Entrevista – Paes de Andrade
Presidente de honra do PMDB, Paes de Andrade tornou-se uma personalidade política tanto no Ceará quanto nacionalmente. O cearense é o personagem deste segunda-feira (06/12) das Páginas Azuis do Jornal O Povo. Em entrevista especial, Paes de Andrade fala da sua trajetória política, das eleições deste ano e diz que Eunício Oliveira saiu forte das urnas e deve ser candidato ao governo em 2014. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Publicado 06/12/2010 11:59 | Editado 04/03/2020 16:32
Aos 83 anos, Paes de Andrade está afastado do Congresso Nacional há pelo menos oito. Depois de uma sequencia ininterrupta de mandatos como deputado federal que fizeram dele um dos mais longevos e influentes parlamentares de Brasília. Com direito, entre 1989 e 1990, a ocupar a cobiçada presidência da Casa. Uma circunstância histórica o levou a, na condição de substituto constitucional, assumir a presidência da República por 13 vezes. O período deixou marcas importantes, boas e ruins. Dentre as últimas, a até hoje lembrada viagem a Mombaça, terra natal, que lhe custou fortes ataques da imprensa nacional.
Nas negociações
Presidente de honra do PMDB nacional, Paes diz participar de todas as articulações que acontecem em Brasília para formação do governo Dilma Rousseff e, otimista, acredita que será garantida à legenda uma presença no governo do tamanho de sua importância. Entusiasmo mesmo ele demonstra, porém, quando analisa o cenário de futuro do Ceará. Ao ponto de considerar o deputado federal, senador eleito e seu genro, Eunício Oliveira, candidato natural ao governo em 2014. Para ele, a votação recorde em 2010, o vínculo com o atual governador, Cid Gomes, e a perspectiva de uma presença nacional forte, fazem de Eunício um nome desde já colocado para a próxima disputa.
Qual será o papel do PMDB no futuro governo Dilma Rousseff?
Nós ficamos revoltados quando se diz que o PMDB anda à busca de posições no futuro governo. O que queremos é que o partido tenha condições de desempenhar o papel que seu tamanho exige e, até o momento, a presidente Dilma tem sido absolutamente correta conosco. Ela tem honrado todos os compromissos feitos e inexiste uma situação que justifique se tentar colocar o PMDB numa postura fisiológica. O que o partido quer é participar, e vai participar, com a força que tem, com a história que tem.
Qual seria o tamanho dessa participação? Quantos ministérios, por exemplo? Há um número?
Nós não estamos preocupados com ministérios. O que nos preocupa, repito, é uma participação no governo que justifique o PMDB colocado com sua história, com sua força, seu passado. Nada de fisiologismo.
O senhor ressalta que o PMDB é o maior partido do País, e os números confirmam isso. No entanto, não consegue viabilizar uma candidatura forte à presidência da República, como novamente aconteceu em 2010. Por quê?
Eu trabalhei por uma candidatura própria agora, na condição de presidente de honra nacional do partido. Primeiro com o Itamar (Franco, hoje eleito senador pelo PPS de Minas Gerais), depois com o Pedro Simon (senador pelo Rio Grande do Sul, no meio do mandato).
Por quê, enfim, o PMDB não viabiliza uma candidatura?
O Itamar, inicialmente sugerido, era um grande nome e minha expectativa era que ele sustentasse a bandeira. O que não aconteceu, ele recuou…
Acabou, inclusive, mudando de partido.
Exato, para ser candidato ao Senado pelo PPS, ao lado de Aécio (Neves, ex-governador de Minas Gerais e senador eleito pelo PSDB). Depois, começamos a trabalhar com o nome do Simon, que, em determinado momento, também retira a candidatura.
Eram nomes eleitoralmente viáveis na avaliação do senhor?
Claro. O Simon é um homem extraordinário, só que, no andar das coisas, não segurou a ideia. Então, são coisas dessa natureza…
O movimento pela candidatura própria que o senhor apoiou tem a ver com algum nível de insatisfação com o governo Lula?
Não. O presidente Lula honrou o mandato que tem, foi correto. Aliás, até houve um momento em que o Aécio estava em Portugal e eu, embaixador do Brasil no país à época, o hospedei na residência oficial. Ele, então, ficou lá na suíte presidencial e nós conversamos muito até que, em determinado momento, ele disse que iria votar para sua casa, que era a casa do seu avô (Tancredo Neves). Eu disse que tudo bem, era um caminho natural e comecei a tratar da possibilidade de sua filiação ao PMDB.
O senhor chegou a tratar disso com o Aécio?
