Alternativas na UE: Direitos, Produção, Solidariedade e Soberania
Permitam-me, no encerramento deste debate, começar com duas saudações.
Por Jerônimo de Souza*
Publicado 30/03/2011 16:30
Em primeiro lugar, a todos os intervenientes. Na globalidade, as suas intervenções encerram no seu conteúdo quatro princípios que para os comunistas portugueses são fundamentais: qualidade e rigor na análise concreta e teórica da realidade; profunda ligação à vida e a essa mesma realidade; compromisso de classe com os direitos, a democracia, a solidariedade e o progresso social; e, por último, profunda convicção de que no movimento das sociedades não existem nem caminhos únicos nem inevitabilidades.
Em segundo lugar, aos deputados e representantes de partidos comunistas e progressistas que acederam ao nosso convite para participarem neste debate. Deputados e forças com que temos tido experiências positivas de trabalho e cooperação no seio do Grupo Unitário da Esquerda /Esquerda Verde Nórdica, dando expressão concreta à ideia de que existe uma alternativa real às políticas neoliberais e militaristas da União Europeia, que os desenvolvimentos exigem uma redobrada determinação na possibilidade de uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos e na necessidade da concretização do objetivo da criação de novas sociedades, de justiça e de progresso social.
Agradecendo a vossa presença expressamos-vos a nossa profunda solidariedade para com as importantes lutas que em cada um dos vossos países estão a travar. Lutas que são a outra face do embate de classes que se agudiza no continente europeu, a face da esperança e da confiança na força dos trabalhadores e dos povos e na sua luta. Ao fazê-lo, queremos igualmente reiterar-vos a determinação do PCP em continuar a agir no seio do nosso grupo no Parlamento Europeu defendendo e reafirmando a sua natureza e bases fundamentais: o seu valioso patrimônio de luta, de resistência e de proposta e o seu caráter de cooperação efetiva direcionada para a acção, dando voz no Parlamento Europeu às lutas dos trabalhadores e dos povos – os únicos a quem devemos obediência e prestação de contas e que nunca abandonaremos.
O nosso debate realiza-se num momento especialmente delicado e importante da situação econômica, social e política em Portugal. Um momento demonstrativo do quão fundas e negativas podem ser as consequências de duas expressões simultâneas (nacional e supranacional) de uma mesma linha e opção política e ideológica: o capitalismo e a sua expressão atual na Europa consubstanciada no projecto de União Europeia, por um lado, e três décadas de contrarrevolução e de restauração monopolista em Portugal, por outro.
Uma linha e pensamento únicos que no plano supranacional se caracterizam pela acelerada concentração e centralização do poder económico e político no grande capital financeiro e no diretório de potências da União Europeia; pela cruzada contra os direitos laborais e sociais e contra a soberania dos povos e pela política belicista e intervencionista da União Europeia. Linha e pensamento únicos que no plano nacional se caracterizam pelas correspondentes (e não meramente dependentes) políticas nacionais de autêntica guerra social e de destruição do aparelho produtivo nacional; pelas privatizações e venda a retalho do País; pelo ataque cerrado às funções sociais do Estado e privatização dos serviços públicos e por uma política face à União Europeia, às grandes potências imperialistas e à Otan, de colaboracionismo, abdicação nacional e submissão aos seus ditames. Por isso, dizemos ao nosso povo: olhem para este País e retirem as conclusões desse pensamento único. Mas as conclusões certas! É que este caminho, esta situação não são nem únicos nem inevitáveis! É que nós sabemos onde estão e como agiram os responsáveis!
É necessário dizer a Barroso, a Merkel, a Sarkozy, a Trichet, a Sócrates, a Passos Coelho, entre outros, que este País é muito mais do que as suas políticas e os seus terríveis efeitos. É preciso afirmar que este País é um povo, a sua produção, a sua capacidade de lutar, de amar e sonhar. E este povo, o que trabalha e luta, sabe o que Abril significa e nunca desistirá do seu País. Esta é a conclusão certa! Mas, se a nossa situação nacional faz deste debate um importante momento, o fato de ele se realizar no dia em que em Bruxelas se reúne o Conselho Europeu confere-lhe também maior importância. Ainda não conhecemos em detalhe todas as suas conclusões, mas há algumas coisas que já sabemos. E a primeira é que o quadro em que o Conselho se reúne é o do aprofundamento vertiginoso da crise do capitalismo, crise que, como afirmamos, é também, a crise dos fundamentos da UE.
