reforma fez o partido voltar à mídia – ainda que por poucos dias. Balançando a bandeira da ecologia com o slogan "Pessoas e Natureza antes dos Lucros", o CPUSA optou por carpetes biodegradáveis, sensores de luz, tinta não-tóxica e janelas imensas para aproveitar a luz natural. Mas sempre com a cor vermelha prevalecendo na decoração.
Se agora eles vivem de doações dos membros e dos aluguéis, a história era outra até o fim dos anos 80. Numa época em que os líderes do partido ainda eram obrigados a usar codinomes para se protegerem, o Kremlin enviava dinheiro regularmente. Entre 1971 e 1990, o CPUSA recebeu, em segredo, US$ 40 milhões.
O partido ainda tinha, naquela época, candidato a presidente dos Estados Unidos. Gus Hall, um dos líderes mais famosos do partido, concorreu à presidência quatro vezes (1972, 1976, 1980 e 1984), foi apontado pelo FBI como um inimigo poderoso e ficou preso oito anos por causa de seus ideais políticos. Em 1976, ele obteve o maior número de votos da história do partido – cerca de 58 mil – e terminou em oitavo lugar, entre os 17 candidatos.
Desde a última candidatura de Hall, em 1984, o partido não teve mais candidato. "Eu vou poder me candidatar quando completar 35 anos", conta, entusiasmado, o líder da YCLUSA, que tem uma página no Facebook com o título "Jordan Farrar para presidente em 2020!".
A morte de Gus Hall, no ano 2000, poderia ter sido um divisor de águas na história do CPUSA. Com mais de 30 anos no partido, Sam Webb assumiu o cargo de presidente disposto a tirar os comunistas do ostracismo nos Estados Unidos. Mas Webb, até agora, não conseguiu nada. Não há nenhum representante do CPUSA entre senadores, deputados, governadores ou prefeitos.
"Eleições em nível nacional dependem de muito dinheiro. A de 2012 vai ser marcada por campanhas bilionárias e este é exatamente o problema com o processo democrático num sistema capitalista. Nós somos uma organização de trabalhadores e não temos o dinheiro que os partidos Republicano e Democrata têm", lamenta Jordan, que termina a conversa com a saudação "Viva Dilma!".
O momento, no entanto, não é dos piores. Com o fim da Era Bush, o presidente Barack Obama assumiu o país contando ter tido um mentor comunista nos anos 1970. Ele também apoiou a candidatura do senador Bernard Sanders, que está desde 2006 no Capitólio, em Washington. Sanders faz parte do Partido Independente e foi o primeiro socialista declarado a assumir este cargo nos Estados Unidos.
"É preciso esclarecer que o senador Sanders se identifica com o Partido Democrático Socialista da Escandinávia, que prioriza a educação e o sistema de saúde", joga areia o porta-voz do político, Will Wiquist.
O CPUSA não tem hoje 80 mil membros, como aconteceu nos anos 30, nem potenciais candidatos a cargos importantes. Mas ainda sobra otimismo. As convenção nacionais do partido, que acontecem a cada quatro anos, são uma prova disso. A mais recente foi realizada no ano passado, em Nova York, e terminou com líderes veteranos e novatos cantando hinos comunistas. Mais uma vez, ficou claro que a maior esperança do partido repousa sobre jovens como Jordan Farrar.
"Estamos planejando um movimento de base para combater a crise econômica e fazer crescer o Partido Comunista e a Liga Comunista Jovem. Esta é nossa melhor contribuição para as eleições de 2012 e para construir uma classe trabalhadora maior e um movimento popular de longa duração", escreveu a líder do partido em Connecticut, Joelle Fishman, num artigo publicado no site do CPUSA, há três semanas.
A boa notícia, para os simpatizantes do partido é que movimentos de base bem estruturados costumam dar certo nos Estados Unidos. Não importa o partido. Em 2008, a campanha que tirou os republicanos do poder começou com um movimento de base dos democratas. Por outro lado, no ano passado, os republicanos conseguiram vitórias surpreendentes por causa do movimento de base do Tea Party.
A má notícia é que o Red School Bus Tour é a chave do movimento de base do CPUSA.