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Kirchner apoia lei que destina 10% dos lucros aos trabalhadores

As multinacionais brasileiras instaladas na Argentina acenderam o sinal de alerta com a apresentação de um projeto de lei que estabelece a distribuição obrigatória de 10% dos lucros líquidos aos funcionários. O projeto, do deputado peronista Héctor Recalde, advogado da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), é apoiado pela presidente Cristina Kirchner.

Funcionários do gabinete de Recalde confirmaram ao jornal Valor que a proposta será apresentada até segunda-feira. Ela prevê a cobrança de 10% do lucro anual, descontados os investimentos e o pagamento de tributos. De cada 100 pesos recolhidos, 80 serão embolsados pelos empregados da própria empresa, com base em critérios de antiguidade e nível salarial. Ficarão excluídos funcionários que ocupam cargos gerenciais e de diretoria.

Estimular o consumo

De acordo com o projeto, os 20 pesos restantes formarão um "fundo solidário", destinado a financiar programas de incentivo à formalização do trabalho sem carteira assinada. Para o deputado peronista, a proposta beneficiará as próprias companhias, ao estimular o consumo. Ele argumentou que as empresas que decidam reinvestir todos os lucros do ano anterior ficarão livres de pagar a bonificação aos funcionários. "Essa iniciativa não prejudica os empresários. Pelo contrário, ela os beneficia, já que incentiva os empregados a fazer a empresa prosperar", afirmou Recalde.

O governo relutou em apoiar abertamente a proposta. Mas, na semana passada, ela foi defendida por líderes governistas no Congresso e pelo ex-presidente Néstor Kirchner, uma espécie de primeiro-ministro nos bastidores da Casa Rosada.

Capitalistas contra

Coube à patronal União Industrial Argentina (UIA), pelo lado empresarial, fazer o lobby contrário. A entidade considera a fatia do lucro líquido a ser dívida, 10%, excessiva.

Os representantes do capital reagem com irritação e não poupam críticas ao projeto. O presidente da UIA, Héctor Mendez, disse que "a Argentina vai se parecer com Cuba". A entidade protestou ainda contra a série de bloqueios dos sindicatos em cinco fábricas da Siderar, a maior siderúrgica do país, pertencente ao grupo Techint. Os piquetes ameaçaram a produção da Siderar e o abastecimento de aço às montadoras e fabricantes de eletrodomésticos. Ele cobrou que "se ponham limites" à CGT, o que lembra a ofensiva da direita brasileira para criminalizar os movimentos sociais.

Multinacionais brasileiras

Sem pronunciar-se publicamente, por temor a represálias do governo e dos sindicatos, as subsidiárias de companhias brasileiras já manifestaram preocupação às câmaras empresariais e pediram avaliações jurídicas do projeto. A maior crítica é quanto à obrigatoriedade da distribuição de lucros, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde o mecanismo de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) costuma ser acertado como parte das negociações salariais com os sindicatos. No início do ano, o Ministério da Justiça brasileiro chegou a elaborar projeto de lei que estabelecia a divisão de 5% do lucro líquido.

Outra queixa dos brasileiros é que, pela proposta de Recalde, não se pode condicionar essa bonificação a metas para melhorar resultados. Se o lucro da empresa cair pela metade, de um ano para outro, ela continuará tendo que distribuí-lo – independentemente de uma queda das vendas ou da produção.

Pressão sindical

"O que se vive aqui hoje é pior do que o sindicalismo mais duro dos anos 70 e 80 no ABC paulista", diz o presidente de uma indústria brasileira de calçados instalada na Argentina. "A pressão de custos está muito forte", acrescenta o diretor de outra empresa, líder em seu segmento, que parece estar chorando de barriga cheia, pois fechou o primeiro semestre com nível de produção recorde e aumento do lucro em relação ao ano passado. O problema, segundo ele, é que houve reajustes salariais de até 29%. Na empresa calçadista, a negociação recém-fechada com o sindicato foi para uma alta de 39% nos salários.

Apesar das reclamações do setor privado, a distribuição obrigatória de lucros tem amparo constitucional, adverte o advogado Héctor Rossi, sócio do escritório portenho Rossi Camilion e Associados, que atende uma série de empresas brasileiras. A participação dos trabalhadores nos resultados das companhias foi incluída na Constituição da Argentina em 1957, durante o regime militar da época, dois anos após a queda do primeiro governo do general Juan Domingo Perón. "A questão é que, desde então, e já se passaram 53 anos, esse direito constitucional nunca foi regulamentado", disse Rossi ao Valor.

Sindicalistas e autoridades do governo Kirchner que apoiam o projeto argumentam que a distribuição dos lucros vai aumentar a renda da classe trabalhadora e impulsionar o consumo popular, fortalecendo o mercado interno e estimulando, por este meio, o crescimento da economia. Os investimentos também tendem a aumentar na medida em que a nova lei prevê que os lucros destinados a investimentos não serão objeto de distribuição aos trabalhadores.

Com informações do jornal Valor