As projeções econômicas e sobretudo a realidade social e política confirmam aquilo que há muito vínhamos dizendo: o processo de integração capitalista na Europa; os seus instrumentos fundamentais e a sua evolução; a forma como as classes dominantes na Europa reagiram à crise – tudo isso iria aprofundar a exploração, as desigualdades, as assimetrias, as profundas contradições, a real natureza e o caráter antidemocrático desta União Europeia.
Bastaram poucos anos para que todas as chamadas de atenção, os alertas, as críticas e as previsões do PCP se confirmassem. O rumo consolidado no Tratado de Maastricht e aprofundado com o Tratado de Lisboa levou a que, como previmos, a União Europeia se afirmasse cada vez mais como um instrumento do capital e não dos povos; como um instrumento de domínio econômico e político e não de cooperação; como um instrumento de aprofundamento de relações de dependência e não de coesão e solidariedade; como um instrumento de regressão histórica dos direitos dos trabalhadores e dos povos e não de coesão, avanço ou justiça social. Ou seja, a crise não foi um teste que correu mal, a crise é um elemento a mais das contradições inerentes ao próprio processo de integração capitalista na Europa e, assim sendo, aconteceu o que aconteceu ao sistema no seu todo: operou-se uma fuga para a frente que visa salvaguardar os interesses daqueles que detêm o poder no – e do – sistema, que dele não pretendem abdicar, que veem na crise uma oportunidade de o concentrar e centralizar ainda mais e de condicionar cada vez mais a vontade dos povos. Ou seja, a crise apenas fez cair a máscara mais cedo do que alguns estariam à espera.
As medidas ditas de combate à crise revelaram isso mesmo. Veja-se a situação: para o capital mais poder, mais apoios, mais lucros, mais liberdade, mais Estado e espaço institucional. Para o trabalho: menos direitos, menos liberdade, menos poder, menos Estado, menos democracia e menos soberania. Dir-se-á então: “mas isso não é novo!”. E nós respondemos que se é verdade que a natureza das políticas é velha, já a forma e a intensidade com que são impostas contém de fato elementos novos. É que nesta crise nem os engodos do neo-keynesianismo tiveram campo para fazer o seu papel. Estamos no olho de um furacão soprado pelo grande capital que não para de aumentar e de sugar riqueza pública, direitos sociais, laborais e democráticos e que está a destruir os Estados por onde passa e é à luz desta conclusão que analisamos o que ocorre hoje em Bruxelas.
As políticas que o Conselho está aprovando não nasceram hoje. São aspirações antigas do capital e das suas estruturas, como as confederações europeias patronais. São aspirações históricas da grande burguesia nas grandes potências capitalistas europeias, de domínio econômico e político no espaço europeu e que tiveram várias caras ao longo da história. São aspirações daqueles que sonham com uma Europa potência imperialista, alargando o seu domínio mundo afora à custa dos direitos dos povos, da soberania, da paz e do direito dos povos ao desenvolvimento. E, como é simbólico este Conselho realizar-se no exato momento em que forças militares britânicas e francesas, com os EUA e a Otan no comando, agridem o povo líbio e tentam impor à bomba e às portas da Europa o seu domínio imperial no continente africano.
Este Conselho não é apenas mais um. É uma espécie de “fechar do cerco”, uma articulação de três frentes de ataque nos planos econóômico, antissocial e político. A consumação de uma violenta fuga para a frente e o aprofundamento de um ciclo vicioso de destruição econômica e social, de estagnação e recessão, que terá consequências devastadoras não só para os povos mais diretamente visados – e que são sujeitos a autênticos testes de esforço para se aferir até onde a corda pode ser esticada, como é o caso português – mas também para todos os povos da Europa e para a própria História do continente europeu.