Exatamente, na residência do embaixador, onde ele se encontrava hospedado. Ele, então, disse que só tinha receio da possibilidade de, depois, o partido colocar um autêntico pra disputar uma indicação como candidato à presidência. De lá íamos para o Porto, cidade litorânea de Portugal, e eu adiantei pra ele que iria colocar o assunto para o presidente Lula. Quando chegamos lá, disse ao Lula que o Aécio admitia voltar para o PMDB e perguntei como ele se colocaria diante do quadro. O Lula disse que seria o seu candidato, caso entrasse no PMDB. ‘Você será o meu candidato’, disse o Lula, dirigindo-se ao Aécio. Acho, então, que ele perdeu uma grande oportunidade porque, talvez, fosse hoje o presidente da República. Em relação ao medo dele, de um histórico ser lançado dentro do PMDB, era infundado porque o sentimento de Minas Gerais em defesa dele cresceria, certamente, tornando o seu nome imbatível.
Para o senhor, já considerado o cenário definido de eleição de Dilma Rousseff, quais os grandes desafios que ela enfrentará, começando pelo fato de suceder um presidente que deixa o cargo com a popularidade em alta.
O Lula é um homem extraordinário, está com uma aprovação altíssima, de fato, e, pra mim, tudo isso só facilita a situação para ela já que os dois estão juntos. Não há dificuldade, a Dilma agora…
Não há um risco de ele virar uma sombra incômoda para ela?
Não, o entrosamento dele com ela é perfeito, não haverá sombra nenhuma. Haverá, acredito, é o aprofundamento do entendimento entre ambos.
Na reacomodação geral de forças políticas que acontecerá dentro do novo cenário nacional qual será o papel do PMDB do Ceará e, em especial, do senador eleito Eunício Oliveira, atualmente deputado federal?
O Eunício obteve uma votação extraordinária, acima do que teve a presidente, mais até do que o governador. Ele teve quantos votos? (2.688.833) Ele está muito tranquilo, no meio de toda essa coisa, para colaborar, vai colaborar, e jamais se colocará como empecilho para prejudicar o processo. O nome dele está muito forte e, acredito mesmo, deve ser candidato a governador do Estado do Ceará daqui a quatro anos. Não sei como as coisas vão se desenrolar…
Seria um nome natural, segundo o senhor avalia, para a sucessão do governador Cid Gomes em 2016?
Ele pode sim, amanhã, ser candidato..
Quando o senhor levanta essa possibilidade é por que ela já chegou a ser tratada? O próprio Eunício manifestou algo nesse sentido?
Não, porque ele é muito cauteloso. Eu é que sou mais audacioso (risos)!
De qualquer forma, para o senhor, o PMDB do Ceará saiu mais fortalecido das urnas em 2010?
O Michel já disse que o Eunício deverá assumir a presidência nacional do PMDB, depois de seu afastamento para assumir a vice-presidência da República. Algo que, claro, já facilita. O resto dependerá da condução que ele vier a dar, mas, de qualquer maneira, a tendência é que o Eunício saia mais forte ainda.
Inclusive para os embates estaduais, cá no Ceará?
Claro. O Eunício já é o presidente do partido no Ceará, tem a votação expressiva que obteve agora na campanha ao Senado, tem uma boa articulação com o governador.
Seria, portanto, um nome natural para disputa pelo governo estadual em 2014?
Ele pode até não achar, mas eu acho (risos).
Vamos falar um pouco de trajetória histórica. Como é que se deu a entrada do senhor na política?
Fui eleito deputado estadual com 21 anos. Logo em seguida ocupei a secretaria de Agricultura, foi um momento de grande importância, fui secretário da Fazenda..
Da Fazenda?
É, porque o Renato Braga era o titular da Fazenda e teve que pedir licença, que demorou muito a chegar. Enquanto isso, então, fui secretário da Fazenda. Tentei dignificar todos os cargos que ocupei, o que terminou me dando muita força e experiência..
O senhor já fazia política no movimento estadual.
Sim, eu era estudante quando me elegi pela primeira vez. Era da UNE, União Nacional dos Estudantes, como vice no Ceará do José Augusto Amaral de Souza, que depois viria a ser governador. Passei, então, três anos como deputado estadual, tudo nos anos 50. Então, quando veio a, chamada, União pelo Ceará, fui candidato a deputado federal. Meu sogro, Martins Rodrigues, era ministro e, junto com ele, consegui me eleger deputado federal. Nós dois fomos eleitos. Dentro da União pelo Ceará, de forma que cheguei muito cedo à Câmara dos Deputados. Lá chegando, fui para o grupo chamado de “autênticos”, ao lado do Chico Pinto e de outros nomes extraordinários. Foi algo muito importante pra mim que passei por muitas dificuldades, deveria ter sido cassado, inclusive, mas a verdade é que não fui.
