Gramsci: Sobre a base da organização do Partido
Antônio Gramsci compreendia que a organização partidária era antes de tudo uma questão política, como afirma desde o início do escrito abaixo. Para ele, o conceito não era uma forma de escapismo do duro labor organizativo, mas o ponto de partida para forjar uma identidade de partido independente da classe operária.
Publicado 21/01/2011 10:04
Por Antonio Gramsci, em La Costruzione del Partito Comunista
Traduzido do italiano por José Reinaldo Carvalho
Todos os problemas de organização são problemas políticos. A solução destes deve tornar possível ao partido cumprir a sua tarefa fundamental, de fazer com que o proletariado conquiste uma completa independência política, dar-lhe uma fisionomia , uma personalidade, uma consciência revolucionária precisa, impedir toda infiltração e influência desagregadora de classes e elementos que, mesmo tendo interesses contrários ao capitalismo, não querem conduzir a luta contra este até as suas últimas consequências.
Em primeira linha, encontra-se um problema político: o problema da base da organização. A organização do partido deve ser construída sobre a base da produção e portanto do local de trabalho (células). Este princípio é essencialmente para a criação de um partido “bolchevique”. Isso depende de que o partido deve ser apetrechado para dirigir o movimento de massa da classe operária, a qual vem naturalmente unificada pelo desenvolvimento do capitalismo segundo o processo da produção.
Pondo a base organizativa no local de produção o partido cumpre um ato de escolha da classe sobre a qual se baseia. Este proclama ser um partido de classe e o partido de uma só classe, a classe operária.
Todas as objeções ao princípio que põe a organização do partido sobre a base da produção partem das concepções ligadas a classes estranhas ao proletariado, mesmo que sejam objeções apresentadas por companheiros e grupos que se dizem de “extrema esquerda”. Estes se baseiam sobre uma consideração pessimista quanto à capacidade revolucionária do operário e do operário comunista e são expressões do espírito anti-proletário do intelectual pequeno-burguês, o qual crê que é o sal da terra e vê no operário o instrumento material da sublevação social e não o protagonista consciente e inteligente da revolução.
A propósito das células, reproduzem-se no partido italiano as discussões e os contrastes que levaram na Rússia à cisão entre bolcheviques e mencheviques acerca do mesmo problema da escolha de classe, do caráter de classe do partido e do modo de adesão ao partido de elementos não proletários. De resto, este fato tem uma importância notável em relação com a situação italiana.
É a própria estrutura social e são as condições e as tradições da luta política que tornam mais sério na Itália do que em outra parte o perigo de edificar o partido com base numa “síntese” de elementos heterogêneos, ou seja, de abrir neste o caminho à influência paralisante de outras classes. Trata-se de um perigo que será sempre mais grave do que a própria política do fascismo, que empurrará ao terreno revolucionário estratos inteiros da pequena burguesia.
É certo que o partido comunista não pode ser um partido apenas de operários. A classe operária e seu partido não podem fazer pouco caso dos intelectuais nem podem ignorar o problema de aglutinar em torno de si e guiar todos os elementos que por uma via ou outra são levados à revolta contra o capitalismo.
Assim, o Partido comunista não pode fechar as portas aos camponeses: aliás, o partido deve ter em seu seio os camponeses e servir-se destes para fortalecer os laços políticos entre o proletariado e as classes rurais. Mas é de rechaçar energicamente, como contrarrevolucionária, toda concepção que torne o partido uma “síntese” de elementos heterogêneos, ao invés de sustentar sem concessões que este é uma parte do proletariado, que o proletariado deve dar-lhe o impulso da organização que lhe é própria e que ao proletariado deve ser garantida no próprio partido uma função dirigente.
Não têm consistência as objeções práticas à organização sobre a base da produção (células), segundo as quais esta estrutura organizativa não permitiria superar a concorrência entre as diversas categorias de operários e deixaria o partido à mercê do corporativismo.
A prática do movimento de fábrica (1919-1920) demonstrou que somente uma organização aderente ao lugar e ao sistema da produção permite estabelecer um contato entre os estratos superiores e os inferiores da massa trabalhadora (qualificados, não qualificados e manuais) e criar vínculos de solidariedade que removam as bases a todo fenômeno de “aristocracia operária”.
A organização por células traz à formação no partido de um estrato bastante vasto de elementos dirigentes (secretários de célula, membros dos comitês de células etc.), os quais são parte da massa e permanecem nela, mesmo exercendo funções dirigentes, à diferença dos secretários das seções territoriais, que eram por necessidade elementos destacados da massa trabalhadora.
O partido deve dedicar um cuidado especial à educação destes companheiros que formam o tecido conectivo da organização e são o instrumento de ligação com a massa. De qualquer ponto de vista que seja considerada, a transformação da estrutura sobre a base da produção permanece a tarefa fundamental do partido no momento presente e o meio para a solução dos mais importantes problemas. Deve-se insistir nisso e intensificar todo o trabalho ideológico e prático relativo a isso.