Iriny diz que combate à miséria ajuda na luta das mulheres
A ministra Iriny Lopes, que assumiu, no Governo Dilma, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), em entrevista ao Vermelho, destacou que a erradicação da pobreza, bandeira do Governo Dilma, é importante na luta contra a desigualdade de gênero. Ela destaca ainda que “enfrentar as desigualdades de gênero é uma questão de governo, não só das mulheres.”
Publicado 11/02/2011 16:17
E defende ações transversais, debatidas por todos os ministérios, com os governos esdtaduais, e políticas públicas que concretizem as prioridades estabelecidas pelo governo federal lá na ponta.
Segundo ela, “desenvolver e implementar ações que garantam de forma permanente a autonomia econômica da mulher, que amplie e qualifique sua participação nos espaços de poder, no mundo do trabalho e dê visibilidade às suas expressões culturais e identidade contribui em muito para ‘desnaturalizar’ e acabar com a violência contra as mulheres.”
E defende uma reforma política que permita quebrar o círculo vicioso em que as mulheres não são estimuladas a participar e o “espaço” da política segue subordinado exclusivamente aos códigos de conduta masculinos. “É preciso alterar esse sistema que perpetua a desigualdade”, avalia.
Vermelho: Qual o diagnóstico que você faz da situação atual da mulher brasileira?
Iriny Lopes: Se formos olhar na perspectiva das mulheres pobres, os problemas são ainda muitos, a começar pela ausência de qualidade de vida (moradia, transporte, serviços básicos essenciais de qualidade, próximos e com tratamento digno), acesso e ampliação dos seus direitos, apoio e incentivo à sua autonomia econômica e a uma rede de qualificação técnica, profissional e de educação para desenvolver suas qualidades e competências; à visibilidade de sua produção cultural e identidade, dentre outros. Observando no conjunto da população, em que pese os avanços em relação aos direitos, resultado da luta histórica das mulheres, temos ainda um longo caminho para acabar com as desigualdades de gênero.
Vermelho: Em que a Secretaria de Políticas para as Mulheres ajuda a minimizar os problemas?
IL: O governo Lula colocou as condições para que a gestão da presidenta Dilma Rousseff avance e consolide uma matriz de Política Pública para as Mulheres, que possa ser assumida em todas as instâncias de poder de forma coesa, articulada e eficaz. Enfrentar as desigualdades de gênero é uma questão de governo, não só das mulheres. Só o fato de ter uma Secretaria de Políticas para as Mulheres aponta para uma mudança essencial no enfrentamento às desigualdades de gênero e no cumprimento dos direitos das mulheres. As conferências são espaços onde as mulheres não só explicitam seus principais problemas, mas pautam as políticas públicas. Já estamos na segunda versão do Plano Nacional de Políticas para Mulheres. Neste ano, teremos a 3a Conferência Nacional de Políticas para Mulheres. A presidenta colocou como eixo principal a erradicação da miséria. Isso significa que vamos trabalhar incansavelmente pelo acesso à educação, à saúde e ao mercado formal de trabalho. Naturalmente, jovens formam o maior contingente de desempregados. Queremos também trabalhar oportunidades para as juventudes. São ações transversais, debatidas por todos os ministérios. Não queremos programas isolados, mas políticas públicas que dialoguem e concretizem as prioridades estabelecidas pelo governo federal lá na ponta. Isso requer um diálogo com os entes federados.
Vermelho: Diante de tantas desigualdades ainda existentes, qual o papel da Secretaria para superá-las?
IL: Tratar a superação das desigualdades como uma questão de governo e uma prioridade quando se trata de acabar com a pobreza e a miséria, que têm rosto feminino. Todas as políticas públicas devem atuar com esse enfoque. E o papel da SPM é o de propor políticas públicas para as mulheres, dialogar com todos os setores a implementação dessas políticas e acompanhar o seu cumprimento.
Vermelho: As desigualdades entre homens e mulheres ocorrem em praticamente todos os campos. Mas o Brasil situa-se no 81º lugar no ranking de desigualdade entre homens e mulheres de 134 países tendo como indicadores o acesso à educação e à saúde (relatório ‘Global Gender Gap’). Como a SPM pretende agir nessas áreas específicas – para ampliar o acesso das mulheres à saúde e educação?
