Deputado do PCdoB gaúcho homenageia João Cândido
O deputado estadual Raul Carrion (PCdoB), lembrou, no Grande Expediente desta terça-feira (29), os 130 anos do nascimento de João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro”, e os 100 anos da Revolta da Chibata.
Publicado 29/06/2010 18:44 | Editado 04/03/2020 17:11
Na ocasião, foi concedida a João Cândido, in memoriam, a Medalha do Mérito Farroupilha, em nome de seu filho Adalberto do Nascimento Cândido, que veio do Rio de Janeiro especialmente para a homenagem.
Eternizado na canção O mestre-sala dos mares, de João Bosco e Aldir Blanc (“Conhecido como navegante negro/Tinha a dignidade de um mestre-sala”), canção gravada por Elis Regina e outros grandes nomes da MPB, João Cândido foi o líder da popular Revolta da Chibata, em 1910, na baía da Guanabara, Rio de Janeiro.
Na ocasião, mais de dois mil marinheiros rebelaram-se contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos como punição, ameaçando bombardear a cidade. Durante os seis dias do motim seis oficiais foram mortos, entre eles o comandante do Encouraçado Minas Gerais, João Batista das Neves. Os castigos físicos, abolidos na Marinha do Brasil um dia após a Proclamação da República, foram restabelecidos no ano seguinte.
O Almirante Negro foi internado no Hospital dos Alienados em abril de 1911 como louco e indigente. Ele e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações dois anos mais tarde, em 1º de dezembro de 1912. Em 24 de julho de 2008, através da publicação da Lei Federal 11.756/2008 no Diário Oficial da União, foi concedida anistia post mortem a João Cândido Felisberto e aos demais participantes do movimento.
A História
João Cândido Felisberto nasceu em 24 de junho de 1880, no interior do município de Encruzilhada do Sul, na Coxilha Bonita da Serra do Herval – hoje território do município de Dom Feliciano. “Mais do que homenagear João Cândido, queremos resgatar esta luta heróica do povo negro em defesa da liberdade e dos direitos humanos. Episódio escamoteado pela historiografia oficial, que teima em ignorá-lo”, lembrou o parlamentar.
Carrion destacou a trajetória do homenageado. Filho de João Cândido Velho e de Ignácia Cândido Velho, escravos de Vicente Simões Pires Moreira, desde cedo destacou-se por sua vivacidade e rebeldia. Com apenas 12 anos foi colocado sob os cuidados do almirante Alexandrino de Alencar, que recrutava jovens para a Marinha. “Em 1893, fez sua primeira viagem no transporte de guerra Ondina. Em 1894, ingressou na Escola de Aprendizes de Marinheiros do Rio Grande do Sul. Um ano depois foi para o Rio de Janeiro como praça da 40ª Companhia do Corpo de Marinheiros Nacionais. Com apenas 20 anos, já era instrutor da Marinha”.
O deputado lembrou que, à epoca, a imensa maioria dos marujos – cerca de 90% – era negra, mulata ou mestiça, na sua maior parte recrutada à força entre as camadas mais pobres da sociedade e muitos deles eram retirados das prisões. “Em contraste, a oficialidade, toda branca, sem exceção, provinha de famílias oligárquicas, até bem pouco, escravocratas. Assim – apesar de terem decorrido décadas desde a abolição –, as relações entre oficiais e marinheiros continuavam reproduzindo as relações das senzalas e o uso da chibata para o castigo dos marinheiros era visto como algo normal”.
Aprendizado
Destacou o aprendizado de João Cândido junto à marinheiros ingleses quando, enviado para aprender o manejo de modernos navios, nos estaleiros de New Castle, na Inglaterra, em 1908, passou a conviver com marinheiros de todo o mundo e teve contato com as idéias avançadas da classe operária europeia. “Da mesma forma, tomaram conhecimento da revolta do encouraçado Potenkim, ocorrida em 1905, na frota do Mar Negro. Todas essas experiências inspiraram sua decisão de lutar por condições dignas de vida e de trabalho na Marinha brasileira. O próprio João Cândido afirmou que lá teve início a preparação da Revolta da Chibata”.
De volta ao Brasil, no início de 1910, João Cândido passou a organizar a revolta, tendo como principais reivindicações a abolição da chibata, a melhoria da alimentação e a elevação dos soldos. “Viviam-se os rescaldos da campanha presidencial que dividira o país entre os partidários do marechal Hermes da Fonseca – o presidente eleito – e o civilista Rui Barbosa”, disse Carrion. O movimento rebelde iniciou em virtude de um incidente, no dia 16 de novembro, quando o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes – do encouraçado Minas Gerais – foi retalhado por 250 chibatadas, por haver ferido levemente, com uma navalha de barbear, o cabo Valdemar de Sousa que lhe denunciara por haver tentado introduzir duas garrafas de aguardente no navio. Com requintes de selvageria, Marcelino foi açoitado até perder os sentidos. Reanimado à força, o castigo prosseguiu, até quase a morte.
