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Estatuto da Igualdade Racial entra em vigor e mina ações do DEM

Sancionado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva em 27 de julho, o Estatuto da Igualdade Racial entra hoje em vigor, 90 dias após sua publicação. Na avaliação do ministro Eloi Araújo, da Igualdade Racial, entrada em vigor do Estatuto enfraquece ações do partido Democratas (DEM) contra as cotas no Supremo Tribunal Federal (STF).

- Luana Bonone

Governo federal, parlamentares e entidades do movimento negro afirmam que o texto dá respaldo legal a ações afirmativas adotadas antes do estatuto e permite regulamentações de alguns de seus pontos. Para o coordenador geral da União de Negros pela Igualdade (Unegro), Edson França, "o Estatuto inaugurou um marco para o movimento negro, representando um novo patamar tanto na luta pela erradicação da discriminação racial no país, como pelo combate às desigualdades de oportunidades entre os povos historicamente marginalizados".

Ineditismo

A afirmação de Edson tem base no ineditismo da matéria, pois é a primeira vez que o conceito de “ações afirmativas” é posto em lei no país. "Não se poderá mais argumentar que é algo estranho à legislação brasileira", diz Ronaldo Vieira Junior, consultor-geral da União e especialista em ações afirmativas. O estatuto foi aprovado pelo Senado em junho, depois de sete anos de tramitação.

Cotas em concursos públicos, linhas específicas de créditos, incentivos para a adoção de cotas em universidades e para a contratação em empresas privadas são algumas das possibilidades que o Estatuto abre.

Diretor da associação franciscana Educafro, o frei David Santos diz que o Estatuto é uma ferramenta determinante para mudar os direitos dos negros no Brasil. Para ele, o principal avanço desta legislação é o artigo 15, que diz que senadores e deputados federais abrem mão de legislar e entregam a missão para prefeitos, governadores e presidente. “Esse fato vai obrigar a comunidade negra a se organizar”, assegura Frei David.

Ele avalia ainda que os pontos mais importantes retirados do Estatuto são a questão das cotas e da saúde da população negra: “os artigos que estão no Estatuto usam palavras que só autorizam. Queríamos que todas elas fossem determinativas”.

Povo brasileiro 

Para Edson França, o Estatuto da Igualdade Racial “versa sobre o Brasil, sobre o povo brasileiro, diante dessa complexidade não há meios de vitórias solitárias, o povo tem que vencer”. O coordenador da Unegro afirma que a estratégia utilizada pela Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e com a anuência de expressiva parcela do movimento negro, foi a de apresentar uma redação com “bastante gordura”, para que o texto chegasse com vitórias ao final das negociações “com todas as forças políticas no Parlamento e na sociedade”. “Resultado: conquistamos uma lei com 64 artigos estabelecendo direitos, princípios, diretrizes e políticas públicas para promoção social da população negra”, comemora Edson

O ministro Eloi Araújo, da Igualdade Racial, diz que pretende fazer um "novembro negro", com decretos de regulamentação, ainda em estudo dentro do próprio governo federal. O ponto do texto que permite regulamentações, na avaliação do governo e de entidades, é o que prevê que "o poder público adotará programas de ação afirmativa".

Polêmica das cotas em universidades

Uma das questões mais polêmicas na discussão foi a previsão de cotas em universidades federais. Douglas Belchior, professor de história e conselheiro da Uneafro Brasil, afirma que pontos polêmicos como as cotas deveriam constar explicitamente do Estatuto da Igualdade Racial.

A proposta foi retirada após resistência da oposição e, hoje, é tema de outro projeto de lei. Entretanto, o Programa Universidade para Todos (ProUni) garante a existência de cotas em universidades privadas e as diretrizes do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) prevêem o estabelecimento de políticas de democratização do acesso à universidade, âmbito em que se encaixam as cotas. Dezenas de universidades públicas brasileiras já adotam cotas étnicas em seus processos de seleção.

“Considero que as cotas estão contempladas na instituição da obrigatoriedade do Estado instituir ações afirmativas na educação, no trabalho, na comunicação. Entendemos que uma boa leitura e correta interpretação do Estatuto, verificaremos a manutenção das principais bandeiras do movimento negro, demonstrando a habilidade dos negociadores e o acerto da tática adotada”, avalia Edson França.

DEM na berlinda

Técnicos da Secretaria de Igualdade Racial estudam pedir o arquivamento de ações no Supremo Tribunal Federal propostas pelo DEM contra cotas e quilombos.

O DEM recorreu no STF contra a reserva de 20% das vagas para ingresso de pretos e pardos na Universidade de Brasília (UnB); contra a cota para a concessão de bolsas à mesma população pelo Programa Universidade para Todos (Prouni); e contra o decreto que regulamenta os procedimentos para titulação de terras quilombolas.

O ministro-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (Seppir), Elói Ferreira de Araújo, acredita que a entrada em vigor do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288) esvazia as ações do DEM contra as políticas afirmativas. Para o ministro, o estatuto “desconstrói” as ações e “assegura os direitos que estão sendo questionados no STF”.

Autonomia universitária

Para o ministro Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União, a criação de cotas nas universidades federais deverá ser mais na linha de incentivos que obrigatória. "Essa é a política do Ministério da Educação, porque entende pela autonomia universitária", diz o ministro. Adams afirma ainda que o estatuto não altera o andamento das ações no STF.

Edson França listou o que considera os principais pontos do Estatuto da Igualdade Racial, agora em vigor. Ele explica que além de reiterar medidas reconhecidas legalmente, como a posse definitiva das terras quilombolas e o ensino da história da África e da cultura afrobrasileira, o Estatuto prevê:

Obriga adoção de ações afirmativas na educação (art. 15)
Cria estímulos para ação socioeducativa realizada por entidade do movimento negro (inciso II do art. 10 e parágrafo 3 do art. 11)
O poder público promoverá ações que assegurem igualdade de oportunidade no mercado de trabalho e estimulará por meio de incentivos medidas iguais pelo setor privado (art. 39 e parágrafo 3 do mesmo artigo)
Prevê acesso nos meios de comunicação para divulgar as religiões de matriz africanas (inciso VII do art. 24)
Prevê ampliação do acesso a financiamento para comunidades negras rurais (art. 28)
Em políticas agrícolas, prevê tratamento especial e diferenciado aos quilombolas (art. 33)
Determina que os agentes financeiros públicos ou privados promovam ações para viabilizar acesso dos negros a financiamentos habitacionais (art. 37)
Exige a presença de negros nos programas televisivos e cinematográficos – embora não estabeleça percentual (art.44)
O poder público incluirá cláusula de participação de negros nos contratos de realização dos filmes ou qualquer peça publicitária (art.46)
Cria o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR (todo o título III do Estatuto)
A capoeira passa a ser considerada desporto, obrigando o governo destinar recursos para a prática (art. 20 e art. 22)
Libera assistência religiosa nos hospitais aos seguidores dos cultos de matriz africana. (art. 25)
Prevê o financiamento das iniciativas de promoção da igualdade racial (art. 56 e art. 57)

Da redação, Luana Bonone, com Folha de S. Paulo e CTB