Para mulheres afegãs, liberdade vai além da eliminação da burca
Depois de uma década de ocupação militar, as mulheres do Afeganistão reclamam justiça e esperam abraçar a liberdade que vai além de eliminar o tradicional uso da burca.Desde janeiro de 2004, a constituição do país admitiu a igualdade de gênero no que se refere a direitos e deveres, segundo reza o artigo 22 da Carta Magna afegã.
Publicado 13/02/2011 13:47
No entanto, a realidade é muito diferente nesta nação onde os casais arranjados são um drama e 60 por cento das mulheres são obrigadas a se casar sendo ainda meninas, contrária a uma lei nacional vigente que proíbe o casamento antes dos 16 anos.
Na prática, apenas com seus nove anos, as crianças são forçadas a estabelecer uma relação conjugal olhando para um futuro incerto que tem impulsionado a muitas mulheres a começar a luta por seus direitos nessa sociedade marcada de tradições machistas.
A administração afegã, presidida por Hamid Karzai, e financiada pela comunidade internacional, aprovou há mais de um ano a denominada Lei da Família Chii, que regula as obrigações dos homens e mulheres desta religião islâmica.Arbitrariamente, essa legislação dá faculdades aos maridos chiíes de privar de alimentação suas esposas se estas não os satisfazem sexualmente.
Especialistas consideram que a decisão não foi mais que uma estratégia para ganhar adeptos da minoria xiíta nas eleições e foi denunciada pela organização não governamental Human Rights Watch, que solicitou a revogação dessa lei contrária à Constituição.
Outros especialistas concordam com a necessidade de unir esforços para defender os direitos humanos e da sociedade civil que vive submersa em uma situação de atraso e extrema pobreza.
No que concerne às mulheres, muitos se preocupam pelo uso da burca como um sinal de violação ou discriminação, enquanto para elas representa apenas uma tradicional peça de vestir, um velo islâmico que cobre o rosto com exceção dos olhos.
O uso dessa prenda como medida para evitar se deixar ver o rosto à luz pública parece ser a maior preocupação de muitos quanto à mulher afegã.
Muitas têm se mantido em protestos por serem utilizadas como moeda de troca nos casamentos arranjados, situação acrescentada pela extrema pobreza em que vive a maioria no país devido à interminável guerra iniciada em 2001 pelos Estados Unidos. Outras optam pelo suicídio como fim de sua agonia e uma vida cheia de maus-tratos, que começam pelos membros da família.
A moda do sacrifício vai em ascensão como um escape à pobreza, o abuso, os casamentos obrigados e até para afastar-se das horríveis conseqüências da ocupação estrangeira.
No Afeganistão é comum que os homens com dinheiro estuprem adolescentes e mulheres com total impunidade, e só algumas poucas sobrevivem as agressões ou conseguem o divórcio.
Sob a vontade irremediável de homens ofuscados por mais de 30 anos de conflitos armados que usam a violência em nome de Deus, as afegãs estão desprovidas de leis que as defendam dessa mentalidade.
Segundo Manizha Naderi, diretora executiva de uma ONG defensora dos direitos humanos nessa nação, os refúgios que atualmente protegem às mulheres deste país de homicídios e casamentos à força poderiam se transformar em prisões virtuais.
Declarou a existência de 14 centros de amparo deste tipo, distribuídos pelas 34 províncias afegãs, e assegurou que as ativistas pediram ao governo de Cabul abrir outros ao invés de interferir nos que já funcionam.
Entre as tantas estratégias criadas pelas mulheres afegãs desesperadas para frear o crescente maltrato, encontra-se raspar o cabelo das meninas de muitas zonas rurais durante a celebração dos casamentos, a fim de enfeia-las e salvá-las de um estupro.
Dados das Nações Unidas e da Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão revelam que oito em cada 10 mulheres sofrem violência doméstica e aproximadamente 60% é obrigada a contrair núpcias antes de cumprir os 18 anos.
Igualmente, 95% das meninas que começam a educação primária não conseguem terminar o ensino fundamental, o que provoca que 85% das afegãs sejam hoje analfabetas.
É por isso que para as mulheres desta nação, o problema não radica em usar a tradicional burca, que é calorosa e significa prisão para muitas, mas preferem sair do tratamento desumano no qual vivem submetidas e indefesas, sem acesso à educação e em condições de extrema pobreza.
Informes oficiais indicam que apenas em Cabul estão registrados mais de 60 mil viúvas, que devem levar o peso da casa e carecem de direitos por serem mulheres solitárias, enquanto devem cumprir com a cultura da impunidade, muito distante da sharia ou lei islâmica.
Excluídas do mundo da política, elas mal têm direito a votar nas eleições e em regiões do sul a participação das mulheres chega a ser nula.
Ainda que o Parlamento conta com 64 deputadas, o que significa 24% de representação, as delegadas mal gozam de permissão para se expressar nem se possuem o direito a intervir na redação e promulgação das leis.
Fonte: Prensa Latina