Egípcios promovem mobilização geral para derrubar Mubarak
O duelo entre o presidente egípcio Hosni Mubarak e a população que exige sua renúncia desde a semana passada enfrenta nesta terça-feira um teste decisivo, com a convocação de protestos que pretendem reunir um milhão de pessoas.
Publicado 01/02/2011 10:17
Milhares de manifestantes chegaram ainda durante a madrugada ao centro do Cairo, onde muitos deles passaram a noite, apesar do toque de recolher. "Fora Mubarak", gritavam, na Praça Tahrir (Praça da Libertação), epicentro da revolta contra o regime.
No local, concentram-se egípcios de todas as idades, de idosos a crianças que acompanham seus pais. Todos trazem bandeiras e cartazes com lemas como "O povo despediu o presidente". Entre os manifestantes, sete homens vestidos de branco e com faixas também brancas na cabeça – como "jihadistas" – gritam em árabe e em inglês: "Estou pronto para morrer pelo meu Egito!". Muitas pessoas exibiam cartazes com a imagem de Mubarak pendurado e a frase: "Sua cabeça vai rolar".
"A bola está do lado dos europeus e americanos. Não queremos nada deles, mas também não queremos que ajudem Mubarak", afirmou o manifestante Usama Alam, de 43 anos. Helicópteros militares sobrevoavam a cidade, e os soldados mobilizados na capital desde sexta-feira controlavam os pontos de acesso.
Mas o Exército – um dos pilares, ao lado da polícia, do regime autoritário – destacou na segunda-feira que considera legítimas as reivindicações do povo e anunciou que não usará a violência contra os manifestantes. "A liberdade de expressão de forma pacífica está garantida para todos", afirmou o porta-voz do Exército.
Apesar da declaração, militares fechavam os acessos ao Cairo e outras cidades para onde foram convocadas manifestações. A autoestrada que liga Alexandria ao Cairo estava bloqueada a um quilômetro da capital. Uma longa fila de caminhões de mercadorias e automóveis aguardava autorização para passar, mas os soldados impediam o avanço de veículos.
As saídas das cidades de Mansura (delta do Nilo), Suez (leste) e El Fayyum (ao sul do Cairo) também foram bloqueadas pelo exército, segundo a imprensa internacional.
Quase 50 Organizações Não Governamentais (ONGs) egípcias de defesa dos direitos humanos pediram a Mubarak "que se retire do poder para evitar um banho de sangue".
Mubarak, 82 anos, no poder desde 1981, esboçou nos últimos dias manobras políticas, mas não conseguiu aplacar os protestos que, de acordo com a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, pode ter deixado até 300 mortos e milhares de feridos. Navi pediu calma durante a manifestação programada hoje. Ela cobrou das autoridades egípcias que a polícia e o Exército não usem a força excessiva e protejam os civis.
"As mortes estão crescendo diariamente, com relatos não confirmados sugerindo que até 300 pessoas podem ter sido mortas até agora, mas de 3 mil feridas e centenas presas", disse a comissária em comunicado, citando informações passadas por ONGs. "A marcha de terça-feira parece ser um momento decisivo na transição do Egito para uma sociedade mais livre, justa e democrática".
Os organizadores dos protestos também convocaram uma greve geral, iniciada na segunda-feira, em um país já paralisado, com a Bolsa e os bancos fechados, os postos de gasolina sem combustíveis e os caixas automáticos vazios.
Uma passeata similar à do Cairo foi convocada em Alexandria, norte do país, como resposta à decisão das autoridades de interromper o tráfego ferroviário. A rebelião reúne forças políticas de todos os espectros, da oposição laica à islâmica, passando por uma rede de internautas que iniciou o movimento.
Proposta tardia de diálogo
O vice-presidente Omar Suleiman, designado para o cargo no fim de semana em uma manobra do governo para tentar esvaziar o movimento, anunciou na segunda-feira que Mubarak pediu o início de um diálogo com a oposição. "O presidente me encarregou de iniciar contatos imediatos com todas as forças políticas para um diálogo sobre todas as questões ligadas à reforma constitucional e legislativa", afirmou Suleiman.
Nesta terça-feira, contudo, os principais grupos da oposição egípcia rejeitaram a proposta de dialogar com as forças políticas a fim de efetuar reformas constitucionais. Os Irmãos Muçulmanos, a maior força opositora no país, recusaram categoricamente conversar com o regime que consideram já "não tem nenhum valor".
"O pedido principal de todo o povo continua sendo a derrocada do regime de Mubarak", disse Gamal Nassar, um porta-voz desta formação considerada ilegal pelo atual governo. Para Nassar, o regime de Mubarak "está perdendo tempo" com estas propostas que "chegaram muito tarde".
A mesma postura de rejeição ao diálogo com Suleiman tem a Assembleia Nacional para a Mudança, que apoia o prêmio nobel da paz Mohamed ElBaradei e considera a proposta de Mubarak "sem valor", disse Hassan Nafae, um dos dirigentes deste grupo. "A proposta é uma tentativa mais para conter a revolução, mas a pressão continuará na rua para derrubar o regime de Mubarak", disse Nafae.
Posição hipócrita dos EUA e da UE
O Egito, o mais populoso dos países árabes (80 milhões de habitantes), é um aliado dos Estados Unidos na região e administra o Canal de Suez, essencial para o abastecimento de petróleo dos países desenvolvidos. Além disso, o Egito é um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) que assinou um tratado de paz com Israel.
Por todos estes fatores, o desfecho da crise gera ansiedade em todo o mundo e coloca alguns países em situação desconcertante. A Casa Branca – que nem encontra maneiras de criticar um governo do qual há muito é aliada, tampouco pode ignorar o movimento popular contra a ditadura – pediu calma na segunda-feira e se disse satisfeita com a "moderação" exibida pelas forças de segurança egípicias.
O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Musa, ex-ministro egípcio das Relações Exteriores, pediu uma "transição pacífica". A União Europeia (UE) defendeu eleições "livres e justas" no país.
Já o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, mencionou o fantasma de um regime "ao estilo iraniano", caso, aproveitando o caos, "um movimento islamita organizado assuma o controle do Estado". O chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, aproveitou a oportunidade para afirmar que a rebelião no Egito vai ajudar a criar um "Oriente Médio islâmico".
"Pelo que sei a respeito do grande povo revolucionário do Egito, que está fazendo história, tenho certeza de que vai desempenhar um papel na criação de um Oriente Médio islâmico, para todos os que buscam liberdade, justiça e independência", declarou Salehi, segundo o portal da televisão estatal iraniana.
Consequências
Na segunda-feira, os trens deixaram de funcionar e o último provedor de internet egípcio em funcionamento, o Grupo Noor, parou de operar, o que deixou o país sem acesso à rede. Em resposta ao bloqueio à internet, a Google anunciou a criação de uma forma de acesso ao Twitter pelo telefone.
O barril de petróleo é negociado desde segunda-feira por mais de 100 dólares, pela primeira vez em dois anos. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, anunciou que está disposto a ajudar o Egito a reconstruir sua economia.
Com agências