Rua São João comemora 100 anos de tradição e cultura

"São muitas histórias, momentos inesquecíveis". Com os olhos marejados por inúmeras lembranças, o aposentado Arnaldo Magalhães relata sua paixão pela histórica comemoração dos festejos juninos realizada todos os anos na Rua São João, localizada no bairro Santo Antônio. Com 62 anos, Arnaldo é apontado pela própria comunidade como um dos maiores protagonistas da festa.

Ele já participou de mais de 50 edições da festa, que é uma das mais tradicionais de Sergipe. Como toda a comunidade se envolve na construção e no preparo do grande arraial, Arnaldo também não fica de fora. "Quando comecei a participar, eu tinha 11 anos. Mas passei a dançar quadrilha mesmo com 16. Na época, chamava-se Quadrilha da Rua São João e depois foi chamada de Quadrilha São João de Deus", afirma.

As características da festa, em diferentes contextos, ainda estão presentes nas lembranças do simpático aposentado. "Na época, entre as décadas de 50 e 60, tínhamos a presença da banda de pífano, dos grupos de Reisados, samba de pareia e outras manifestações populares. Tudo era ornamentado de forma bastante simples, com materiais improvisados pela própria comunidade, como palha e tecido", lembra.

"As pessoas batiam de porta em porta pedindo contribuições e dávamos uma feição bastante caipira à festa", relembra Arnaldo, ao salientar que a própria Rua São João era carente de serviços básicos de saneamento e as casas do local não recebiam fornecimento regular de água e energia. O local também não era pavimentado e a maioria das casas era feita de taipa.

Quadrilhas

O concurso de quadrilhas é peça fundamental para manter a tradição dos festejos juninos na Rua São João. O aposentado Arnaldo Magalhães dançou por vários anos no concurso de quadrilha, interpretando o noivo, além de já ter participado também como jurado. Em meio a diversas fotos que Arnaldo guarda com carinho dos históricos concursos de quadrilha, ele relata que a cada época o evento apresentava contornos diferentes.

"Os primeiros concursos de quadrilha sempre contavam com a participação da comunidade. Até mesmo os jurados eram escolhidos não só pela contribuição que poderiam oferecer à cultura sergipana, mas também à manutenção da tradição. Antes era tudo feito no chão, sem palco e não havia a possibilidade de alugar uma caixa de som. O marcador fazia tudo à base do gogó e da mímica. Depois de um tempo conseguimos construir um palco de madeira num novo espaço chamado quadriódromo, para que os passos dos quadrilheiros soassem melhor. Mas, infelizmente, esse palco acabou sendo transformado e hoje é à base de cimento", relembra.

Tradição

Apesar das boas lembranças, o aposentado lamenta que muitas transformações tenham retirado um pouco do caráter caipira da festa. "O São João é uma festa de sertanejos. Muita coisa mudou para melhor, mas em outros aspectos retiraram muito da cultura rústica que permeia a festa. Hoje o marcador dificilmente faz parte da comunidade, ele é um profissional contratado que praticamente não tem vínculos com o local", lamenta.

"Além disso, as roupas de hoje não são tão caipiras como as de antigamente, são cheias de efeitos e ornamentos que já não têm mais a cara do São João. As quadrilhas também tinham uma sequência de passos, hoje tudo é muito solto. Eu acho que a nossa festa, atualmente, segue mais para o rumo do teatro, do espetáculo, desvirtuando daquela comemoração tipicamente popular", complementa.

Personagens

Assim como Arnaldo, centenas de outras pessoas que foram imortalizadas como protagonistas da Rua São João são sempre lembradas pela comunidade. Outras, porém, acabam no esquecimento, até mesmo por falta de registros. Mas, para o aposentado, várias pessoas são dignas de ser citadas como fundamentais para a festa. Mas uma pessoa em especial é lembrada com carinho.

"Durante 15 anos, Mara foi minha parceira na quadrilha. Éramos sempre os noivos e ela dançava de forma maravilhosa. Ganhamos vários troféus e éramos imbatíveis nos passos", relembra Arnaldo, ao mostrar as fotos com Mara. "Ela ainda dança, mas não gosta de dar entrevistas, é tímida. Mas continua linda, do mesmo jeito que está na foto", afirma com emoção.

Outros nomes não fogem à mente de Arnaldo. "Durante muitos anos, Calazans Costa foi o carroceiro que levava os noivos. Antônio Soares de Freitas e Osório Matos também foram dois idealizadores apaixonados do festejo, além de João Gama, que por anos foi o nosso locutor oficial, para depois se dedicar ao rádio. Tivemos vários marcadores dedicados, como Ademário Costa e Antônio ‘Cão'. A maioria dos ensaios era feito na casa de João Evangelista e depois dançávamos forró até o dia amanhecer. Também não podemos nunca nos esquecer de Javá, o grande sanfoneiro de Santo Amaro", relembra.

Programação

No ano em que Aracaju comemora o centenário da Rua São João, os preparativos são intensos e as idéias fervilham entre a comunidade. O cabeleireiro José Neuton dos Santos, integrante da comissão organizadora da festa, adianta os detalhes do grande aniversário. Com o slogan ‘Amor, cultura e tradição: 100 anos da Rua São João', a festa deverá atrair milhares de sergipanos e turistas de todo o Nordeste.

"O tradicional casamento caipira acontecerá no dia 24, dia de São João, e o cortejo vai percorrer diversos bairros. Já contratamos um grupo de teatro para fazer a encenação. Já no dia 2 de julho comemoraremos os 100 anos da rua homenageando diversas autoridades, patrocinadores, a imprensa e a própria comunidade, inclusive os mais idosos, com certificados", adianta José Neuton.