IL: O acesso das mulheres à saúde e educação deve vir junto com outras ações que as complementam e auxiliam para que sejam permanentes. Tivemos uma reunião muito boa com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, no último dia 7 de fevereiro, para definição de ações prioritárias na área de saúde da mulher. Uma das propostas da Saúde é a implantação da Rede Cegonha, de atenção à saúde da mulher e da criança. A ideia é proporcionar um cuidado especial da mãe e da criança, desde o pré-natal, passando pelo atendimento hospitalar no parto, até o cuidado nos primeiros momentos da infância. Outro ponto abordado foi o Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. Explicitamos ao ministro nossa preocupação. Pautamos o aumento de escala dos exames de prevenção à câncer de mama e de colo de útero, além da redução da mortalidade materna. O ministro Padilha tem demonstrado agilidade na adequação da Portaria 104, do Ministério da Saúde, para inclusão dos casos de suspeita ou confirmação de violência doméstica e sexual na Lista de Notificação Compulsória. Essa Portaria já faz uma alteração importante no enfrentamento à violência contra a mulher. Ainda na Saúde, incluímos em nosso planejamento o fortalecimento da Área Técnica de Saúde da Mulher, compreendendo também a Saúde Mental do Idoso, DST/HIV/Aids e Câncer; inclusão do Módulo de Gênero nos diferentes programas de qualificação dos profissionais de saúde promovidos pelo Ministério da Saúde; participação da articulação para reativar a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD). Essa comissão foi criada para monitorar o Plano de Ação de Cairo, assinado pelo Brasil, com término previsto para 2014. Neste ano, os resultados de 20 anos depois da realização da Conferência do Cairo deverão ser apresentados. Pedimos ao ministro que indique também representante do Ministério da Saúde para o Comitê de Monitoramento do 2o PNPM (Plano Nacional de Políticas para Mulheres), entre outros temas que tratamos.
Na Educação, estamos conversando com o ministério não só com vistas a incentivar a escolaridade das mulheres, mas para ampliar cursos de qualificação nas instituições federais. Iniciamos uma série de conversas com municípios e governos estaduais, no sentido de sensibilizá-los para a importância da ampliação do número de vagas em creches, na educação fundamental e ensino médio. Não se trata de imposição, mas de construção, convencimento e diálogo com os entes federados.
Vermelho: Quanto à participação política das mulheres, o Brasil ostenta a constrangedora 114ª posição, muito distante das posições argentina (14ª), chilena (26ª) ou mesmo peruana (33ª). Nessa área o que precisa ser feito para melhorar esse índice?
IL: A busca pela autonomia econômica, financeira das mulheres e sua participação nos espaços de poder é uma pauta prioritária da SPM. Temos que provocar o debate e pautar o Legislativo para colocar em discussão uma reforma política que considere a representatividade das mulheres. É incompreensível num país com uma população e eleitorado com mais de 50% de mulheres que elas representem menos de 10% nos espaços dos parlamentos, por exemplo. A política é um espaço público por excelência e historicamente coube à mulher o universo privado, do mundo dos cuidados e do fazer doméstico. Ainda prevalece a concepção de que esse espaço público, de poder e decisão, não pertence às mulheres. Essa distorção na representatividade torna estes locais pouco acolhedores às mulheres. Estabelece-se então um círculo vicioso: as mulheres não são estimuladas a participar e o “espaço” da política segue subordinado exclusivamente aos códigos de conduta masculinos. A atual subrepresentação feminina nos espaços de poder empobrece a democracia e a cidadania brasileira. É preciso alterar esse sistema que perpetua a desigualdade.
Vermelho: Outra área em que é patente a desigualdade entre homens e mulheres é no mundo do trabalho e da participação econômica. No mercado de trabalho, para as mesmas profissões e níveis educacionais, as mulheres brasileiras ganham cerca de 30% a menos do que os homens. Além das diferenças de renda, as mulheres enfrentam uma situação desfavorável na divisão das tarefas domésticas. Os maridos brasileiros dedicam, em média, apenas 0,7 hora de seu dia ao trabalho do lar. As mulheres que trabalham fora põem quatro horas diárias. Quais as medidas que a SPM pretende adotar para reverter esse quadro?
