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Lozano: O capitalismo é violento pela sua própria natureza

Barbárie ou civilização? É o tema que nos traz a este importante seminário, em que vários acadêmicos e peritos farão os seus depoimentos à luz de um mundo unipolar, que avança com mudanças de significados diferentes no começo da segunda década do século XXI.

Por Carlos A. Lozano Guillén*

Alguns, quem sabe, em direção à barbárie, pela arrogante política do imperialismo dos E.U.A. e das principais potências europeias que nunca renunciaram à violência, às guerras de rapina, à agressão de outros povos e à autoridade dominante, como se o mundo tivesse regressado às piores épocas do colonialismo.

Nos finais dos anos oitenta e começos de noventa do século passado, quando sobreveio o derrube do “socialismo real” na Europa oriental, que levou ao colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, anunciou-se o fim da guerra fria, a vitória do capitalismo e até o fim da história. A confrontação leste-oeste e a contradição internacional entre o capitalismo e o socialismo chegaram ao final, disseram os acadêmicos burgueses, acabando o mundo bipolar de dois sistemas opostos em confronto dialético e de busca da supremacia histórica de um sobre o outro. Emergiu o mundo unipolar, dominado pelo capitalismo, na pior das suas formas: o imperialismo, explicado por Vladimir Ilich Lênin como o desenvolvimento e continuação direta das propriedades fundamentais em geral do capitalismo. “Mas o capitalismo transformou-se em imperialismo capitalista unicamente ao chegar a um grau determinado, muito elevado, do seu desenvolvimento, quando algumas das características fundamentais do capitalismo começaram a converter-se na sua antítese, quando tomaram corpo e se manifestaram em toda a linha os traços da época de transição do capitalismo para uma estrutura econômica e social mais elevada”. Por esta razão, para Lênin, de maneira simples, “o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo” (1).

O imperialismo, na opinião de Lênin, está montado sobre um Estado proprietário ou Estado agiota, sem escrúpulos, apoiado, se for o caso, na violência para impor a acumulação de capital. Por esta razão nunca poderá haver uma “terceira via” ou um “capitalismo humano”, como preconizam tantos intelectuais, mesmo de esquerda, que concluíram que depois da queda do muro de Berlim a situação mundial seria dominada por um “capitalismo de rosto humano”. Pelo contrário, o que sobreveio foi o modelo neoliberal (alguns chamam-lhe “capitalismo selvagem”), que arrasou, como uma onda violenta, com o patrimônio público, com o Estado eficaz e os direitos dos trabalhadores. Foi uma espécie de Tsunami político, social e econômico que ainda não terminou. Muitos dos desiludidos da esquerda, ficaram frustrados perante a terrível realidade que ainda não acabou, porque o capitalismo, não importa o lugar ou o momento histórico, está baseado na maior mais-valia, na super-exploração dos trabalhadores e na acumulação de lucros. É possível que, no auge da onda neoliberal, em pleno século XXI, o capitalismo arraste uma crise cíclica, que afeta o modelo, ainda que não seja sistêmica. “É uma crise cíclica. Daquelas que, como no seu tempo advertiu Karl Marx, afetariam o capital de quando em vez e das quais o capitalismo se recompõe enquanto as massas populares não estão em condições de mudar a história e produzir a transformação revolucionária da sociedade. Alguns economistas, não sem razão, asseguram que a crise atual é uma réplica do crash de 1929 que sacudiu o capitalismo. Não é, pois, tão inofensiva como alguns crêem “(2).

O capitalismo é violento por natureza. Os capitalistas ou burgueses são impiedosos na forma, violenta se necessário, de proteger os seus interesses. No Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx demonstra, em referência à França, que “a ordem burguesa, que nos inícios do século pôs o Estado de guarda à parcela recém criada e a avalisou com honrarias, converteu-se num vampiro que lhe chupa o sangue e a medula e o atira à caldeira de alquimista do capital. O Código de Napoleão já não é mais que o código dos embargos, dos leilões e das adjudicações forçadas”(3).

Nos nossos dias, disse Samir Amin, “a continuação do modelo de desenvolvimento da economia real, tal como o vamos conhecendo, assim como o do consumo que o vai amparando, tornou-se, pela primeira vez na história, uma verdadeira ameaça para o futuro da humanidade e do planeta”(3). Nem de outra forma podem explicar-se as agressões imperialistas no Médio Oriente e na Ásia, mediante ofensivas e ações militares desproporcionadas e criminosas, em nome da civilização e da democracia ocidental, que não passam de sinais de barbárie no século XXI. Para Amin, o conflito Norte/Sul constitui o eixo central das lutas e conflitos que hão-de vir. A exploração dos recursos naturais de cada Estado-Nação por parte das potências imperialistas.

