Sionismo e racismo: Conceito de paz na política israelense
Enquanto a fórmula para um acordo entre árabes e israelenses parece simples, as perspectivas da paz na região estão cada vez mais distantes.
Por Abdel Latif Hasan Abdel Latif, médico palestino
Publicado 14/10/2010 20:15
Uma solução para o conflito, conforme consenso internacional, tem como base os seguintes elementos:
a) a retirada de Israel dos territórios árabes ocupados em 1967, inclusive Cisjordânia, Gaza, Jerusalém oriental e as colinas de Golan;
b) a criação de um Estado palestino, ao lado de Israel, nesses territórios, à exceção do Golan, que deve ser devolvido à pátria mãe Síria;
c) o direito de todos os Estados da região de viver em paz e segurança, dentro de fronteiras reconhecidas e definidas;
d) uma solução justa para a questão dos refugiados palestinos, conforme as resolução da ONU.
A iniciativa de paz dos países árabes, oferecendo reconhecimento total, em troca de retirada total, representou uma oportunidade histórica para chegar a um acordo. Mais uma vez, Israel perdeu mais uma oportunidade para uma solução pacífica do conflito, já que ignorou a oferta árabe, visando manter seu expansionismo.
Em lugar de tentar um acordo, Israel procura colocar novos obstáculos no caminho da paz:
a) continua construindo colônias para colonos judeus nos territórios ocupados, sabendo que não há paz com colônias;
b) cria novas exigências, como por exemplo, a mais recente que pretende que os palestinos reconheçam Israel como Estado exclusivo judeu, sabendo que não há consenso sobre isso, mesmo entre os judeus e que isso implicaria a negação da cidadania aos árabes israelenses.
O professor judeu israelense Shlomo Sand compara um Estado exclusivamente judeu com Estados Unidos exclusivamente evangélico ou França exclusivamente católica, algo inimaginável, inaceitável na atualidade.
c) tenta transformar o chamado processo de paz em rodadas intermináveis de negociações inócuas, para conseguir tempo para ampliar os “fait accompli”, fatos no solo.
O governo de Israel ignora até os conselhos dos amigos históricos daquele Estado, que alertam sobre o perigo da situação atual, em relação ao futuro de Israel e da região.
Por que Israel sempre evitou a paz?
A resposta a essa pergunta é encontrada na lógica do colonialismo. Israel é um projeto colonialista europeu, uma sociedade de imigrantes, construída sobre a destruição planejada de outro país e com a expulsão e limpeza étnica do povo nativo.
Israel não escapa do seu passado colonialista porque simplesmente as práticas desse projeto são a garantia de sua existência.
A paz ameaça essas sociedades mais do que a guerra. Historicamente, uma solução pacífica dos conflitos colonialistas significou o início do fim dessas aventuras de dominação racista. O mais recente exemplo é a África do Sul.
O conceito da paz das sociedades exclusivistas difere do que é aceito e reconhecido pela comunidade internacional e pelo bom senso e tem as seguintes características:
a) a “pax “ israelense é guerra silenciosa, não declarada.
Para os sionistas, a “pax” com os árabes é apenas um meio de chegar aos seus objetivos expansionistas.
Ben Gurion, arquiteto da criação de Israel e seu primeiro premier, deixou claro seu conceito de paz: “Não é para estabelecer a paz no país, que precisamos de um acordo”. A paz, segundo ele, é uma questão vital, porque é impossível construir um país em um estado permanente de guerra. Mas, para nós, dizia Ben Gurion, a paz é um meio, a meta e a plena realização do sionismo.
Melhor explicando, Bem Gurion dizia que um acordo com os árabes só seria possível após a total derrota e submissão dos árabes, ocasião em que Israel conseguiria impor de forma unilateral suas exigências e condições.
Até tal submissão idealizada pelos sionistas, não haveria paz.
Os políticos israelenses sempre fizeram das palavras de Ben Gurion seu verdadeiro programa político.
Não é paz que Israel procura, mas a realização do projeto sionista, que traz ínsitas a supremacia judaica na região, a submissão absoluta de todos os árabes, não apenas dos palestinos e a manutenção da região em estado de subdesenvolvimento e exploração pelas potências imperialistas.
Os sionistas, como todos os colonialistas, nada aprendem com a História.
Aqueles que lutam pela sua liberdade e independência vencerão e aqueles que tentam manter a ocupação, opressão, exploração, serão derrotados. É apenas uma questão de tempo.
As ideologias racistas, exclusivistas, militaristas, estão cada vez mais isoladas e condenadas no mundo.
A força bruta das armas é passageira, mas o anseio dos povos pela liberdade e independência é invencível, porque sendo essência, renasce em cada ser humano.
b) Não há paz entre colonizador e colonizado.
Os primeiros sionistas previam a impossibilidade de chegar a um acordo com os palestinos, devido às características do projeto colonialista na Palestina.
Jabotinsky, líder do chamado sionismo revisionista, escreveu, nos idos de 1920, que todo povo nativo iria resistir aos colonizadores estrangeiros, enquanto percebesse qualquer esperança de se livrar da ocupação. Sem a derrota absoluta e total dos árabes, não há um acordo possível.
Para ele, a única maneira de se chegar a um acordo no futuro, era evitar qualquer tentativa de se chegar a um acordo até que os árabes estivessem completamente derrotados e então haveria a imposição da vontade exclusiva do sionismo contra a população árabe, submissa por falta de opção.
Liebermann, atual ministro das relações exteriores de Israel, inequivocamente declarou em seu discurso na Assembléia Geral da Onu em setembro/2010, que um acordo de paz com os palestinos é impraticável em curto prazo. A paz talvez seja possível após algumas décadas.
