Futebol: Erro de arbitragem ou olhos a menos?

A não marcação de um tento legítimo do inglês Frank Lampard na partida Alemanha 4, Inglaterra 1, realizada no domingo (27) em Bloemfontain, na África do Sul, reacendeu a costumeira polêmica sobre o uso ou não da tecnologia para auxiliar os árbitros em uma partida de futebol.

O gol, que empataria a partida em 2 a 2, foi assinalado quando a Inglaterra tinha nítida vantagem sobre o selecionado germânico. Certamente teria mudado o destino do jogo, pois não permitiria a Alemanha conservar-se na defesa, escapando em fatais contra-ataques que construiram, no segundo tempo, o placar final da partida.

A bola entrou claramente na meta alemã. O mundo inteiro registra o fato. As manchetes dos jornais desta segunda-feira trazem a fotografia do momento em que a bola toca o gramado dentro do gol, bem além da linha de meta. Em geral, o que se lê e se escuta na mídia é que a Copa do Mundo já deveria utilizar tecnologia avançada para ajudar os árbitros a definirem o que aconteceu em um lance do jogo.

Bandeirinhas a mais

A entidade que organiza o Mundial, a Fifa — que se orgulha de ser maior que a própria ONU em número de membros —, não emitiu sequer uma vírgula sobre o lance. O árbitro da partida, o uruguaio Jorge Larrionda, não pode se manifestar à imprensa, por determinação da entidade. Afirma-se na mídia que ele não teria visto o lance e foi "enganado" pela reação do goleiro alemão Neuer.

Mas, para evitar isso, há o árbitro assistente, mais conhecido no Brasil como bandeirinha. Quando se anota um tento em uma partida de futebol, sem irregularidade, o auxiliar corre para o meio do campo, ajudando o árbritro a interpretar a jogada como correta. O bandeirinha uruguaio Mauricio Espinosa tinha visão completa da bola, da meta e do posicionamento do goleiro e demais jogadores. Nada assinalou, permanecendo impassivo na sua função.

A Fifa argumenta que, por ser o futebol universal, o uso da tecnologia seria desigual, pelos altos custos envolvidos nas soluções sugeridas. Para Joseph Blatter, presidente da organização, muitas partidas não têm a mesma cobertura de televisão que a Copa do Mundo, daí ele acreditar que os árbitros não teriam os mesmos meios em todos os estádios, o que considera inaceitável.

Dez cabeças, dez sentenças

Com boa dose de cinismo e até de má-fé, outro argumento de Blatter contra a tecnologia é que o "fator humano dá muito encanto" ao esporte. "Os torcedores gostam de conversar sobre o que acontece nas partidas. Faz parte da natureza humana de nosso esporte", escreveu em março deste ano no site da Fifa.

Ainda assim, levando em consideração outro argumento que Blatter utiliza — o de que "às vezes dez especialistas expressam dez opiniões diferentes sobre a decisão que o árbitro tinha de tomar" em um lance — e que é parcialmente razoável, não se justifica de modo algum a inação da entidade no sentido de evitar que tais erros se repitam no futuro.

Esses erros já são repetecos de outros jogos. Há milhares de gols totalmente regulares que não foram vistos ou assinalados nos milhares de jogos disputados anualmente ao redor do mundo e que provocam reações de incredulidade e de ira. Árbitros são acusados de má-fé, às vezes com justiça.

Observando-se outros esportes, vê-se que é possível tomar medidas mais baratas que o uso de tecnologia sofisticada para identificar a posição da bola ou se um determinado jogador está ou não em impedimento.

Muitos esportes utilizam vários árbitros, em obediência ao velho ditado popular que duas cabeças pensam melhor que uma. O futebol americano, muito diferente do seu tio distante que lá nos EUA é chamado de "Soccer", utiliza sete árbitros na partida, três a mais que o futebol associado.

No tênis de grama, permite-se a um jogador "desafiar" a decisão do ábitro em relação a uma jogada, já que introduziu-se um sistema de acompanhamento de jogo que permite identificar o ponto exato da quadra onde a bola tocou. O sistema é caro e é utilizado em alguns torneios.