O senhor saberia, hoje, as razões pelas quais não foi cassado, já que tem consciência de que isso poderia ter acontecido?
Tarso Dutra era um homem muito ligado ao Martins Rodrigues, meu sogro. Um dia eu estava em casa, muito preocupado, quando tomo conhecimento de um Ato Revolucionário com várias cassações de deputados. Meu nome não constava ali, o que me causou estranheza. Estava lá todo o pessoal com o qual eu me articulava, o Padre Vieira chegou a ir lá em casa me confortar, dando-se como certa minha cassação, e ele foi o primeiro a ser cassado. Foi, então, que saiu uma lista extra e lá estava o nome de Antonio Vaz de Andrade. Eu me encontrava na chácara do Júlio Rodrigues, a Zildinha (Zilda Paes de Andrade, mulher do deputado) estava grávida da Patrícia, pedi coragem a ela, antecipando que seria cassado etc. A polícia, enquanto isso, cercava o local. Todos os deputados que estavam ali foram cassados e depois que saiu também o nome do tal Antonio Vaz de Andrade, a polícia deixou o local. Muito tempo depois, quando assumi a presidência da República pela primeira vez, durante uma viagem do Sarney ao Japão (presidente entre 1986 e 1990), chamei o então chefe do SNI (general Ivan Sousa Mendes) e disse que queria todas as fichas envolvendo o meu nome, em todos os órgãos do governo. Ele resistiu inicialmente, disse que eu era presidente da República naquele momento, era Chefe Supremo das Forças Armadas etc, que eu não devia lhe pedir aquilo. O interrompi e disse que não estava pedindo, estava lhe passando uma instrução. Diante disso, ele trouxe. E lá estava o Antonio Vaz de Andrade. Aquilo foi um negócio sério.
O senhor pode ter sido salvo da cassação, portanto, devido a um erro do tipo, ortográfico muito possivelmente?
Por isso mandei buscar o processo. Não só esse, a orientação era para que fossem levados até a mim todos os documentos. No Exército, lá, tinha que eu recebia apoio dos comunistas, mas não é comunista. Quando vi o relatório da Marinha, porém, era horrível, me colocava na condição de comunista confesso e que só aparecia nos momentos difíceis para cumprir missão do partido. Nunca fui comunista! Recebi o apoio, e com muita honra, de todas as forças de esquerda da época no País.
Ainda em relação às memórias, como o senhor analisa hoje o episódio de 1985, quando perdeu uma disputa pela prefeitura de Fortaleza em que o favoritismo de sua candidatura foi até o dia da eleição?
Fui dormir eleito prefeito de Fortaleza. Passei na casa do Gonzaga (Mota, então governador do Ceará), que estava me apoiando, e projetávamos naquele momento 30 mil votos na frente. De manhã cedo, quando acordei, a Maria Luiza (candidata do PT, que seria vitoriosa) estava empatada comigo. Imaginei, comigo mesmo: a eleição está perdida! E, de fato, a Maria Luiza ganhou por uma pequena diferença de votos.
Na mesma época, um ano depois, aconteceria outro momento histórico do qual o senhor participou ativamente que foi a eleição do empresário Tasso Jereissati como governador do Ceará pela primeira vez…
Nosso candidato, meu candidato.
Candidato do senhor, exatamente. O que é que aquele Tasso ganhou desde então, de qualidade e de defeito, inclusive para justificar o fato de hoje ele ser adversário?
Ele, como governador pelo PMDB, fez uma gestão correta. Depois, optou por outras vias, outros caminhos, e o fato é que, a partir dali, em toda eleição minha ele tentava desmanchar. Era uma coisa terrível, porque eu estava sendo candidato numa hora difícil. Na primeira hora, no primeiro mandato após ser eleito governador, não, ele votou comigo, mas, em seguida, veio a eleição do Beni Veras e o Tasso entrou pra me derrotar e, de fato, me derrotou.
O governador Cid Gomes avalia que o senador Tasso Jereissati é, hoje, o maior político vivo do Ceará. O que o senhor acha disso?
Ele não repete mais isso não.
Ele tem repetido.
Não repete mais.
Mas, o senhor concorda ou discorda?
Há coisas que me levam a concordar, outras que não.
O governador comete alguma injustiça com alguém, o senhor acha, ao apontar o Tasso?
Não li essa declaração, mas, acho, ele não a repetiria hoje.
Quem é, na visão do senhor, o maior político cearense vivo?
A Dilma.
Mas ela não é cearense.