A paz nunca foi prioridade para Israel ou para israelenses.
Um artigo publicado em 02/09/2010, na revista norte-americana TIME, mostrou que apenas 8% dos israelenses acreditam que chegar a um acordo com os palestinos é algo urgente. A paz, para eles, fica em quinto lugar, após educação, crime, segurança nacional e pobreza.
Para a revista, o assunto de paz na região tão crítica para o mundo, não parece ter importância em Israel.
O artigo causou muitas críticas entre os sionistas e apoiadores de Israel certo-ou-errado e foi classificado como propaganda árabe contra o Estado judeu, já que segundo eles, Israel quer a paz e trabalha por ela.[
c) As sociedades colonialistas necessitam de guerra.
Israel, como os outros projetos colonialistas e construído por imigrantes de diferentes partes do mundo, com culturas e línguas diversas, necessita de uma ameaça externa verdadeira ou imaginável para a formação da nova entidade colonialista e a tensão permanente é a garantia de sua unidade artificial.
Ben Gurion alertou para o perigo da paz ainda em 1953. Segundo ele, o estado de guerra era necessário para se chegar à fusão das diferentes comunidades em Israel.
Moshe Dayan, chefe do Estado maior israelense nos idos de 1950, considerava o conflito permanente com os vizinhos árabes uma necessidade vital para manter um alto nível de tensão entre a população israelense.
Segundo Dayan, “sem conflito, deixamos de ser um povo competitivo e sem a disciplina de um povo competitivo, estaremos perdidos”.
A lógica do sionismo é colonialista. Para existir, é necessário guerrear; para sobreviver, Israel deve matar e causar tanto sofrimento na população árabe de forma a submetê-la
A segurança dos colonizadores é a escravidão dos nativos.
O direito da vida deles é a sentença de morte ou submissão dos colonizados.
Não é difícil imaginar que essa lógica distorcida é altamente destrutiva também para sua própria sociedade.
A renúncia das premissas colonialistas é uma condição básica para se chegar a paz e reconciliação entre os povos.
d) Os crimes do passado e do presente impedem uma solução futura.
O que o sionismo fez e faz com os palestinos é injustificável sob qualquer ótica humanista. Destruir uma sociedade, expulsar um povo, fraudar a história, culpar as vítimas e praticar genocídio contínuo contra os palestinos, são crimes que devem ser reconhecidos e reparados. Verdade e Justiça para que haja a reconciliação dos povos.
Os colonizadores nunca reconhecem seus pecados originais e quando o fazem parcialmente chegam a conclusões distorcidas.
Moshe Dayan reconhecia que Israel foi construído após a destruição da Palestina e expulsão de seu povo. Em um encontro com estudantes israelenses em 1969, ele disse: “Estamos construindo um Estado judeu no lugar da Palestina árabe. As aldeias judaicas estão sendo construídas sobre as aldeias árabes que nós destruímos. Vocês não conhecem os nomes dos povoados árabes e eu não culpo vocês por isso, porque os livros de geografia daquela época não existem mais. Não só os livros não existem mais, mas também as aldeias árabes deixaram de existir. Não há uma única localidade judaica neste país que não tenha sido construída sobre as ruínas dos povoados árabes”.
Mesmo reconhecendo os crimes do sionismo contra os palestinos, ele chegou a uma conclusão tipicamente colonialista: “A força brutal é a garantia da existência e sobrevivência de uma entidade implantada na terra roubada do outro povo. Somos uma geração de colonizadores e sem o capacete de aço e o cano do fuzil, não seremos capazes de plantar uma única árvore ou construir uma única casa. Esse é nosso destino, a única opção que temos – estar preparados e armados, fortes e cruéis ou então, nossa espada escapará de nossa mão e será nosso fim”.
Os palestinos em Israel, nos territórios ocupados e na diáspora estão unidos na sua luta pela liberdade, independência e uma vida digna na sua pátria. Eles aceitam um compromisso histórico de dividir o que era deles há pouco mais de 60 anos. Eles aceitam apenas 22% de sua pátria histórica para construir um Estado ao lado de Israel.
Os sionistas, cegos pela suposição da superioridade racial judaica e pela arrogância do poder das suas armas, mais uma vez recusam reconhecer o mínimo dos direitos dos palestinos.
Israel tenta expulsar os palestinos do que sobrou de sua pátria e excluí-los da História, em uma nova tentativa para a solução final do que iniciou em 1948.
Israel tem quatro opções para lidar com a questão palestina:
1ª) tentar terminar o que iniciou com a criação do Estado judeu – limpeza étnica total, expulsão de todos os palestinos da Palestina histórica – GOYM REIM.
Essa não é uma opção real, pelo menos a curto e médio prazo, devido à oposição internacional e a resistência do povo palestino.
2ª) manter a situação atual: sistema de Apartheid dentro de Israel, com a discriminação étnica e racismo contra os palestinos, “cidadãos” do Estado israelense e manter a ocupação dos territórios árabes tomados manu militar em 1967, com a esperança de que no futuro seria possível se livrar dos nativos dessas terras.
3ª) anexar os territórios palestinos ocupados a Israel e isso criaria de fato um Estado binacional, com quase 50% da sua população goym (não-judaica).
4ª) tentar chegar a um acordo com os palestinos, que compreenda o mínimo das exigências internacionais para a paz duradoura.
Israel, na sua atual estrutura política, ideológica, econômica e social, é incapaz de oferecer aos palestinos uma solução minimamente justa.
Enquanto Israel tem de fato várias opções à sua disposição, os palestinos têm uma única opção: resistir e lutar pela libertação de sua pátria e defender-se da ocupação, racismo e apartheid.
Fonte: blog Sanaúd – Voltaremos