Mobilizemo-nos contra a guerra da Otan na Líbia
Doze anos depois da "guerra humanitária" da Otan, que em março de 1999 começou o bombardeio da Sérvia durante a primavera para retrocedê-la meio século, como declarou o general Wesley Clark, as potências imperialistas fazem o mesmo com a Líbia – cem anos após a invasão italiana.
Por Andrea Catone*
Publicado 21/03/2011 04:59
Sob o pretexto de salvar populações civis e com o selo branco de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (10 votos, com cinco abstenções: Brasil, China, Rússia, Índia, Alemanha), fazem-se aquecer os motores dos caças Tornado. Na primeira linha, desta vez, encontram-se a França, a Inglaterra e os Estados Unidos, com Hillary Clinton prestes a igualar e a ultrapassar o empreendimento do seu esposo que bombardeou a Sérvia, apoiado pela dama de ferro Madeleine Albright.
Tal como em 1999, é também colocada em marcha a máquina infernal das mentiras mediáticas e da demonização do "ditador" do momento para justificar a agressão militar contra um país rico em petróleo e porta para a África Central (o continente onde desde há muito as grandes potências entendem-se para uma repartição neocolonial). Os mesmos que apregoam a urgência da guerra humanitária contra a Líbia, que dizem ser impossível adiar para amanhã, nem sequer levantaram a voz para deplorar a violência que Israel desencadeou entre Dezembro/2008 e Janeiro/2009 contra a população de Gaza, prisão a céu aberto para os palestinos, e que causou milhares de vítimas. Tampouco preocuparam-se com a violência mortífera dos governos do Bahrein e do Iêmen, ou da Arábia Saudita (um Estado que ostenta o nome de uma dinastia!) quando intervém com as suas tropas contra manifestantes. São estas mesmas petromonarquias – dos emirados à Arábia – de mãos com os Estados Unidos, que enviam armas e tropas aos insurretos contra Kadafi. Os quais – seja qual for a sua consciência subjetiva (dentre eles encontramos antigos ministros e altos funcionários da Jamahiriya) – são o instrumento de que se servem as forças imperialistas para pôr a pata sobre o país, não só pelos seus importantes recursos energéticos como também pela sua posição geográfica para o Mediterrâneo e para a África.
Nas condições concretas da Líbia, a imposição de uma "zona de exclusão aérea" implica um bombardeio militar de grande amplitude. Como concordam numerosos peritos, o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Líbia deveria começar por um ataque, "neste sentido – explica o antigo chefe do Estado Maior da Aeronáutica, Leonardo Tricarico – há que neutralizar os meios anti-aéreos inimigos, ou seja, destruir os radares e os postos de mísseis. Nós temos esta capacidade dita SDAI, ou seja, 'supressão das defesas aéreas inimigas' e ela é constituída por caças Tornado, nós a utilizamos no Kossovo com os alemães e em três dias já não voava qualquer avião sérvio".
A Itália poderá pôr à disposição estes meios aéreos, eventualmente com os caças F-16 e Eurofither, aptos para a patrulha e a vigilância, além dos aviões Av8, de que está equipado o porta-aviões Cavour. Foi dada por adquirida a colocação à disposição das bases aéreas, em particular as do centro-sul, tanto para a redisposição dos aviões dos outros países como para a assistência logística. Os aviões-radar Awacs, por exemplo, poderiam ser dispostos em Trapan, que está equipada especialmente para este tipo de aeronaves, mas todas as bases estão aptas a acolher caças: de Grazzanise a Gioia del Colle. Poder-se-ia recorrer, em caso de necessidade, mesmo a Lampedusa ou Pantelleria. Há a seguir uma outra capacidade fundamental, lembra ainda o general Tricarico, "que tem a ver com as informações de que a Itália está dotada: trata-se da constelação de satélites Cosmo-Skymed que está completamente operacional e que registra desempenhos superiores aos de qualquer outro sistema existente. Graças a estes satélites, pode-se ter uma representação fotográfica regular com uma definição muito alta, o que há de melhor hoje no mercado". Para estes fins, podem igualmente ser utilizados os aviões sem piloto (drones) "Predator", dotados de uma grande autonomia e que poderiam decolar a partir da sua base de Amendola, nos Pouilles.