A “governação econômica”, reforçada e complementada pela recente inclusão do rebatizado “Pacto para o Euro” imposto pelo eixo franco-alemão, são dois dos elementos centrais de uma dupla tenaz que visa esmagar os povos e as nações e que tem no Tratado de Lisboa e na Estratégia 2020 os outros dois elementos. É hoje claro que a dita “governação econômica” tem um objetivo central: uma mais estreita coordenação, e mesmo fusão, do poder econômico com o poder político supranacional que o serve e que tem no diretório das grandes potências um reforçado centro de articulação segura dos seus interesses. Mas não só na governação econômica. Também é o caso da mal chamada flexibilização do “mecanismo de ajuda UE/FMI” aos Estados, que a pretexto da crise, visa confiscar, por um determinado preço, o que resta da capacidade de decisão nacional sobre os principais instrumentos de política econômica e social.
A convergência e complementaridade de objetivos do conjunto das medidas legislativas ditas de “governação e econômica” e das orientações inscritas no “ Pacto para o Euro” significam de fato um salto qualitativamente novo no carácter neoliberal e federalista da União Europeia. Desde logo, com as medidas de governação econômica nas quais se inclui um coercitivo sistema de sanções, uma reforçada supervisão e uma revisão ampliada dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento, uma camisa-de-forças circunscrita à estrita visão e lógica dos grandes interesses econômicos e financeiros e que no nosso País é aplicado e defendido por quem há muito declinou as tarefas da promoção do crescimento econômico, do emprego e do bem-estar das populações. Um PEC que acentuará o seu nível de estupidez, com novas exigências nas quais se incluem a imposição de compromissos quantificados de redução da dívida, sobretudo em países confrontados, como é o caso de Portugal, com uma prolongada estagnação e risco de recessão prolongada, elevado desemprego e profundas desigualdades sociais. Mas, o caráter de classe e de domínio imperial de uns poucos sobre o espaço da União Europeia está bem patente também no conteúdo do incluso “Pacto para o Euro” na “governação econômica”, cuja aprovação tinha já sida decretada na cimeira da Zona Euro.
Trata-se de um pacote de medidas de aprofundamento e dogmatização da ofensiva neoliberal e de formatação geral e inquestionável de mais severos programas de austeridade com a elevação para um novo patamar da ofensiva contra os direitos laborais e sociais e de destruição do chamado “Estado de Bem-estar Social”. Uma cartilha europeia neoliberal bem patente no ataque que avança contra os sistemas de proteção social, nas propostas de aumento da idade da reforma e da sua penalização, de rebaixamento dos salários com a institucionalização de sanções à sua atualização e nas orientações visando uma ainda maior desregulação das leis laborais. Novas orientações que se testam já em Portugal com as medidas adicionais de austeridade anunciardas pelo atual governo do PS de alterações à legislação de trabalho para fomentar ainda mais a precariedade laboral e debilitar a contratação coletiva, para embaratecer e facilitar os despedimentos com a redução brutal das indenizações aos trabalhadores. Medidas acrescidas de um novo ataque aos salários e reformas, agravamento dos impostos sobre os rendimentos do trabalho e do consumo.
Novas orientações que se refletem igualmente na degradação da vida dos trabalhadores e das camadas populares, através de uma injusta política fiscal que visa penalizar o consumo popular e libertar os rendimentos de capital das suas responsabilidades coletivas. Mas um Conselho Europeu marcado também pelo objetivo de dar um novo e decisivo avanço no processo de liberalização e privatização dos serviços públicos com a imposição da implementação integral da Diretiva de Serviços. Ou seja: no plano social, a regra é a política de terra queimada e o nivelamento por baixo. No plano econômico e financeiro a lei do mais forte. Ou seja, apesar das distâncias Bruxelas aproxima-se cada vez mais de um faroeste econômico e social.