Dias depois, quando o comandante José Carlos de Carvalho visitou o Minas Gerais para negociar o fim da revolta, afirmou: “as costas desse marinheiro assemelhavam-se a uma tainha lanhada para ser salgada”. Naquela noite, nos porões do encouraçado, os marinheiros juraram que isso teria fim e que Marcelino seria o último marinheiro chibatado. A revolta foi antecipada para a noite do dia 22 de novembro, quando fosse dado o toque de recolher. Como disse João Cândido, anos depois: “Naquela noite o clarim não pediria silêncio e sim combate!” E, assim foi.
Às 22 horas do dia 22 de novembro explodiu a insurreição a bordo do encouraçado Minas Gerais. Os rebeldes dominavam os navios mais poderosos e controlavam a baía da Guanabara, capital da República. O Rio de Janeiro ficou à mercê dos rebeldes. A esquadra rebelde manobrava –dirigida por João Cândido e seus marinheiros – com grande maestria, sem qualquer oficial a bordo. João Cândido é apresentado pela imprensa como o Almirante Negro.
Castigo
Surpreendido pelos acontecimentos, o presidente Hermes da Fonseca – que se encontrava em uma festa do Clube da Tijuca – retornou ao Palácio do Catete, tomando conhecimento da primeira mensagem dos rebeldes: “Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República, ao ministro da Marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos, bombardearemos cidade e navios que não se revoltarem.”
O senador Pinheiro Machado, homem forte do governo, enviou o deputado federal pelo Rio Grande do Sul – comandante retirado José Carlos Carvalho – para parlamentar com os marujos. Ao retornar de sua missão, Carvalho prestou um depoimento ao Congresso que estarreceu a nação, mostrando o barbarismo com que os marinheiros eram tratados. Nesse contexto, coube ao senador Rui Barbosa apresentar um projeto de anistia aos insurretos, à qual se somava o compromisso do fim do castigo da chibata e a melhoria das condições de trabalho na Marinha.
Depois de um intenso debate – onde alguns parlamentares questionaram sua concessão antes que os rebeldes depusessem as armas – a anistia foi aprovada com rapidez, tanto no Senado como na Câmara dos Deputados. Porém, em seguida, o decreto 8.400 autorizou a expulsão da Marinha de qualquer marinheiro “cuja permanência se tornar inconveniente à disciplina”.
“Mas o pior ainda estava por vir”, continuou Carrion. “No dia 9 de dezembro, depois da ampla difusão de boatos de que o exército invadiria os navios e as bases navais para massacrar os marinheiros, teve início uma revolta no Batalhão Naval da ilha das Cobras e no cruzador ligeiro Rio Grande do Sul. Isolados, os revoltosos, apesar de hastearem a bandeira branca, foram dizimados. Em seguida, o governo se valeu do fato para obter a aprovação do estado de sítio e iniciar a repressão aos anistiados".
Traição
Fruto dessa traição, no início de 1911 cerca de dois mil marinheiros foram expulsos da Marinha. João Cândido e outros 17 líderes – apesar de não terem qualquer envolvimento com essa segunda revolta – foram encerrados em uma masmorra e asfixiados com cal viva, lançada sobre eles, continou o parlamentar. "16 morreram, só João Cândido e “Pau de Lira” sobreviveram. Alquebrado, João Cândido foi internado no Hospital de Alienados e dado como louco. Quando recebeu alta do Hospital de Alienados, foi novamente trancafiado em uma prisão, onde permaneceu por 18 meses aguardando julgamento".
Sem recursos para contratar um advogado, foi defendido por Evaristo de Moraes, contratado pela Irmandade da Igreja Nossa Senhora do Rosário, que colocou como condição não receber um único centavo pelo seu trabalho, explicou Carrion. “Somente em 1912 João Cândido foi absolvido e libertado. Expulso da Marinha, desempregado e com a saúde abalada, buscou trabalho para sobreviver. Depois de muito caminhar, conseguiu emprego no patacho Antonico. Pouco tempo depois, foi demitido, por pressão da Marinha. Conseguiu trabalho no Ramona, depois no Ana. Acabou novamente demitido, por perseguição. Sobreviveu vendendo peixe no cais".
"Em 1930, mudou-se para São João do Meriti, na baixada fluminense. Passou a ganhar a vida vendendo peixes na Praça XV. Aos poucos, a sua saga começa a ser conhecida das novas gerações, enfatizou o parlamentar. “Em 1934, o jornalista comunista conhecido como “Barão de Itararé” escreve duas reportagens sobre João Cândido e a Revolta da Chibata. É sequestrado pela Marinha e espancado".
Em 1960, Edmar Morel, depois de 10 anos de pesquisas e entrevistas, inclusive com João Cândido, publica sua obra clássica A Revolta da Chibata. Não por coincidência é cassado, alguns anos depois, pelo regime militar implantado em 1964. Em 2002 é apresentado no Congresso Nacional um projeto de anistia post mortem a João Cândido e aos marinheiro da Revolta da Chibata. Finalmente, em 23 de julho de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a Lei 11.756, que concede essa anistia a João Cândido e seus companheiros.
Em apartes manifestaram-se em nome de suas bancadas os deputados Raul Pont (PT), Cassiá Carpes (PTB), Ciro Simoni (PDT), Leila Fetter (PP). A cerimônia foi encerrada com a música O mestre-sala dos mares, interpretada pela cantora Claudia Quadros.
De Porto Alegre,
Isabela Soares com informações Ag. AL