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Artigo: Aids, novos tempos

A presidente eleita assinou compromisso com as ONGs de luta contra a Aids para investir na produção nacional de genéricos: é um bom começo.

Por Caio Rosenthal e Mário Scheffer*


A história da Aids mudou 30 anos depois de a doença ser reconhecida e 15 anos após a descoberta do tratamento eficaz.

O programa de Aids da ONU acaba de anunciar pela primeira vez a estabilização da epidemia no mundo; mais gente está vivendo por mais tempo, já é possível falar na eliminação da transmissão do HIV da mãe para o filho e até o Vaticano finalmente admitiu o uso do preservativo "em situações extremas".

Ficou demonstrado que, ao baixar a níveis indetectáveis a quantidade de vírus que circula no sangue e nas secreções genitais, o tratamento adequado não elimina, mas aproxima de zero a possibilidade de um portador transmitir o HIV.

Para os defensores da tese "testar e tratar" o quanto antes, estamos diante de um freio sem precedentes no avanço da Aids.

Promissor, o primeiro grande estudo da chamada profilaxia pré-exposição, conduzido no Brasil e em mais cinco países, concluiu que indivíduos expostos ao risco, ao tomar um comprimido por dia contendo dois medicamentos anti-Aids, registraram muito mais proteção contra a infecção pelo HIV.

No Brasil, o Ministério de Saúde ampliou as diretrizes para outro tipo de profilaxia, após a exposição.

Além dos casos de estupro e de acidente de trabalho, o tratamento de urgência com o "coquetel" de antirretrovirais é agora preconizado para populações específicas, altamente vulneráveis, e que supostamente tiveram contato com o HIV em relações sexuais desprotegidas.

A promoção do uso consistente do preservativo em todas as relações sexuais é prioridade que jamais pode ser abandonada, mas são evidentes as limitações dessa política. Antes de assumir o tratamento como prevenção, decisão que deverá considerar os interesses comerciais e os riscos da medicalização que conduz ao sexo inseguro, o Brasil tem que se voltar para milhares de pessoas que nem sabem que têm o HIV, porque nunca realizaram o teste.

Se todos os que chegam já debilitados e com Aids aos serviços de saúde iniciassem o tratamento na hora certa, a conta seria imensamente maior do que as 200 mil pessoas que hoje buscam o remédio na rede pública, um custo que passa de R$ 800 milhões por ano ao SUS.

Em todos os cenários, o Brasil, que convive com o subfinanciamento da saúde, terá que ampliar o acesso aos medicamentos de Aids.

Por isso, é fundamental que o Supremo Tribunal Federal julgue a ação direta de inconstitucionalidade nº 4234, contra patentes "pipeline", "invenção" nacional que permitiu a aceitação indevida no país de patentes de vários produtos.

Como muitos medicamentos para o tratamento da Aids foram protegidos por esse mecanismo injusto, o SUS não pode comprar a versão genérica, mais barata, dessas drogas. Para se ter uma ideia, ao comparar com preços de genéricos anti-Aids praticados no mundo, o Brasil, em seis anos, teve prejuízo de US$ 519 milhões na compra de cinco medicamentos de marcas beneficiadas por tais patentes.

Durante a campanha eleitoral, a presidente eleita Dilma Rousseff assinou um compromisso com as ONGs de luta contra a Aids de emitir licenças compulsórias de antirretrovirais e de investir na produção nacional de genéricos.

É um bom começo.

*Caio Rosenthal é médico infectologista, é membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.

*Mário Scheffer é comunicador social e sanitarista, doutor em ciências pela Faculdade de Medicina da USP, é presidente do Grupo pela Vidda-SP.

Fonte: Folha de S. Paulo