A face visível do movimento pacífico palestino
O documentário "Budrus" conta a história da resistência pacífica da população de uma aldeia da Cisjordânia contra a invasão do muro de “segurança”, construído por Israel. A força do documentário reside no fato de que ele não mostra as típicas imagens da resistência palestina difundidas pelos meios de comunicação ocidentais.
Ellen Massey, em Carta Maior
Publicado 07/07/2010 13:10
O filme teve êxito no Festival Internacional de Berlim e no de Silverdocs, em Washington, mas vem encontrando dificuldades para ser distribuído nos EUA. As manifestações em Budrus tiveram um certo êxito e conseguiram liberar 95% do território do povo que seria bloqueado pelo muro.
Ayed Morrar é um homem tranqüilo, de baixa estatura, com olhos amáveis, mas intensos, que olham o mundo através de seus óculos de arame. Seu rosto se converteu na cara da resistência palestina não violenta. Morrar é o personagem principal do documentário “Budrus” (dirigido por Julia Bacha, brasileira de 29 anos radicada em Nova York), de 2009, que narra a permanente resistência pacífica dessa aldeia da Cisjordânia à invasão do muro de “segurança”, construído por Israel.
No filme, produzido pela Organização Just Vision, com sede em Jerusalém e Washington, pode-se ver dezenas de bandeiras palestinas em mãos de manifestantes que descem de alguns morros rochosos até a área onde há soldados e máquinas israelenses. Também se pode ver as raízes retorcidas de uma antiga oliveira, arrancadas por uma escavadeira, e os rostos dos manifestantes, alguns infantis, outros curtidos ou bronzeados, mas todos orgulhosos, desafiadores e determinados e não permitir que sejam expulsos de suas terras.
A força do documentário reside no fato de que ele não mostra as típicas imagens da resistência palestina difundidas pelos meios de comunicação ocidentais. A fúria midiática se alimenta com imagens de homens mascarados, combatentes do Hamás (Movimento de Resistência Islâmica), com lenços verdes e jovens esquálidos jogando pedras contra grandes tanques israelenses. Em troca, os relatos da “coragem sem armas”, como denomina a produtora executiva de “Budrus”, Ronit Avni, não aparecem em primeiro plano.
O legislador estadunidense do Partido Democrata, Brian Baird, aplaudiu o chamado à não violência, incluída aí a declaração do presidente dos EUA, Barack Obama, em seu conhecido discurso do Cairo, em junho de 2009: “os palestinos devem abandonar a violência”.
Para isso, é preciso de um líder como Mahatma Ghandi (1869-1948) ou Martin Luther King (1929-1968), assinalou Baird. E acrescentou: “Creio que estamos diante de um”, referindo-se a Morrar. Baird e o deputado democrata Keith Ellison participaram de uma das apresentações do filme a poucas quadras do Capitólio, acompanhados de Morrar, Avni e da diretora Julia Bacha. Os dois deputados distribuíram cópias do documentário na Câmara de Representantes. “Não sei se convencemos alguém, mas não vamos parar”, assinalou Ellison.
Baird e Ellison têm um papel ativo no conflito palestino-israelense. Ambos votaram contra uma resolução da Câmara de Representantes condenando o informe Goldstone e participaram da primeira delegação do Congresso dos EUA que viajou a Gaza após o ataque israelense de 27 de dezembro de 2008 a 18 de janeiro de 2009. O juiz Richard Goldstone dirigiu uma investigação sobre os crimes de guerra perpetrados pelo exército israelense durante a Operação Chumbo Fundido, que matou cerca de 1.400 pessoas e deixou mais de 5.000 feridos, a maioria civis.
Os dois legisladores são um elemento essencial da estratégia de divulgação de “Budrus” e de sua mensagem. O filme teve êxito no Festival Internacional de Berlim e no de Silverdocs, em Washington, na semana passada. No entanto, os realizadores não conseguiram uma distribuição massiva nos EUA. É um assunto delicado, explicou Avni. “Vão nos atacar em todas as frentes”, reconheceu.
A difusão do documentário coincide com a atenção que recebe na atualidade o conflito palestino-israelense que já dura 60 anos. A pressão pela situação nos territórios palestinos é cada vez maior. Isso pode ser visto pelo desacordo recente do presidente Barack Obama com o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pelos assentamentos judeus na Cirjordânia, até o ataque das forças israelenses contra os ativistas do barco Mavi Marmara, que no dia 31 de maio rompeu o bloqueio imposto por Israel contra Gaza.
Há cada vez mais expressões não violentas de protesto contra as políticas israelenses nos territórios palestinos. Algumas delas são as manifestações contra a expansão de assentamentos judeus no bairro de Jeque Jarrah, em Jersusalém oriental, os contínuos protestos contra o muro por parte da população cisjordana de Bil’in e Na’alin, até as frotas humanitárias no final de maio.
Há protestos que atingem certo êxito. As manifestações em Budrus conseguiram convencer os israelenses a desviar o trajeto do muro que foi desviado para muito mais perto da Linha Verde, liberando 95% do território do povo. Mas outras não conseguem o mesmo êxito. Os protestos semanais realizdos em Jeque Jarrah desde novembro não conseguiram impedir o início, nesta semana, da construção de casas nos novos assentamentos judeus.
O documentário “Budrus” mostra como movimentos pacíficos conseguiram unir os manifestantes de diversas religiões e nacionalidades e garantir o respeito aos direitos humanos em protestos não violentos. Os realizadores combinam imagens tomadas por manifestantes que enfrentaram a polícia israelense da fronteira, com entrevistas com pessoas envolvidas no conflito de ambos os lados, incluindo um soldado israelense, que enfrenta o dilema de como lidar com manifestantes desarmados. Também utilizam imagens da cobertura midiática sobre o caso e procuram oferecer uma visão multifacetada sobre o conflito.
“Agora vimos outros tipos de israelenses”, assinalou Morrar, em alusão aos ativistas que protestaram com eles diariamente em Budrus. Cidadãos estadunidenses também se manifestaram em Budrus e em outros povoados próximos ao muro. Morrar disse estar orgulhoso pelo apoio destes cidadãos.
O aspecto mais importante do documentário é, sem dúvida, Morrar, de voz suave mas clara, sentado frente a muita gente e a milhares de quilômetros do povo que tanto luta para salvar, e os realizadores do filme. É só um povo, só um homem, mas ele dá cara e voz a um movimento muitas vezes esquecido. “Budrus” estréia em Ramalah e em Jerusalém no início de julho.