Cláudio Ferreira Lima: As forças em jogo

Nesta campanha para a Presidência da República, mais do que nas passadas, uma cortina de fumaça encobre as forças em jogo. Recuemos no tempo para lançar luz sobre os dois projetos em disputa.

Por Cláudio Ferreira Lima*

Darcy Ribeiro, interpretando a caminhada brasileira, assim se expressa: “Por que o Brasil não dá certo, mesmo com tanta riqueza, com tanta arte? Porque nunca existiu para seu povo, sempre existiu para o comércio internacional”.

 
Eis aí retratada quase toda a nossa história. Só fugimos desse padrão por breves anos, no período 1930-1980, quando começa de fato a construção nacional. Depois, a década perdida e os anos 90, quando, conforme Celso Furtado, a construção de um sistema econômico nacional é interrompida e, com isso, os líderes locais tornam-se “liquidatários do projeto de desenvolvimento que cimentou a unidade do país e nos abriu uma grande opção histórica. (…) O dinamismo do mercado interno, que durante meio século contribuiu para consolidar a unidade nacional, já não desempenha a função de motor do nosso desenvolvimento”.
 
O Brasil passa a ler na cartilha do Consenso de Washington, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, mandatários dos países centrais, sob a liderança dos Estados Unidos.
 
Nessa linha, o governo FHC coroa a sua obra com um plano baseado nos eixos de integração e desenvolvimento, cuja concepção, segundo Wilson Cano, “é totalmente estruturada apenas na logística, voltada apenas à criação de corredores de escoamento dos produtos de exportação”. Já as políticas sociais restringem-se a “aliviar a pobreza”, e não a combatê-la.
 
E a política regional é desmantelada com a extinção da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene, trocada por uma agência apagada) e do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs, restaurado pelos nordestinos, mas enfraquecido) e o desvirtuamento do Banco do Nordeste do Brasil. Resumo da ópera: 12,6% de desemprego em 2002.
 
Tudo, enfim, sob a égide de uma política externa em que, diferente da China, da Índia e da Coreia do Sul, o Brasil capitula diante da globalização, ficando à mercê dos humores dos mercados mundiais. Este é o projeto das forças que apóiam José Serra (PSDB), umbilicalmente ligadas a interesses externos.
 
O governo seguinte, de Lula, retoma a construção interrompida. Não sem antes usar do contorcionismo político, da Carta aos Brasileiros à política econômica conservadora dos primeiros anos. 
 
A conjuntura internacional abre ao País nova opção histórica. Como ensina Conceição Tavares, não é mais só centro e periferia; há intermediários, como o Brasil. Mas se pegamos essa chance é porque temos as rédeas da nação. Caso contrário, o atrelamento ainda maior aos EUA, via Alca, na crise mundial, teria destroçado a nossa economia.
 
Livre de amarras externas, o País traça os seus rumos. As políticas sociais, revistas, em vez de “aliviar a pobreza”, expandem o mercado interno, com o ingresso nele de milhões de novos consumidores, enquanto outro tanto ascende a classe média. E as desigualdades regionais voltam a ser atacadas.
 
Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), retorna o investimento, e o Estado reassume o seu papel, inclusive, cria as condições para o Brasil ser um dos primeiros a sair da crise. A economia cresce, e o desemprego despenca de 12,6%, em 2002, para 6,8%, em 2010. Um New Deal brasileiro!
 
Alargam-se os horizontes com o pré-sal. Recuperam-se a universidade pública e a pesquisa. Amplia-se como nunca o ensino técnico. O País volta a figurar entre as principais economias do Planeta, maduro para concorrência global, com o investmento grade, multinacionais, elevadas reservas cambiais e parceiros comerciais diversificados; em suma, mais competitivo e menos vulnerável às crises mundiais. E, sobretudo, com o respeito internacional. Tal o projeto a que Dilma Rousseff se filia.
 
Domingo próximo, nos será posta uma questão crucial: para que/quem deve existir o Brasil? Teclar dois números nunca foi tão decisivo para o nosso destino e o do nosso País.
 
* Cláudio Ferreira Lima é economista