Na Premier League, a liga de futebol mais importante da Inglaterra, alguns gramados têm um componente que, de certa forma, auxilia a diminuir a dúvida se a bola entrou ou não. Pouco atrás da linha da meta, o gramado deixa de ser plano e torna-se inclinado, com um declive para fora do gramado. Em um lance idêntico ao do jogo entre ingleses e alemães desta Copa, a bola não quicaria de volta para o campo de jogo, justamente por causa dessa inclinação.

Uma solução melhor e mais viável para todos seria o aumento do número de árbitros em uma partida. O uso de árbitros auxiliares com bandeiras atrás ou ao lado das metas diminuiria radicalmente a incidência desses erros. Eles poderiam verificar jogadas faltosas, bolas que ultrapassaram ou não a linha de meta e impedimentos que os árbitros normalmente não enxergam.

A tecnologia não é solução para isso, pois pode interferir na dinâmica do jogo de modo perverso, já que as regras do futebol são interpretativas. Como solução ideal não existe, cabe à Fifa diminuir essas pequenas tragédias que retiram a credibilidade do futebol e roem o coração dos mais aficcionados. Como não existe pressão das federações nacionais nesse sentido, ainda vão se repetir indefinidamente lances como os de ontem dos jogos entre Alemanha e Inglaterra e Argentina e México.

Alguns dos milhares de erros decisivos em Copas do Mundo:

Copa da Itália de 1934 — Anfitriã daquela Copa, a Itália foi beneficiada nas quartas de final contra a Espanha, que teve um gol legítimo anulado. Com a igualdade em 1 a 1 nesta partida, foi necessário um jogo-desempate, no qual os italianos ganharam por 1 a 0 com um tento irregular, enquanto os espanhóis novamente tiveram dois gols invalidados errôneamente.

Copa da Inglaterra de 1966 — Na prorrogação da decisão entre Inglaterra e Alemanha, o inglês Hurst recebeu no meio da área e finalizou. A bota bateu no travessão e tocou o solo, sem no entanto ultrapassar totalmente a linha de meta. No entanto, o juiz validou o tento e os ingleses, que naquele momento passaram a liderar o placar por 3 a 2, seriam campeões com uma vitória por 4 a 2.

Copa da Espanha de 1982 — Na semifinal entre Alemanha e França, o goleiro Schumacher cometeu uma dura falta no francês Patrick Battiston, que sofreu lesões na coluna vertebral, uma concussão cerebral, além de perder dois dentes. No entanto, o árbitro Charles Corver não advertiu o arqueiro alemão e sequer marcou faltou no lance. Na disputa por pênaltis, Schumacher foi decisivo ao defender a última cobrança dos franceses.

Copa do México de 1986 — Conhecido mundialmente como "A mão de Deus", o episódio ocorreu nas quartas de final da Copa do Mundo do México, no jogo entre Argentina e Inglaterra. Em uma bola alta na área inglesa, Maradona utilizou a mão para vencer o goleiro Peter Shilton e fazer o primeiro da seleção sul-americana no jogo. A Argentina eliminou a Inglaterra.

Nas eliminatórias do Mundial da África do Sul, França e Irlanda não tiveram um bom desempenho nas eliminatórias e tiveram de passar pela repescagem, quando mais quatro seleções seriam classificadas dentro de um conjunto de oito qualificadas em segundo lugar dos grupos da eliminatória europeia.

França e Irlanda se enfrentaram e, na segunda partida, o francês Thiery Henry anotou um gol após usar a "mão do diabo" para conduzir a bola, em contrapartida ao famoso lance de Maradona em 1986. Com o gol, a França se classificou para o Mundial da África do Sul.

Mas, o que fica patente depois de todas as discussões sobre esses lances lamentavelmente memoráveis é que a Fifa não tem a menor intenção de mudar as regras do jogo para evitar — ou diminuir — tais tragédias. Sabe-se lá por quais motivos ocultos isso não ocorre.

De São Paulo,
Humberto Alencar