Brasileiros comuns expressam admiração pelo ex-vice José Alencar
Não foram apenas políticos e autoridades que compareceram nesta quarta-feira (30) ao velório do ex-vice-presidente José Alencar. Com a abertura da cerimônia ao público em geral, o povo também compareceu ao Palácio do Planalto para dar o último adeus ao ex-vice-presidente.
Matéria atualizada às 23h45
Publicado 30/03/2011 19:21
A presidente Dilma Roussef e o ex-presidente Lula chegaram à Base Aérea de Brasília após voo de quase nove horas diretamente de Lisboa (Portugal). Os dois chegaram de helicóptero ao Palácio do Planalto, depois de uma viagem a Portugal na qual Lula recebeu prêmio de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra. Dilma também visitava o país. Ambos anteciparam o retorno por conta do velório.
Muito emocionado diante do caixão daquele que, mais do que seu vice, foi um grande amigo e aliado durante os últimos 8 anos, Lula chorou várias vezes, beijou a testa de Alencar e conversou bastante com Josué Gomes da Silva, filho que comanda o império têxtil deixado pelo ex-vice-presidente.
Também vestida de preto, Dilma prestou homenagens de forma menos emocional ao amigo e trocou apenas algumas palavras com a viúva, Mariza Gomes da Silva, a quem abraçou no fim da celebração. Fez o mesmo para a ex-primeira-dama, Marisa Letícia. Mais ouviu do que falou.
Brasileiros comuns celebram a história de vida de Alencar
Sentimentos de comoção, admiração e respeito pela trajetória pública de Alencar eram comuns também entre os milhares de brasileiros anônimos que foram ao Palácio do Planalto render as últimas homenagens ao ex-vice-presidente.
Neise Azevedo, de 78 anos, foi a primeira a chegar em frente ao Palácio do Planalto para enfrentar a fila e entrar no velório de Alencar. “José Alencar foi uma pessoa maravilhosa, honesto e digno. Um exemplo para o Brasil”, disse.
Para o estudante do ensino médio Genner Wygh, de 15 anos, o ex-vice-presidente foi responsável por mudanças na política brasileira. “A visão que ficou de José Alencar foi muito boa, nas vezes que ele estava ao lado do Lula, conseguiu mudar a sociedade brasileira.”
O aposentado João Lima Coimbra, de 68 anos, saiu de sua casa, a 30 quilômetros do Palácio do Planalto, para prestar a última homenagem a Alencar. “Para mim, o José Alencar foi um homem público, íntegro, trabalhador e deixou um exemplo de honra.”
A comerciante Maria de Lurdes Rosário, de 67 anos, disse ter saído de sua cidade natal – Urucuia, no interior de Minas Gerais – para homenagear o ex-presidente. “Moro em Minas Gerais, são quatro horas e meia de viagem. Vim a Brasília só para ver José Alencar. Ele nos deu um perfeito exemplo de vida”, disse.
O comerciário José Luís, de 32 anos, afirma que veio ao velório por considerar Alencar um “exemplo de pessoa, garra e determinação”. "Mesmo sabendo que a morte é uma coisa certa para todos, ele lutou com muita garra", disse.
José Luís confessa que nunca votou na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Alencar, mas que o governo dos dois o surpreendeu positivamente."Eu era oposição, mas passei a admirar muito os dois pelo governo deles. A economia melhorou, dando chance para os mais pobres. Eles olharam para o povo".
O aposentado Nilson Cazumba, 55 anos, afirma que Alencar vai ficar para a história."Ele era uma pessoa legal, bacana, com coração bom, e a gente tem que ficar sempre perto das pessoas assim", afirmou.
Cazumba considera que Alencar mostrou um bom serviço no tempo em que foi vice-presidente. "Ninguém nunca reclamou dele", lembrou.
O aposentado Wilson Gonçalves, de 54 anos, foi de Taguatinga (DF) para a missa de Alencar. Para Gonçalves, o ex-vice foi um raro exemplo de político honesto. "É muito difícil um político honesto como ele. Esses [políticos] que existem atualmente deveriam se espelhar mais nele. A trajetória dele é muito bonita".
Gonçalves sofre de câncer na glândula tireoide, e conta que a postura de Alencar em sua luta contra a doença serviu para ele como uma forma de buscar coragem para enfrentar a situação de adversidade. "Alencar é uma inspiração".
A professora de geografia Kátia Garcia, de 45 anos, afirma que foi ao velório de Alencar por considerar que o ex-vice foi responsável por uma mudança do Brasil para melhor nos últimos anos. "Alencar foi muito importante para a história do Brasil. Ele ajudou a diminuir as distâncias entre os mais ricos e os mais pobres".