Longe vai o tempo das encenadas preocupações com as práticas abusivas do grande capital financeiro e das prometidas medidas para a regulação e transparência das suas atividades especulativas. Onde estão as medidas para acabar com o mercado dos produtos derivados, taxar as transacções bolsistas e acabar com os paraísos fiscais? Nem essas… nem essas… Pelo contrário, o que se anuncia é uma renovada disponibilidade para considerar novas ajudas estatais à banca com o pretexto da sua estabilização, intensificando assim o roubo que é a transferência direta dos ativos tóxicos do setor financeiro para as contas públicas.
No nosso país vivemos há muito uma situação de prolongada crise econômica e social que assume contornos hoje também de crise política. Uma crise econômica e social que se intensificou de forma mais dramática com a adesão de Portugal à União Econômica e Monetária. Esta semana foi anunciada a auto demissão do governo português que viu recusado no Parlamento o apoio a um novo programa de austeridade – o quarto no espaço de um ano – decorrente de compromissos assumidos que se enquadram já nas novas orientações da “governação econômica” e do ”Pacto para o Euro”. Uma demissão que não está desligada do agudizar das contradições na frente dos partidos que têm dado suporte à concretização no país das políticas de direita dominantes na Europa e que estão na origem da grave crise que enfrentamos, mas também uma demissão determinada pela luta que no interior do bloco da política de direita (PS e PSD) se trava pelo domínio hegemônico do poder.
Não se trata, portanto, de uma crise aberta em resultado do confronto de políticas alternativas ou de procura de efetivas soluções para a crise que o país enfrenta, mas no domínio do mero jogo da alternância sem alternativa, num quadro de um crescente isolamento social e político do executante governamental de serviço que a luta social e de massas tem vindo a determinar. Debilitado por anos consecutivos de políticas de direita, de recuperação capitalista, Portugal é bem exemplo das consequências da aplicação das políticas monetaristas e da prioridade dada ao cumprimento dos irracionais critérios do Pacto de Estabilidade e do conjunto da orientações que conformam a União Econômica e Monetária, nomeadamente as do Banco Central Europeu.
A política do Euro forte significou logo à partida uma significativa perda da competitividade das nossas exportações que se estima em cerca de 20%. Com a mudança qualitativa operada no enquadramento comunitário que impôs a Portugal graves limitações da sua soberania na política econômica, orçamental e monetária, o país ficou crescentemente manietado na definição de políticas de defesa e promoção das atividades produtivas nacionais, elas próprias já secundarizadas por opções de política interna de favorecimento e restauração do capital monopolista e de consolidação do seu domínio dos setores básicos e estratégicos da economia do país.
Com a adesão à moeda única, a viragem operada, concretizada por parte de sucessivos governos nacionais, passou a conformar um quadro de políticas contrárias ao desenvolvimento econômico, à criação de emprego e ao combate às injustiças sociais, e, da mesma forma, favoráveis à concentração e acumulação capitalistas, ao ataque às funções do Estado e aos serviços públicos, à liquidação de capacidade produtiva e agravamento da exploração e à soberania econômica. Os seus reflexos na vida do país não se fizeram esperar. Portugal viu agravados todos os seus problemas e assistiu ao acumular dos seus déficits crônicos e estruturais. O processo de desindustrialização ganhou um novo ritmo e a amputação do aparelho produtivo e da produção nacional ganhou uma nova dimensão.
Portugal vê o peso dos seus setores eminentemente produtivos – agricultura, pescas e indústria – substancialmente reduzidos, nomeadamente a favor do setor das atividades financeiras e imobiliárias que, em meados da última década, superavam já o peso da indústria na produção nacional. A defesa da soberania alimentar desce para um perigoso patamar de segurança com uma nova regressão operada na produção agrícola e pesqueira.
A década que findou e que coincide com os primeiros anos de permanência na UEM foi atravessada por uma persistente situação de estagnação econômica com taxas médias de crescimento anual de 0,4%, enquanto a taxa de desemprego duplicava fixando-se no último trimestre de 2010 em 11,1%. Como resultado desta destruição dos setores produtivos, o nosso déficit da balança de mercadorias situa-se hoje nos 10% do PIB. Como resultado desta evolução o país assistiu ao aumento exponencial da sua dívida externa. Uma evolução altamente preocupante, já que o endividamento externo líquido, em percentagem do PIB, saltou de cerca de 32% para cerca de 107%, entre 1999 e 2010.
