Haroldo Lima: Defesa do pré-sal é uma questão de soberania
Em entrevista ao Vermelho, o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Haroldo Lima, falou sobre o recente anúncio do poço de Libra, no pré-sal da Bacia de Campos, que possui uma quantidade de petróleo que se iguala ao restante da reserva brasileira.
Publicado 06/11/2010 09:57
Há seis anos no cargo de diretor geral da ANP, Haroldo Lima, acompanhou todo o processo de descoberta da camada pré-sal e as discussões dos primeiros instrumentos para assegurar a soberania brasileira sobre a nova reserva de petróleo.
Vermelho – A questão da soberania brasileira sobre o petróleo existente na camada do pré-sal aconteceu logo após o anúncio da descoberta. Como foram essas primeiras discussões?
Haroldo Lima – Imediatamente após o anúncio fui chamado para participar de uma reunião em Brasília. Em poucos dias seria iniciada uma nova licitação de diversos blocos exploratórios da ANP vizinhos ao local da descoberta do petróleo. Como fazer uma nova licitação em uma região que nós sabíamos que tinha uma grande quantidade de petróleo? Fizemos um ofício ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e solicitamos que todas as providências fossem tomadas.
Durante a reunião, desta vez com o Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CMPE), comuniquei que o edital de convocação do leilão previa que a ANP, em qualquer instante, retirasse a oferta dos blocos que ela achasse conveniente. Propus que nós retirássemos a oferta de todos os blocos da área do pré-sal e mantivéssemos os demais. Existiam fortes indicadores de que ali existia muito petróleo. Retiramos ao todo 41 blocos.
Posteriormente, o governo federal constituiu um grupo composto por oito pessoas – do qual faço parte – para estudar o novo marco regulatório para aquela área. Estabelecemos então o sistema de partilha da produção, que garante que o Estado brasileiro é o proprietário do petróleo extraído, e não a concessionária de petróleo. Na situação anterior, como a quantidade de petróleo era pequena e incerta, a concessionária que descobria o petróleo pagava os royalties, a participação especial e algumas outras coisas e era a dona do petróleo. Quando já se sabe da existência de petróleo acontece o contrário: a concessionária retira o petróleo – que é do Estado – e recebe a “partilha” – que é a parte combinada pela extração.
Vermelho – Quais são as dimensões da descoberta do pré-sal na área de Tupi?
HL – A avaliação da Petrobras é de que o poço de Tupi tenha entre 5 e 8 bilhões de barris de petróleo. A estimativa é de que os demais poços que já foram perfurados no entorno de Tupi tenham também entre 4 e 5 bilhões de barris. O que totalizaria algo em torno de 12 a 13 bilhões de barris de petróleo. Como o restante do Brasil tem cerca de 14 bilhões de barris, apenas nesta pequena área nós quase dobramos as nossas reservas.
Vermelho – Em relação ao recente anúncio do poço de Libra, quais são as dimensões dessa reserva?
HL – A ANP deliberou a realização de perfurações na área da União para comprovar suas desconfianças de que aquela área tem muito petróleo. Esta foi a primeira vez que a ANP realizou, por conta própria, a perfuração de poços. Um desses poços, chamado de Franco, tem algo em torno de 3 a 5 bilhões de barris de petróleo. Também furamos um segundo, chamado Libra, que por enquanto parece ser o poço que atingiu o maior nível de petróleo da história do Brasil.
Calcula-se que ele tenha entre 3,9 a 15 bilhões de barris de petróleo. Pode ser que apenas Libra tenha uma quantidade de petróleo igual a todo o restante do país. O significado disso coloca o Brasil no patamar das grandes reservas mundiais de petróleo. O Brasil de repente deixa de ser um país com reservas de porte médio – sem grande significado internacional – para se tornar, eventualmente, uma das dez maiores reservas de petróleo do mundo.
Vermelho – Qual é o significado do Brasil controlar sua própria produção do petróleo?
HL – Nosso receio era de que se fosse sobre a forma de contrato de concessão, ou seja, se o petróleo extraído fosse dos contratados ou dos concessionários, eles teriam o interesse de extrair e exportar tudo que pudessem. Isso é o ponto de partida da Doença do Petróleo, ou Doença Holandesa, que acontece quando você exporta tanto petróleo que desindustrializa o resto do país. Isso acontece porque aquela atividade é tão promissora e rentável que ninguém se interessa em exercer nenhuma outra atividade. O remédio contra essa desindustrialização é o próprio país controlar o ritmo de sua produção. Você só permite que a produção cresça se tiver condições de apoiar esse crescimento – que é um dos principais objetivos do marco regulatório.
Vermelho – Quais são as principais propostas do marco regulatório?
HL – Em primeiro lugar, o marco regulatório prevê a mudança do tipo de contrato para exploração do petróleo – que passaria do contrato de concessão, para o contrato de partilha de produção. Em segundo lugar, seria criar um fundo social com o dinheiro do pré-sal, que seria encaminhado para o combate à fome, ciência e tecnologia, educação e defesa do meio ambiente. O terceiro objetivo é capitalizar a Petrobras e em quarto criar uma nova empresa chamada Pre-sal Petróleos – para fiscalizar a exploração do pré-sal. Dessas quatro propostas, apenas a capitalização da Petrobras foi aprovada pelo Congresso até agora.
Vermelho – Existe a possibilidade, ainda este ano, da votação dos demais projetos do marco regulatório?
HL – Não. Durante a aprovação desses projetos os deputados levantaram a questão da distribuição de royalties – que é o dinheiro que sobra para cada estado e município da extração do petróleo –, e ninguém quer perder esse recurso. Acho que a votação das propostas encaminhadas ao Congresso Nacional deve ser colocada como prioridade na agenda da presidente eleita Dilma Rousseff. Mas esta votação deverá acontecer apenas a partir de 2011.
Vermelho – A aprovação do marco regulatório irá garantir a defesa da soberania nacional em relação à região do pré-sal?
HL – Sim. O primeiro estágio da soberania é você controlar a sua riqueza. Os interesses nacionais estão defendidos no marco regulatório através da garantia da propriedade e do ritmo da produção. Em um segundo aspecto da soberania, existe a necessidade da defesa geopolítica e militar da área. Este é um problema de Estado e temos que estar cientes de que os interesses que estão pairando sobre esta região são muito grandes.
Vermelho – Os Estados Unidos propuseram recentemente a criação de uma força compartilhada para a defesa do Atlântico. Qual é sua opinião sobre as recentes declarações do ministro da Defesa, Nelson Jobim, sobre esta questão?
HL – A crítica do ministro Jobim foi muito importante, mas mostra que os EUA não vão aceitar pacificamente que o Brasil ocupe essa região que pode estar no limiar de suas áreas territoriais. Os EUA não assinaram a Convenção sobre o Direito do Mar da ONU, que permite que o Brasil explore aquela região. As declarações de Jobim vêm ao encontro da defesa da soberania brasileira nesta área e estamos em pleno acordo.
Da redação,
Mariana Viel