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Paul Krugman: Como matar uma recuperação

As notícias econômicas norte-americanas melhoraram nas últimas semanas. As solicitações iniciais de seguro-desemprego caíram e pesquisas entre empresários e consumidores sugerem crescimento sólido. Continuamos perto do fundo de um buraco de grande profundidade, mas pelo menos estamos subindo.

Por Paul Krugman*

É lamentável que tanta gente, especialmente na ala direita do espectro político, deseje que voltemos a cair.

Antes de tratarmos desse tema, vamos conversar sobre os motivos para que a recuperação econômica tenha demorado tanto a começar.

Alguns economistas previam uma retomada rápida, assim que tivéssemos deixado para trás a fase aguda da crise financeira — um período que defino como "ai, meu Deus, ninguém vai escapar vivo"–, mais ou menos de setembro de 2008 a março de 2009. Mas não era muito provável que isso acontecesse. As bolhas econômicas dos anos Bush deixaram número excessivo de norte-americanos com dívidas altas demais; quando as bolhas estouraram, os consumidores se viram forçados a reduzir seus gastos e era inevitável que demorassem um bom tempo a reparar suas situações financeiras. E o investimento empresarial também certamente se deprimiria. Por que ampliar a capacidade se a demanda é fraca e a empresa não está utilizando plenamente as fábricas e os escritórios que já tem?

O único meio para que tivéssemos evitado uma queda prolongada seria usar gastos públicos para compensar a falta de dinamismo do setor privado. Mas isso não aconteceu: o crescimento nos gastos governamentais totais na verdade se reduziu depois da recessão, e um pacote de estímulo federal de potência inferior à necessária se viu mais que compensado em termos negativos pelos cortes nos gastos estaduais e municipais.

Assim, passamos por anos de desemprego elevado e crescimento inadequado. A despeito do sofrimento, porém, as famílias norte-americanas conseguiram melhorar gradualmente a sua situação financeira. E nos últimos meses surgiram sinais de que um círculo virtuoso está começando a funcionar. A melhora na situação financeira das famílias conduziu a um aumento nos gastos; o consumo ressurgido tornou as empresas mais dispostas a investir; e isso resultou em uma expansão econômica, que por sua vez melhora ainda mais a situação econômica das famílias.

Mas o processo continua frágil, especialmente se considerarmos os efeitos das altas nos preços do petróleo e dos alimentos. Esses aumentos de preços pouco têm a ver com políticas norte-americanas; relacionam-se principalmente à crescente demanda da China e outros países emergentes, por um lado; e a perturbações na oferta causadas por tumultos políticos e clima desfavorável, do outro. Mas isso vai afetar o poder aquisitivo em um momento especialmente desconfortável. E as coisas ficarão muito piores caso o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) e outros bancos centrais respondam erroneamente à taxa geral de inflação por meio de um aumento nos juros.

O perigo claro e imediato para a recuperação, no entanto, vem da política — especificamente, a exigência da bancada republicana na Câmara dos Deputados de que o governo corte imediatamente os gastos com nutrição infantil, controle de doenças, saneamento básico e mais. Além de suas consequências negativas em longo prazo, esses cortes também resultariam, direta e indiretamente, na perda de centenas de milhares de empregos, o que por sua vez poderia causar um curto-circuito no círculo virtuoso de alta na renda e melhora nas finanças.

É claro que os republicanos acreditam, ou pelo menos fingem acreditar, que o efeito de destruição de empregos dessas propostas seria mais que compensado pelos avanços na confiança empresarial. Como gosto de dizer, eles acreditam que a Fadinha da Confiança resolverá tudo.

Mas existe motivo para que os demais norte-americanos acreditem nisso? Para começar, é difícil perceber como um plano tão evidentemente irresponsável – desde quando cortar as verbas de fiscalização da Receita ajuda a reduzir déficits? – resultaria em melhora na confiança.

Para além disso, há muitos indícios em outros países quanto às perspectivas de uma política de "austeridade expansiva" – e todos esses indícios são desfavoráveis. Em outubro de 2010, um estudo abrangente conduzido pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) concluiu que "a ideia de que a austeridade fiscal estimula a atividade econômica em curto prazo não encontra sustentação nos dados".

E vocês recordam os generosos elogios feitos ao governo conservador britânico quando este anunciou medidas severas de austeridade, ao tomar o poder, em maio? Como o plano deles está funcionando? Bem, a confiança das empresas na verdade não cresceu quando o plano foi anunciado; despencou, e até agora não se recuperou. E recentes pesquisas sugerem que caiu ainda mais entre os empresários e os consumidores, indicando, nos termos de um relatório, que o setor privado está "despreparado para suprir a lacuna deixada pelos cortes de gastos no setor público".

O que nos conduz de volta ao debate orçamentário norte-americano.

Ao longo das próximas semanas, os republicanos da Câmara dos Deputados tentarão chantagear o governo Obama para que este aceite os cortes de custos que eles querem impor, usando a ameaça de uma paralisação nas atividades governamentais. Alegarão que os cortes farão bem ao país, tanto em curto quanto em longo prazo.

Mas a verdade é exatamente o oposto: os republicanos conseguiram propor cortes que desempenham dupla função: tanto solapam o futuro dos Estados Unidos quanto ameaçam abortar a recuperação econômica nascente.

*Economista estadunidense, articulista do New York Times, tradução de Paulo Migliacci