Ela é universal (risos). E há o Lula, também.
Perfil – Paes de Andrade
Antonio Paes de Andrade cumpriu oito mandatos consecutivos como deputado federal. Em 1998 foi derrotado ao tentar uma vaga no Senado Federal, interrompendo um ciclo vitorioso de disputas eleitorais para o Congresso Nacional. Já havia experimentado um fracasso nas urnas em 1985, quando disputou a prefeitura de Fortaleza e chegou ao dia da eleição em situação de amplo favoritismo, previsto nas pesquisas de intenções de voto, mas terminou superado pela candidata Maria Luiza Fontenele, então do PT. Da ala histórica do PMDB, hoje é presidente de honra nacional do partido e diz estar presente a todas as articulações relacionadas ao seu futuro. Com formação em Direito, é natural de Mombaça, município cearense distante de Fortaleza 296,1 km que tornou famoso ao visitar durante uma de suas 13 interinidades como presidente da República. Paes de Andrade presidiu a Câmara dos Deputados no biênio 1989/1990, além de, por duas oportunidades, assumir o comando da executiva nacional do PMDB.
Números
21 anos – Era a idade de Paes na primeira eleição, como deputado estadual
13 vezes – Paes foi, interinamente, presidente da República
O Dia da quase volta de Aécio
Paes de Andrade diz que intermediou, quando embaixador em Portugal, um possível retorno ao PMDB do ex-governador Aécio Neves, eleito senador pelo PSDB de Minas Gerais nas eleições de 2010. Segundo ele, o próprio Aécio manifestou o desejo de “voltar pra casa”, referindo-se ao PMDB, e Lula, durante encontro dos três na cidade do Porto, disse que caso isso acontecesse ele seria seu candidato ao Palácio do Planalto. Na avaliação do político cearense, caso o tucano tivesse feito mesmo a mudança “talvez fosse, hoje, o presidente da República. Acho que ele perdeu uma grande oportunidade”.
Com FHC
O nosso Fernando Henrique Cardoso fez tudo que era possível para me derrotar na disputa pela presidência do PMDB. Eram os aviões por ai, era o mundo inteiro, até que, apuradas as urnas, ganhei do Alberto Goldman, então um peemedebista, por um voto. Um voto. Eu estava em Portugal, como embaixador, quando ele passou um telegrama dizendo que estava chegando. À época nós não nos falávamos. Mesmo assim, fui ao aeroporto em Lisboa, era um 7 de Setembro, o recebi dentro do avião e ele reagiu dizendo que não esperava aquilo, que aquilo confortava o seu coração, que eu era um homem extraordinário.
Eu estava em minha casa, tinha sido derrotado nas eleições de 2002, quando a empregada disse que o presidente estava querendo falar comigo ao telefone. Achei que fosse uma brincadeira do Requião, mas, pra minha surpresa, era mesmo o Lula. Veja que grandeza dele, procurando um derrotado, orientando-me a ir ao Palácio e procurá-lo direto, descer do avião e ir direto pra lá. Foi o que fiz e, ao chegar, ele estava na porta, à espera. Perguntou se eu queria ser ministro dele, respondi que não e ele questionou a razão. Disse-lhe que a razão era simples: não queria divergir dele, pois estávamos numa luta com muitas afinidades.
Bastidores
A morte do ex-colega deputado e ex-correligionário peemedebista Expedito Machado, no último dia 25 de novembro, acabou possibilitando que a entrevista fosse in loco, ao contrário dos planos iniciais de fazê-la por telefone. É que Paes, hoje, passa mais tempo em sua residência de Brasília, onde acompanha de perto os acontecimentos políticos.
Para se fazer presente à missa de 7º dia em homenagem ao amigo, celebrada em Fortaleza, Paes veio à cidade na última quarta-feira e, com isso, agendou para a manhã do dia seguinte a conversa com O POVO. Agora, volta ao Ceará apenas para as festas de final de ano.
A amiga Rachel de Queiroz o tempo todo é lembrada por Paes, que não esquece a firme defesa que ela fez diante das críticas que recebia da imprensa sulista quando presidia a Câmara dos Deputados. É comum que use palavras de Rachel, escritas ou pronunciadas, ao argumentar que parte dos ataques tinha razão discriminatória.
O POVO, ao chegar no apartamento, já recebeu um papel com parte de um texto da autora de O Quinze na qual ela ressaltava o político cearense, pelo fato de ter saido de Mombaça para governar o País.
Rachel, lembra ele, chegou a se indispor com a cúpula do jornal O Estado de S. Paulo, onde escrevia editoriais, para defendê-lo.
Fonte: Jornal O Povo