O capitalismo é pela barbárie. As forças democráticas e o socialismo pela civilização. Na esteira dos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001, conhecidos como o derrube das torres gêmeas em Nova York, o mundo, na época unipolar, sofreu um golpe de Estado, como o qualificou o comandante Fidel Castro, quando o então presidente George W. Bush traçou a sua estratégia global contra o terrorismo. Barack Obama, nove anos depois, embora com uma linguagem mais moderada, mantém o mesmo rumo político, num cenário de desprezo pelas liberdades democráticas e a auto-determinação dos povos.

É uma política de Estado, uma definição de interesses comuns aos norte-americanos, representados no sistema bipartidarista de democratas e republicanos, na luta pelo controle dos recursos naturais no mundo, descrito assim por Amin: “se os Estados Unidos fixaram como objetivo o controle militar do planeta é porque sabem que sem esse controle não podem assegurar o acesso exclusivo a tais recursos. Como bem se sabe, a China, a Índia e o Sul no seu conjunto também necessitam desses recursos para o seu desenvolvimento. Para os Estados Unidos trata-se imperativamente de limitar esse acesso e, em última instância, só existe um meio: a guerra”(4).

Todavia, estas políticas fracassarão num mundo que está para lá da classe dominante e da burguesia transnacionalizada, e que se pronuncia cada vez com mais força pela civilização e pelas saídas políticas dos conflitos, assim os belicistas imponham a força e a barbárie. Ao fim e ao cabo as massas populares criam também as suas próprias formas de resistência, muitas audazes e contundentes. “(…) A crise econômica e financeira (no momento atual) coincide com o fracasso da estratégia imperialista de guerra preventiva que deu lugar à chamada luta contra o terrorismo e teve as suas mais violentas expressões nas invasões do Iraque e Afeganistão, assim como em outros casos de intervencionismo militar”(5).

A América Latina é uma região em ebulição, é um fervedouro de conflitos políticos e sociais, com processos de fortalecimento de projetos de emancipação, em diferentes níveis e alcances. Não há um modelo preconcebido, não existe um paradigma, mas sim processos à margem da influência e da dominação ianque. A América Latina não é mais o pátio das traseiras do império do norte. Demonstram-no os processos de integração regional como a UNASUR e outros sem a presença norte-americana. Inclusive começa-se a falar de uma nova forma de organização de países da América e do Caribe sem a presença tutelar dos Estados Unidos. São novas realidades de um mundo em que é evidente a barbárie dos poderosos, mas também as tendências para a civilização e para as mudanças de sentido positivo.

A esquerda e os revolucionários estão pela civilização, associada ao progresso democrático e social. “A civilização é, pois, o estádio de desenvolvimento da sociedade em que a divisão do trabalho, a mudança entre indivíduos que dela deriva, e a produção mercantil que abarca um e outro, alcançam o seu pleno desenvolvimento e provocam uma revolução em toda a sociedade anterior”. Palavras escritas há tantos anos por Engels, em tempos da primeira época do capitalismo, levantando-se, embora de forma incipiente, sobre as ruínas do sistema feudal, mas que colocado nos termos da modernidade, da revolução industrial e tecnológica, nos tempos do ciberespaço e grandes conquistas da ciência, a filosofia burguesa do maior lucro e de colocar o conhecimento ao serviço dos interesses do capital, continua a ser igual. Como igual é a luta de classes, a confrontação dialética, porque as forças democráticas e progressistas pretendem mudanças e transformações estruturais e de fundo para que as conquistas da humanidade e da civilização se coloquem ao serviço das massas populares, dos homens e das mulheres que constituem o conglomerado social nas diferentes latitudes.

(1) LENIN, V.I. O Imperialismo fase superior do capitalismo. Tomo 3 das Obras Escolhidas, Editorial Progreso, 1961. Pág. 764.
(2) Em Recessão econômica. Crise do modelo ou crise do sistema? Carlos Lozano G. (Editor). (Artigo de Carlos A. Lozano Guillén). Fundação Semanário VOZ, Fevereiro de 2009. Pág. 13.
(3) MARX, Carl, ENGELS, Frederico. Obras Escolhidas. Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, Editorial Progreso, 1955. Tomo I. Pág. 465.
(4) Em Recessão Econômica. Crise do modelo ou crise do sistema? Carlos Lozano G. (Editor). (Em artigo de Samir Amin). Fundação Semanário VOZ. Pág. 66.
(5) Ibidem Pág. 67.
(6) Em Recessão Econômica. Crise do modelo ou crise do sistema? Carlos Lozano G. (Editor). (Em artigo de Jairo Estrada Alvarez) Fundação Semanário VOZ. Pág. 33.
(7) ENGELS, Frederico, A origem da família, a propriedade privada e o Estado. Obras Escolhidas de Carl Marx e Frederico Engels em três tomos. Editorial Progreso 1955, Tomo II Pág. 341.

* Carlos Lozano é diretor do semanário de Voz, jornal do Partido Comunista da Colômbia. Texto em português publicado em www.odiario.info.

Fonte: ODiário.info