A Itália – as regiões meridionais em particular – está diretamente implicada. O governo põe à disposição homens e meios, sistemas de radar e bases militares. O ministro da guerra Larussa recorda-se da estrofe "Tripoli, bela terra de mor… Tripoli será italiana ao som do canhão!" e põe à disposição sete bases militares "sem nenhum limite restritivo de intervenção". Trata-se de Amendola, Gioia del Colle, Sigonella, Aviano, Trapani, Decimomannu e Pantelleria: algumas, diz ainda Larussa, já foram pedidas pelos ingleses e pelos estadunidenses. "Temos uma forte capacidade para neutralizar os radares hipotéticos adversários e poderíamos estar na iniciativa disso: podemos intervir de todos os modos possíveis". (La Repubblica)
Salvo algumas defecções de um lado e do outro (Liga do Norte e Itália dos Valores), todo o parlamento, governo e oposição "democrata", põe o capacete de guerra.
Bersani, secretário do Partido Democrata, põe mais lenha na fogueira: depois de ter quase corrigido a ONU por ter atrasado a decisão por alguns dias, declara que ele e seu partido estão "prontos a apoiar o papel ativo da Itália. O governo sabe da nossa disponibilidade, pedimos apenas que nestas horas não haja declarações improvisadas e contraditórias. É preciso falar com os outros países disponíveis e com a Otan. Que ninguém se faça de estrategista, isso é grave".
O presidente Napolitano não fica atrás. Ele que deveria defender a Constituição (artigo 11: A Itália repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos e como meio de resolução das controvérsias internacionais; consente, na condição de paridade com os demais Estados, nas limitações de soberania necessárias para regras que assegurem a paz e a justiça entre as nações; promove e apoia as organizações internacionais que tendem a este objetivo). Na sua intervenção no Teatro Regio de Turim no quadro das celebrações do 150º aniversário da Unidade da Itália – ocasião solene – ele disse: "Nas próximas horas, a Itália deverá tomar decisões difíceis, que a comprometerão na situação que se criou na Líbia. Mas se pensarmos no que foi o Risorgimento, como grande movimento liberal e libertador, não podemos ficar indiferentes à repressão sistemática das liberdades fundamentais e dos direitos humanos em qualquer país que seja. Não podemos deixar serem destruídas, espezinhadas, as esperanças que nasceram de um Risorgimento igualmente no mundo árabe, uma coisa decisiva para o futuro do mundo… Espero que as decisões a tomar sejam, portanto, cercadas do máximo consenso possível e da consciência dos valores que encarna a Itália unida e que devemos preservar por toda a parte".
Em 1911 havia decorrido meio século desde o Risorgimento. Este entrou na dança para a guerra na Líbia, com a retórica pascoliana (1) da "grande proletária que se pôs à deriva". Hoje faz-se intervencionismo – ou melhor, imperialismo – democrático e "guerra humanitária".
Ninguém menciona a única proposta internacional séria, a do presidente venezuelano Chávez e dos países progressistas latino-americanos, para uma mediação entre as partes em conflito. A paz não serve às potências que, em concorrência entre si, querem retomar "seu lugar ao sol". Esta guerra interna na Líbia foi alimentada pelas potência que hoje dizem querer trazer a paz e a democracia: aos insurretos de Bengazi chegam armas, equipamentos e conselheiros militares das potências ocidentais. Alimenta-se a guerra civil para justificar a agressão externa. Velha história…
Contra a participação na guerra à Líbia exprimiram-se o secretário do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI), Oliviero Diliberto, e o do Partido da Refundação Comunista (PRC), Paolo Ferrero.
Começam a mobilizar-se em diversas cidades as redes militantes contra a guerra.
(1) Referência ao poeta italiano Giovanni Pascoli (1855-1912)
*Andrea Catoni é diretor da revista italiana L´Ernesto