Como exemplo, a professora, moradora de Brasília, cita a melhora do Brasil no ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Ela afirma que a inclusão dos mais pobres não foi obra exclusiva do ex-presidente Lula, pois ele e Alencar tinham uma parceria. "Foi uma parceria entre os dois. Se não houver sintonia não funciona".
Ela considera Alencar um caso raro de alguém que, apesar de fazer parte da “classe dominante”, se preocupou com os mais pobres. "A classe dominante está sempre por cima e o povão lá embaixo, mas ele sempre foi bem quisto tanto pela população excluída quanto pela população rica".
Kátia conta que estava na posse da presidente Dilma Rousseff, e que chorou durante a cerimônia pelo fato de Alencar não estar presente.
O professor da rede municipal do Rio Celso Ribeiro lembrou da permanente defesa de Alencar por juros mais baixos. “Além de ter sido estratégico para a eleição do presidente Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] no primeiro mandato, todas as vezes que José Alencar falava à imprensa defendia a queda dos juros, mostrando-se a favor do consumidor mais pobre”, disse.
O professor ainda acrescentou que: “Alencar é o nome do resgate da democracia no país e foi uma pena ele não ter participado da posse da presidente Dilma [Rousseff], ao lado do Lula [ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva]”.
Esta é a segunda vez, em 50 anos, que o Palácio do Planalto foi aberto para velórios. A primeira e única ocasião que isso tinha acontecido foi durante o funeral do ex-presidente Tancredo Neves, em 1985. Desta vez, porém, a visitação do público permitiu um fato raro: que populares pudessem subir a rampa, fato permitido apenas aos presidentes da República e autoridades em visita oficial ao Brasil.
Alencar encarnou o "cidadão comum", diz analista
A professora e cientista política Lúcia Avelar integrou um grupo de estudos que ajuda a explicar esta admiração do povo por políticos como Lula e José Alencar. Segundo ela, José Alencar personalizou o “cidadão comum”.
“Para uma pessoa honrada como José Alencar é melhor a morte do que ser desonrado”, destacou a professora da UnB. Ela destacou que tal postura não se construiu “de uma hora para outra”, mas no decorrer de toda uma vida pessoal e profissional.
Ela também avaliou a importância de Alencar na manutenção da estabilidade política do país no momento mais grave dos oito anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi a crise de 2005 no episódio que a mídia batizou de "escândalo do mensalão".
Lúcia Avelar ressaltou que o então vice-presidente sempre foi um “admirador e companheiro fiel do presidente Lula”. Foi com essa convicção, acrescentou ela, que José Alencar “não se deixou cair no canto da sereia” de empresários e políticos que viam nele a oportunidade de assumir o poder “por se tratar de uma pessoa do setor empresarial e acharem que, com ele, seria diferente”.
Em entrevista à Agência Brasil, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, fez a mesma avaliação daquele momento político vivido por Lula. Para ele, ao se manter fiel ao presidente, Alencar preservou o governo de maiores desgastes e, com Lula, foi o maior responsável pela retomada da normalidade política no país.
Alencar enfrentava câncer desde 1997
O empresário mineiro e ex-vice-presidente da República José Alencar morreu às 14h41 desta terça-feira, aos 79 anos, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. De acordo com nota oficial da instituição, Alencar morreu em decorrência de câncer e falência de múltiplos órgãos. Ele lutava contra a doença desde 1997. Ao todo, foi submetido a 17 cirurgias nos últimos 13 anos.
O ex-vice-presidente foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) na segunda-feira, com um quadro de suboclusão intestinal, em "condições críticas". Ele havia recebido alta em 15 de março, após uma internação de mais de um mês na instituição devido a uma peritonite (inflamação da membrana que reveste a cavidade abdominal) por perfuração intestinal.
Alencar nasceu em 17 de outubro de 1931 em um povoado às margens de Muriaé, cidade de 100.063 mil habitantes no interior de Minas Gerais. Ele era casado com Mariza Campos Gomes da Silva, com quem teve três filhos.
Em 1967, em parceria com o empresário e deputado Luiz de Paula Ferreira, fundou, em Montes Claros (MG), a Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), hoje um dos maiores grupos industriais têxteis do país. Estabelecido no setor empresarial, candidatou-se para o governo de Minas em 1994 e, em 1998, conquistou uma vaga no Senado Federal por Minas Gerais. Elegeu-se vice-presidente na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, tendo sido reeleito junto com o petista em 2006.
Velório e cremação em MG
O corpo de Alencar será velado também com portões abertos ao público a partir das 9h de quinta-feira (31), no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte, ex-sede do governo de Minas Gerais. A previsão é que o velório se estenda até às 13h. Lula e Dilma estarão presentes à cerimônia.
A assessoria do ex-vice-presidente José Alencar confirmou que o corpo do político será cremado amanhã, às 14h, em Belo Horizonte.
Da redação,
com agências