Para analistas, uso de episódio da Receita não define eleição
Analistas políticos ouvidos pela reportagem da Rede Brasil Atual acham pouco provável que o caso de violação de dados fiscais de pessoas ligadas ao candidato à Presidência da República José Serra (PSDB) mude de maneira significativa os rumos das eleições presidenciais. Os resultados da tentativa da oposição de trazer o tema ao debate eleitoral serão percebidos com precisão nas próximas pesquisas.
Publicado 04/09/2010 01:07
Nos últimos levantamentos eleitorais apontavam ampliação da vantagem de Dilma Rousseff (PT). Ela já aparecia com pontuação suficiente para vencer em primeiro turno. Na tentativa de reverter o cenário, além de mudar de lema de campanha – de "Brasil pode mais" para "É hora da virada" – Serra levou o caso ao horário eleitoral.
Ele declarou se sentir "indignado" pela quebra de sigilo fiscal de sua filha, que ele afirma ter sido realizado para beneficiar a candidata governista. "Minha filha é mãe de três crianças pequenas, uma mulher honrada, que trabalha muito para manter a família. Ela nunca se meteu em política, nunca teve negócios com o governo", afirmou, ainda na quinta-feira (2).
O cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, pensa que o tema tem pouco apelo ao eleitor e é taxativo sobre o que poderia alterar drasticamente o cenário: "Um desastre. Uma catástrofe do ponto de vista de quem está na frente". Para Dantas, para abalar o cenário eleitoral, seria preciso "ser uma coisa um tanto quanto maior do que isso" em termos de percepção do eleitor.
Apesar de considerar o episódio da quebra de sigilo de dados na Receita Federal bastante grave, ele acredita que o caso servirá, como muito, para levar a disputa ao segundo turno. Dantas acrescenta que o passado recente, do episódio dos "aloprados" pode ter levado a disputa presidencial ao segundo turno e colaborado para a vitória do tucano em São Paulo ainda na primeira rodada de votação. Mas o caso não alterou o resultado principal.
"Em 2006, tentou se debater o mensalão, de 2005, e não se conseguiu. E se tratava de desvio de dinheiro, roubo, que incomoda mais o eleitor do que essa questão de quebra de sigilo. É pouco provável que o eleitor comum vá considerar esse episódio da Receita em seu voto", pondera.
Para Leonardo Barreto, professor da Universidade de Brasília (UnB), apenas a prova de uma conexão direta de Dilma com o caso da Receita poderia ter algum impacto.
Sem Serrinha paz e amor
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) arquivou na quinta-feira (2) o pedido de impugnação da candidatura de Dilma Rousseff feito pela coligação de Serra. A ação atrelava à ex-ministra e ao governo o comando da operação de violação, mas o TSE entendeu não haver elementos para aferir essa conexão nem de que a candidata do PT havia se beneficiado do caso.
Nesta sexta-feira (3), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembrou que vazamentos de dados da Receita Federal ocorreram em outros períodos e que não há sistema inviolável. "A gente detecta, coíbe, pune e muda o sistema. Infelizmente, depois os contraventores conseguem achar uma maneira de furar isso. E aí nós temos que fazer um novo sistema e punir rigorosamente aqueles que o violam", descreveu.
O PSDB, por outro lado, aposta na estratégia de colar ao PT a reincidência na questão. José Serra, ainda no horário eleitoral, aparece falando que "todos seremos Francenildos", uma referência a Francenildo Costa, que teve o sigilo bancário violado. Há outros dois episódios no horizonte tucano. O primeiro é o caso da montagem de um dossiê nas eleições de 2006, conhecido por “aloprados”.
O outro, mais emotivo, apela para a campanha de 1989, quando Fernando Collor de Mello usou o caso de Lurian, filha de Lula com Miriam Cordeiro. Na ocasião, o candidato que se sagraria vitorioso acusava Lula de ter pedido para Miriam fazer um aborto.
"A política é o espaço do exagero", explica Barreto. "Claro que (os casos) são coisas absolutamente diferentes", resume. Ele aponta que Serra adotou a chamada "campanha negativa", que é exatamente o que diz o nome: tentar desmerecer o adversário por meio de ataques para ganhar o voto dos indecisos e o daqueles que já haviam optado pelo oponente.
O analista lembra que o próprio Serra já teve êxito com esse tipo de estratégia em 2002, quando ganhou o lugar de Ciro Gomes (então no PPS, atualmente no PSB) e disputou o segundo turno contra Lula.
Parte dessa mudança de rumos é a própria troca do slogan. “Antes era a ideia do 'pós-Lula', um Serra propositivo, que estava na frente; podemos até chamar de um Serrinha paz e amor. Agora isso não é possível”, destaca Barreto.
Fonte: Rede Brasil Atual