São hoje bem visíveis e preocupantes no nosso país as consequências das políticas que promoveram a desregulamentação financeira e a economia de cassino, as privatizações, a liberalização dos mercados, em detrimento da produção real e das condições de vida dos trabalhadores e dos povos. Portugal é hoje um país a divergir da média da União Europeia, com mais profundas assimetrias sociais e regionais.
Sob a batuta da ditadura do déficit, das orientações da falhada Estratégia de Lisboa e de uma política nacional que assumiu como seus os dogmas neoliberais dominantes na União Europeia, estes anos ficaram igualmente marcados pelo desenvolvimento de uma ofensiva violenta e global contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores e aos rendimentos do trabalho e que conduziu à degradação das condições de vida de largas massas. Em nome do combate ao déficit e da aplicação dos critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento deram-se também passos, como antes não se não tinham dado, no ataque ao direito dos portugueses à saúde, à segurança social e à educação e cultura. O Sistema Público de Ensino, a Segurança Social e o Serviço Nacional de Saúde sofreram nestes últimos anos uma das maiores ofensivas de sempre.
É este o quadro breve de uma evolução que põe a nu a inadequação e a incapacidade das políticas nacionais e comunitárias para responder aos problemas do desenvolvimento e do bem-estar dos povos. Incapacidade que se revelou de forma ainda mais evidente nestes anos marcados pela crise do capitalismo e pelas guerras especulativas contra o Euro cujos reflexos foram direcionados para um conjunto de países, como Portugal, atirando-os para o centro da arena das batalhas monetárias inter-imperialistas fazendo-os pagar com a vida econômica a política do Euro forte.
A opção dos centros de decisão do grande capital e do diretório das grandes potências é clara: impor até ao limite, e para lá do limite, condições severas associadas à moeda única e às políticas de centralização e concentração de capital que atingem o conjunto dos povos dos países da União Europeia e de forma particularmente grave os povos e países da chamada “periferia”. É esta a opção que está na origem das brutais operações de chantagem e extorsão atribuídas ao estafado conceito do “funcionamento dos mercados” e é esta opção que está na origem dos severos programas de austeridade.
Toda a evolução mostra que tínhamos razão sobre a insustentabilidade e as nefastas consequências do Euro. Consequências hoje ainda mais trágicas quando se vê Portugal a ser presa fácil dos ataques especulativos e dos mecanismos de extorsão de recursos nacionais por via do crescente endividamento externo que esta desastrosa política de integração europeia também provoca e avoluma. Perante o agravamento do nível de ameaça que paira sobre o país, muitos avisados e até insuspeitos portugueses têm colocado a necessidade de reflectir sobre a manutenção do país na UEM.
Para nós o debate não é um tabu. Trata-se de um problema que precisa de aprofundamento e reflexão. Uma reflexão própria e também conjunta com outros países que se encontram nas mesmas condições, nomeadamente e em primeiro lugar com o objetivo de discutir a criação de condições para a eliminação de todos e quaisquer riscos de penalização ou prejuízos econômicos para os países que entendam que a sua manutenção na União Económica e Monetária se torna inviável.
Mas, independentemente da celeridade desse necessário debate, duma coisa temos a certeza: a resposta à crise e a solução dos problemas do desenvolvimento do país e da União Europeia não podem passar, nem passam, pela imposição de medidas de austeridade que se renovam, sem fim à vista, numa espiral de endividamento, nem pelas soluções que deixam mão livre à agiotagem financeira e aos interesses do grande capital, nem tão pouco pelo recurso a um fundo com as velhas imposições draconianas do FMI que o ainda Ministro das Finanças reconheceu nesta última terça-feira e que outros há muito, como o PSD, assumiram.
A ruptura com as políticas dominantes da direita em Portugal e com os eixos fundamentais do processo de integração capitalista europeu são a resposta necessária e tornaram-se um imperativo nacional para assegurar uma vida melhor para os portugueses e, é nossa convicção, para outros povos da Europa.
