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Víctor Flores Olea: A nova América Latina

Dias atrás, enquanto acontecia a tentativa de golpe, no Equador, para derrubar Rafael Correa e seu governo, realizou-se, em Buenos Aires, um congresso extraordinário sobre as Malvinas, para mais uma vez afirmar a exigência da Argentina de que se reconheçam seus direitos soberanos sobre o arquipélago, no extremo sul do continente.

Por Víctor Flores Olea*

Os assuntos parecem dissociados, mas não o são. Vejamos: no caso das Malvinas, lembrou-se da maneira imperial, pirata mesmo, com que a Grã-Bretanha se apropriou, em 1833, dessas ilhas e da forma que suas realezas têm ignorado os protestos da Argentina.

Recordou-se a aventura de 1982, em que o governo militar do gen. Galtieri pretendeu recuperar as ilhas, pelas armas, confiando em que o apoio dos Estados Unidos dissuadiria Margaret Thatcher de se empenhar em conservar esse território de conquista, conseguindo, ao mesmo tempo, uma certa legitimidade para o governo de Galtieri, por atender uma velha reivindicação argentina.

Mas o tiro de Galtieri lhe saiu pela culatra. Nem os Estados Unidos o apoiaram (como poderiam, quando o arranque neoliberal foi dado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher?), nem a Inglaterra deixou de se lançar, com êxito, ao salvamento armado de umas minúsculas ilhas, situadas a 14 mil quilômetros do seu território. Conforme ficou claro, na documentação revelada posteriormente, certos oficiais estadunidenses garantiram a ingênuos congêneres argentinos que Ronald Reagan os apoiaria, para estabelecer, posteriormente, uma administração tripartite nas Malvinas.

Em perspectiva histórica, a hipótese não pareceria tão extravagante, pois agora se anuncia nessa região uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Sobre a qual os britânicos, claro, já iniciaram os primeiros trabalhos de exploração.

O fato é que o seminário-congresso, na universidade de Lanús, com grande participação de intelectuais do Cone Sul e da Venezuela (e um funcionário mexicano, que era a exceção deslocada) e de dirigentes políticos e sindicais, foi uma demonstração eloqüente (e emocionante) não só da aspiração geral e secular pela unidade latinoamericana, mas da concreta vontade política de avançar neste sentido, levando o propósito, do reino dos sonhos, para o da sua realização concreta, em marcha.

Devo dizer que, neste e em outros pontos, aumentou a distância entre América do Sul e México. Assim com nosso país, durante muitos anos, foi ponta de lança contra a vassalagem imperial, agora vemos como nosso perfil se revela dramaticamente, e a maneira como nos temos evitado as ações do sul, para nos integrar ao norte. Não o norte digno e respeitador do sul, mas o sul indigno do norte, onde ainda discutimos se nosso futuro está na anexação aberta aos Estados Unidos ou em manter um pouco de liberdade e auto-determinação. Sem mencionar que, em praticamente todas as sociedades, a atmosfera intelectual e ética sulamericana está livre da constrangedora penetração cultural e social (da mentalidade) dos Estados Unidos, mostrando com muito mais força que no México o pertencimento dos nossos povos a outras raízes sociais e culturais. Além do que, a diversidade econômica, política, social e cultural é um fato sulamericano em cujo caminho o México tem avançado muito pouco.

Claro que a tentativa de golpe no Equador exaltou excepcionalmente a nova realidade política, social e cultural de amplas zonas do lado sul do continente, mostrando ao mesmo tempo sua eficácia: a reunião quase instantânea de todos os presidentes sulamericanos, nas horas seguintes à tentativa, mostra precisamente o novo espírito (executivo, com respostas rápidas) e a vontade política inquebrantável que se está formando na América do Sul.

De quebra, revela até que ponto uma organização como a OEA (Organização dos Estados Americanos) pertence ao passado e a maneira que a nova América Latina vai organizando suas instituições, acordos e correspondentes ao tempo presente. A UNASUL (União das Nações Sulamericanas) e seu Comitê de Defesa Militar transformam a OEA e o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) em desperdícios da história, ainda que não se deva esquecer as mais recentes manobras militares dos Estados Unidos ao longo do continente (mobilização da quarta frota, colocação de sete bases na Colômbia, o golpe militar em Honduras, novas bases no Caribe, etc.), mostrando a vigilância e o perigo que representa a potência imperial, agora interessada, também, na água, além do petróleo continental.

Reivindicação das Malvinas para o povo argentino, organização de instituições autônomas ao sul do continente, inclusive militar, a qual tem, atualmente, um caráter principalmente estratégico-defensivo, transformação de um mundo que já não é o quintal de ninguém. Em compensação, o México, que um dia esteve na vanguarda dessas lutas, se apresenta, hoje, como um irmão diminuído, na cola da grande potência, mais interessado em aproveitar (sem êxito) as supostas oportunidades ao norte que em construir um mundo de autodeterminação que nos defina, e que deveria nos aproximar, decididamente, do sul.

* Professor e fotógrafo mexicano, o artigo foi publicado originalmente em La Jornada. Tradução de Eduardo Marinho