Graveto: Carioca/mineiro comanda o carnaval de Belo Horizonte
Carioca da gema. Filho de compositor e natural do Morro da Providência. Menino que recebia em casa, nos domingos de feijoada, Cartola e Nelson Cavaquinho. E, de tanto ouvir música boa, levou ao pé da letra o que lhe disse seu pai, Claudionor de Souza: ''Se quer ser sambista, vá atrás''. Com a bênção do pai, a vida de Cremildo de Souza, mais conhecido como Graveto, só podia dar em samba. Aos 59 anos, um dos carnavalescos mais famosos do país, já passou por várias agremiações, como Portela e Beija-Flor, trabalhou com Joãzinho 30, coleciona nove primeiros lugares em desfiles, oito vice-campeonatos e, desde o ano passado, quer transformar Belo Horizonte na verdadeira passarela do carnaval. ''BH tem tudo para se tornar a rainha da festa'', aposta.
Publicado 05/03/2011 10:14 | Editado 04/03/2020 16:50
Para isso, o carnavalesco abraçou BH. No início de 2010, ele aterrizou na capital para cumprir uma antiga promessa feita ao fundador do Grêmio Recreativo Escola de Samba Cidade Jardim, Jairo Pereira da Costa: trazer o melhor do Rio para Belo Horizonte. ''Quando vim cumprir o prometido, soube que ele tinha falecido. Então arregacei as mangas e comecei a trabalhar para que a escola se tornasse tão boa quanto os grupos cariocas'', conta, lembrando que encontrou a escola em dificuldades financeiras. ''No carnaval passado, a prefeitura custou a liberar a verba. Faltavam 10 dias para o desfile, quando o recurso chegou. Juntamos 50 pessoas, fizemos 400 fantasias e, nesse curto espaço de tempo, conseguimos levar a escola para a avenida. Foi belíssimo'', recorda. Este ano, a escola completa 50 anos de história e pretende levar os foliões a reviver o passado da cidade, numa viagem no tempo.
Mas quando a bateria, a ala das baianas e os carros alegóricos chegarem ao Boulevard Arrudas, às 23h de amanhã, é a história de Graveto que vai entrar em cena. Foi ele quem criou as belas fantasias do grupo e mais: entrará como mestre-sala na avenida. Por trás das cores e do samba no pé, o carnavalesco tem muitos carnavais a contar. Quando ainda menino, morava no Morro da Providência, no Rio de Janeiro. ''Lá não tinha carnaval, então íamos a outras vilas ver os blocos. Na década de 60, disse a meu pai que queria ser mestre-sala. Ele disse para eu ir atrás do meu sonho, pois me apoiaria'', recorda, dizendo que a vontade nasceu ainda na infância. Aos domingos, seu pai fazia feijoada e chamava amigos para uma roda de samba. ''Cartola e Nelson Cavaquinho sempre estavam lá em casa'', conta, orgulhoso.
Aos 14 anos, Graveto foi mestre-sala pela primeira vez na Beija-Flor, que, na época, ainda não era escola. ''Depois disso, fui para o Salgueiro. Para aprender a mexer com alegorias, tive que limpar banheiro e até pintar os sapatos dos sambistas. Tudo isso para ter algumas horas de aprendizado que eles ofereciam.'' Ele aprendeu logo, mas, por questões da vida, foi trabalhar de jardineiro para uma família rica do Rio. ''As filhas do patrão faziam balé e me levaram para assistir às apresentações no Belas Artes. Apaixonei-me pela dança e resolvi misturar os passos do samba com os gestos dos bailarinos'', revela, contando ainda que aprendeu também a fazer esculturas. Não deu outra. Na década de 70, desfilou pela Salgueiro e a escola foi campeã. ''Ainda nessa época, trabalhei no Teatro Cecília Meireles, onde conheci Joãozinho 30, que era bailarino.''
Com tamanho sucesso no trabalho com as fantasias e também como mestre-sala, começou uma disputa desenfreada das escolas de samba cariocas por Graveto. ''Resolvi então ir para São Paulo, trabalhei com a Vai-Vai e ganhamos o primeiro lugar. Fui para Santos onde ensinei meninos e meninas a tocar percussão'', conta. Em 1989, veio pela primeira vez para Belo Horizonte. ''Vim para o Canto da Alvorada, mas um político revolveu assinar o seu nome no meu trabalho e isso me deixou muito triste, então voltei para o Rio. Mas lá as coisas começaram a ficar muito profissionais, o dinheiro começou a falar mais alto. Ser de uma escola ou de outra era motivo de briga, como se fosse torcida organizada de futebol.''
Foi a receptividade e o desfile feito pela paixão pelo carnaval de BH que fizeram Graveto voltar à capital para cumprir a promessa que fez ao fundador do Cidade Jardim. ''Aqui tem tudo para ser um município conhecido pelo samba. O que faltava para isso, já ocorreu, com o retorno do desfiles das escolas para o Centro. É uma oportunidade da juventude conhecer essa história de BH, temos certeza que, daqui para a frente, essa folia belo-horizontina vai ganhar os holofotes do país'', aposta, dizendo que só vai aposentar quando empresas começarem a valorizar a festa. ''O desfile é cultura e precisa de investimento para não morrer'', avisa.
Por Luciane Evans, publicado no jornal Estado de Minas, 05/03/2011