IL: Existe uma questão cultural que só conseguiremos reverter com ações transversais, priorizando a educação. Mais do que campanhas, temos que trabalhar com as crianças. Ninguém nasce machista, ou homofóbico, por exemplo. As pessoas apreendem o preconceito em casa, nos espaços de convivência. Por isso, é importante trabalhar a conscientização dos direitos das mulheres através de campanhas, mas, sobretudo, nos conteúdos didáticos, nos demais ambientes, como forma de romper a perpetuação de preconceitos e do desrespeito à cidadania das mulheres. São tarefas que a SPM enfrentará em diálogo com todos os setores de governo em nível federal, estadual e municipal, com o Ministério Público e o Judiciário, movimentos e organizações sociais.
Vermelho: Como enfrentar as questões culturais que “alimentam” as desigualdades de gênero – escola, religião, família, arte? Como envolver esses demais setores para o combate ao problema, incluindo os homens?
IL: Infelizmente, a desigualdade de gênero tem raízes em valores que naturalizam essa desigualdade e que são reproduzidos na cultura e em algumas religiões e sistemas de ensino. Levamos séculos para acabar com o regime escravocrata no Brasil, cujo "modus operandi" se reproduz até hoje no trabalho escravo em fazendas, garimpos e em fábricas, que é combatido de forma severa pela Polícia Federal e Ministério Público. Da mesma forma, temos que combater a desigualdade de gênero com toda severidade que isso exige. Mas também atuar de forma a educar e formar novos valores baseado na equidade, na igualdade, solidariedade e no direito às diferenças. E essa é uma tarefa que envolve todos os setores, o governo tem sua parte e deve ser cada vez mais incisivo para garantir direitos, mas também de promover o diálogo e espaços onde possam haver o debate e a promoção de valores e cultura.
Vermelho: E com relação ao combate à violência contra a mulher, que demandou muito tempo e recursos nos últimos anos, qual a sua avaliação nesse setor? A Lei Maria da Penha cumpre todo o papel nessa área ou é preciso mais empenho para que seja eliminada essa “chaga” da sociedade brasileira?
IL: A SPM, em conjunto com os poderes Judiciário, Legislativo e Ministério Público, iniciou esse esforço, que resultou no Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, no envolvimento para a aprovação da Lei Maria da Penha. A necessidade desses instrumentos indicam que a violência contra as mulheres é uma questão de governo e, portanto, envolve e responsabiliza o conjunto da sociedade. Ao longo do governo Lula foram criados um conjunto de mecanismo de operação de direitos, de punição dos criminosos e de rede de proteção às mulheres vítimas de violência – isso tudo veio acompanhado de uma intensa campanha de orientação, informação e educação endereçadas às mulheres e à sociedade. Mas é necessário avançar ainda mais e atuar também no combate às causas da violência. Existe um fator cultural, de predominância do pensamento machista e patriarcal. Uma das formas de combater esse tratamento é investindo na autonomia das mulheres. Temos ainda a desigualdade social que joga peso e torna essas práticas violentas contra a mulher invisíveis ao conjunto da sociedade. Por isso, a importância da erradicação da pobreza. Desenvolver e implementar ações que garantam de forma permanente a autonomia econômica, que amplie e qualifique sua participação nos espaços de poder, no mundo do trabalho e dê visibilidade às suas expressões culturais e identidade contribui em muito para desnaturalizar e acabar com a violência contra as mulheres.
Vermelho: De que forma a eleição de uma mulher presidente ajuda na luta pela igualdade de gênero?
IL: Não só ajuda como muda a forma de entender e de operar essas políticas. Estamos no primeiro ano da primeira presidenta do Brasil. Não haverá outro ano e nem outro mandato como este. A presidenta Dilma abre as portas para que outras mulheres possam vir a ser presidentas. Mas ela é a primeira. É um marco simbólico, político e histórico que põe luz sobre a força da mulher brasileira e sua capacidade para acabar com um conjunto de práticas discriminatórias, a começar pela pobreza, a violência, a ausência de participação política e autonomia econômica. Melhorar a vida das mulheres é melhorar a vida de todos e, nesse sentido, ter uma presidenta faz toda a diferença.
Vermelho: O que a SPM está pensando fazer para o 8 de Março desse ano, o primeiro que terá uma mulher na Presidência da República?
IL: Não estamos trabalhando o 8 de Março como um só dia de mobilização. É uma data simbólica, importante, mas ampliamos de um dia para um mês dedicado às mulheres. Não tenho como adiantar as ações, mas trabalhamos com anúncio de projetos identificados com o eixo central do governo, que é o combate à miséria, sem esquecer a questão do enfrentamento à violência.
De Brasília
Márcia Xavier