No plano nacional aquilo que a situação do país reclama é uma ruptura e uma profunda mudança que abra caminho a uma política patriótica e de esquerda. Uma política que tenha como eixo central a valorização do trabalho e dos trabalhadores, o que significa uma justa redistribuição da riqueza produzida, como fator de justiça social mas também como questão crucial para a dinamização do mercado interno. Uma política assente na valorização dos salários, das reformas e pensões, numa nova política fiscal e que comporte o objetivo do pleno emprego e da defesa do emprego com direitos.
Uma política de defesa e promoção dos setores produtivos e da produção nacional; de reforço do investimento público e alargamento dos serviços públicos; de fim das privatizações e de recuperação pelo Estado de um papel determinante nos setores econõmicos estratégicos, designadamente na banca e nos seguros, na energia, nas telecomunicações e nos transportes, dando prioridade à nacionalização da banca comercial, como instrumento indispensável para garantir um sistema financeiro a serviço do crescimento econômico, do emprego e da soberania nacional.
Uma política de defesa intransigente da renegociação da Política Agrícola Comum e da Política Comum de Pescas, entre outras, de forma a possibilitar o desenvolvimento de setores fundamentais da economia nacional e da nossa soberania.
Políticas nacionais de profunda e real mudança que reclamam uma ruptura com o rumo neoliberal e federalista da União Europeia, com as orientações da sua política económica e monetária conduzida pelo BCE e pelo fim do mal chamado “Pacto de Estabilidade e Crescimento”. Uma mudança de rumo que acabe com a chamada “livre” circulação de capitais, determine o fim dos paraísos fiscais e dos produtos financeiros derivados e assuma, de uma vez por todas, uma real linha de combate à especulação financeira e bolsista.
Estes objetivos, longe de esgotarem tudo quanto é necessário para uma ruptura com uma política de desastre nacional e com o rumo da integração capitalista europeia, constituem contudo, e no imediato, uma resposta clara e alternativa à brutal ofensiva que o grande capital e os governos ao seu serviço impõem aos trabalhadores e aos povos, integram-se na necessária e urgente resposta patriótica e de esquerda à situação que vivemos e são parte integrante do combate do PCP contra a natureza e o rumo da União Europeia.
O povo português não está condenado a um presente e futuro de dependência e submissão face aos interesses do grande capital e das grandes potências. É possível a abertura de novos caminhos de desenvolvimento econômico e social que, assentes numa verdadeira concepção de desenvolvimento da produção nacional e de intensificação e diversificação das relações econômicas do País, garantam aos trabalhadores e ao povo português o direito ao seu desenvolvimento, à dignidade e à justiça social. Mas, como a realidade o demonstra e a História o comprova, tais soluções, contrárias ao interesse do capital e favoráveis aos trabalhadores e aos povos, não nos vão ser dadas de mão beijada. Têm de ser conquistadas a pulso, seja aqui em Portugal seja em qualquer outro País da Europa e do Mundo.
Em Portugal o PCP, ciente das suas responsabilidades numa situação tão complexa e difícil, sabe que só por via do aprofundamento da participação dos trabalhadores e do povo português na definição dos destinos do nosso País, que só por via de uma real tomada de consciência política de que é no povo que reside o poder de transformar é que se poderão operar reais mudanças na nossa situação nacional. A força do povo e sua convicção de que não tem que ficar tudo na mesma são fatores essenciais para a mudança e para a construção da alternativa, assim como é o alargamento da luta dos trabalhadores e do povo e o seu apoio um governo capaz de, no plano institucional, levar a cabo uma real mudança na política nacional.
Uma mudança que para nós é inseparável da luta por uma democracia avançada para Portugal nas suas diversas vertentes e se integra na luta mais vasta por uma outra Europa dos trabalhadores e dos povos e no objetivo deste Partido Comunista Português que tem sempre presente no horizonte da sua luta a perspectiva da construção do socialismo.
*Secretário-geral do Partido Comunista Português, intervenção no seminário “Alternativas à crise na União Europeia”, promovido pelo PCP e GUE/NGL em 25-03-2011. Extraído do sítio www.pcp.pt/…