Publicado 14/11/2010 10:49 | Editado 04/03/2020 16:32
A eleição que consagrou Dilma Rousseff como nova presidente do Brasil teve de tudo, pois até o cardeal Ratzinger resolveu interferir no processo eleitoral. Uma verdadeira cruzada contra o Mal juntou monarquistas, tradicionalistas e sectários religiosos de todas as alas sob a bandeira do Bem numa grande onda de boatos. Dilma foi transformada em guerrilheira que teria morto milhares a sangue frio e, pior, matado criancinhas e tomado seu sangue de canudinho!
O problema bioético do aborto foi bandeira de campanha de Serra. A seríssima questão de saúde pública representada pelo aborto criminalizado, que deveria ser discutida como problema de Estado, obscureceu o debate sobre as diferenças entre os dois projetos em confronto.
As hostes conservadoras foram arregimentadas para impedir a eleição de Dilma, mas por trás disso se escondia o ardente desejo de bloquear o avanço do lulismo com seu projeto de transformação democrático da estrutura sociopolítica que desde a colonização mantém milhões de brasileiros fora dos mais elementares benefícios do crescimento socioeconômico.
É importante compreender que Lula está no contexto do colapso mundial do capitalismo que tenta retomar posições políticas enquanto os remendos da economia parecem não surtir qualquer efeito. A elite capitalista conservadora sempre utiliza a ética da competência como arma contra suposto anarquismo da esquerda socialista. Os socialistas ficam encurralados com essa moralidade superficial de ocasião que a grande imprensa transforma num verdadeiro problema ético.
O Brasil sob Dilma vai continuar enfrentando a crise do capitalismo globalizado. Não é tarefa do pensamento socialista se preocupar com a crise cambial do capitalismo mundial, mas tentar o máximo de transferência de renda para o a população pobre. Por isso, transferir R$ 15 bilhões/ano no Bolsa Família, tirar 30 milhões de pessoas da miséria e outras 30 milhões da pobreza para as condições mínimas de consumo decente diz respeito à obrigação assumida pela presidente eleita de continuar esse avanço apoiada na população e nos partidos que compõem a aliança governamental.
A eleição revelou dois campos políticos mais nitidamente: o centro-esquerda que deseja desenvolvimento econômico e incremento de melhores condições sociais e o centro-direita que privilegia o sistema privado, enquanto culpa os gastos públicos pelas dificuldades da economia.
É absolutamente tola a ideia de que a população “educada” paulista e sudestina votou em Serra, enquanto o povo “deseducado” e “atrasado” nordestino seria o votante de Dilma. O mercado consumista capitalista produz preferencialmente nas áreas de maior poder aquisitivo mentalidade individualista e egocêntrica que tende a banalizar a preocupação social.
Tal cultura se encontra tanto em Fortaleza quanto em São Paulo, sendo extremamente impressionável pela marca-grife, enquanto enxerga no compromisso coletivo algo na contramão do seu individualismo. A mentalidade pequeno-burguesa é mediocremente superficial, oscila entre o desejo da riqueza e o medo da pobreza e confunde moralismo vulgar com ética.
Valton Miranda Leitão é médico psicanalista
Fonte: O Povo
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