Sem categoria

Colômbia: Mockus tem programa tão neoliberal quanto o de Santos

Com a aguda crise de desemprego, pobreza e desigualdade a que o modelo neoliberal conduziu na Colômbia, fica difícil que se atrevam a defender abertamente os princípios da espécie desacreditada do fundamentalismo de mercado. Agora o fazem com subterfúgios. Com “novos” termos alcunhados pelo uribismo: confiança de investidores, coesão social e segurança democrática. Os três valores que os candidatos Mockus e Santos se comprometeram a defender até a morte.

Por Juan Federico Moreno, em Sin Permiso 

Na grande imprensa podemos ler, quase diariamente, as conversões e novos acomodamentos de alguns paladinos da abertura econômica na Colômbia, como Rudolf Hommes e Guillermo Perry – ambos ex-ministros da Fazenda em épocas de humilhações – e inclusive os inevitáveis novos dogmas neoliberais, ainda que “legalistas”, de um ex-diretor do Banco da República, para a mesma época.

Mesmo que as adesões ao neoliberalismo da abertura comercial não variaram, essencialmente, por parte dos candidados que restaram na competição para a presidência; Juan Manuel Santos e Antnas Mockus não usam em público a palavra neoliberalismo. Mas têm, isso sim, uma firme convicção nas supostas vantagens da liberdade absoluta dos mercados.

O custo político de uma adesão aberta ao neoliberalismo ou à abertura econômica, ante um eleitorado golpeado por falta de emprego, pela carestia da vida, os baixos salários, a pobreza e desigualdade derivadas, teriam efeitos adversos para suas pretensões de governantes.

Em vez de um reconhecimento direto da adesão à ortodoxia, estes candidatos preferem explicar seus programas de governo em termos diferentes, e sobretudo, que despertem menos rechaço que o decálogo cru do Consenso de Washington e as recomendações interessadas do Fundo Monetário Internacional.

Juan Manuel Santos apela ao termo propagandístico “bom governo”, em alusão à célebre denominação que um dos pais fundadores dos Estados Unidos, James Madison, deu a seu ideal de governo. Um governo capaz, entre outras coisas, de impedir a “tirania majoritária” – quer dizer, o peso excessivo da maioria eleitoral nas decisões de governo – em um marco de república liberal aristocrática que fez tudo – como disse Atilio Borón -para impedir a intervenção da “plebe” no manejamento dos assuntos de Estado.

Entretanto, a idéia aparentemente “renovadora” que Antanas Mockus apresenta nos remete aos alinhamentos que o Banco Mundial forneceu, desde meados do banco 90, para consolidar e aprofundar a abertura neoliberal da economia, com base já não nas medidas estritamente econômicas (privatização de empresas públicas, liberalização comercial e de mercados financeiros, redução do gasto público, entre outras) mas em especial consolidando uma reforma nas instituições jurídico-legais.

O fortalecimento do sistema judicial, o aumento dos níveis de autonomia e de independência frente às decisões dos poderes representativos do Estado (legislativo e executivo) e o estabelecimento das altas cortes como poder supremo do Estado. Daí que, diante de qualquer pergunta que diga respeito a suas futuras decisões de governo, Mockus se limite a declarar: “O que decida a Corte Constitucional”.

Vale dizer que, em seu sistema de governo, o presidente eleito presidirá, mas não governará. As Cortes – não eleitas – o farão por ele, assim suas decisões não coincidirão com os desígnios da vontade geral e da maioria do povo.

A corrente de pensamento econômico que dá suporte e na qual se fundamenta o Banco Mundial e também o BID, para introduzir e impulsionar a reforma neoliberal é chamada “Neoinstitucionalismo” e seu representante mais conhecido é Douglas North, prêmio Nobel de Economia, de 1993.

O que é o neoinstitucionalismo?

O sentido que o institucionalismo adquiriu, desde as sus origens nos Estados Unidos, se associa à necessidade de impor freios às ondas de democratização e de ascensos populares, quando estes eram julgados como “excessivos” pelos setores dirigentes do Estado.

O desenho constitucional norte-americano tinha previsto a entrada em vigor de um poder judicial federal que fosse independente, por sua origem e pelo caráter vitalício dos altos magistrados, dos desígnios da vontade popular.

Enquanto os outros poderes, surgidos de eleições populares periódicas – como o legislativo e o executivo – podiam mudar suas orientações, as instituições da justiça – supostamente independente – sempre permaneceriam, de modo que pudessem impedir mudanças significativas na organização liberal do Estado.

Desde o final do século XIX, ao mesmo tempo em que processos de democratização nas sociedades desenvolvidas se consolidavam, como a extensão do sufrágio universal masculino, a aquisição de direitos de associação e de expressão, afirmavam-se também as tendências de pensamento econômico, que situam as instituições liberais, desenhadas na constituição estadunidense como o modelo ótimo de desenvolvimento econômico, político e social.

O chamado institucionalismo norteamericano – desde fins do século XIX – põe o poder judiciário do Estado como o fiador supremo e como a salvaguarda fundamental dos princípios liberais (direito de propriedade e estabilidade no cumprimento dos contratos entre particulares).

Desde essa época agitada, alguns economistas puserem em relevo o papel fundamental das instituições e das leis na manutenção da ordem liberal e no funcionamento eficiente do mercado. Commons formulou o princípio de que, a partir da economia, segundo o qual a escassez econômica conduz à competição entre diversos interesses pela captura de recursos disponíveis.

A presença de instituições sólidas estáveis e de regras de negociação evitaria ou pelo menos podia ser um contrapeso aos desdobramentos da democratização ou à excessiva energia das demandas populares, por una eventual distribuição, ao tempo em que reduziriam os custos de transação, implícitos em todo conflito de interesses que não estivessem previstos pelo aparato estatal legal-institucional.

O chamado neoinstitucionalismo derivará dessas posturas e hoje em dia muito particularmente dos trabalhos de Douglas North. Este autor se insteressa pelo afiançamento dos direitos de propriedade e em assegurar o cumprimento dos contratos entre os agentes econômicos, como podem ser os investidores estrangeiros e os governos das nações que tenham recebido esses investimentos.

Estabelecendo um novo tipo de determinismo judicial, North poderia se gabar de ter formado um modelo em que Karl Marx é posto de cabeça para baixo, pois segundo o neoinstitucionalismo, a configuração do sistema institucional e jurídico-legal não está condicionada – em última instância – pelo desenvolvimento e pelas características das relações sócio-econômicas, mas pelo contrário, são as normas e instituições legais que determinam – de uma maneira bastante mecânica – o crescimento e o desenvolvimento econômico dos países. Vale dizer, se queremos alcançar níveis de desenvolvimento semelhantes aos dos Estados Unidos, não temos que fazer outra coisa que copiar suas instituições e normas legais.

Segundo esse ponto de vista, se a reforma neoliberal da abertura do mercado fracassou, se criou na Colômbia, por exemplo, condições de desigualdade, pobreza e desemprego maiores que antes de sua implementação, isto não se deveu a que fosse um modelo de capitalismo financeiro, pelo capitalismo financeiro e para o capitalismo financeiro, mas porque nossas instituições jurídico-legais são “débeis”. Faz-se necessário, então, fortalecê-las, aumentar sua independência, dotá-las de mais autoridade que as instâncias eleitas pelo povo.

Para o neoliberalismo neoinstitucionalista, neste momento se trata de baixar “os custos de negociação”. Entre estes custos de transação se incluem: as obrigações que as empresas transnacionais devem pagar ao Estado ou a suas regiões para a exploração e usufruto de seus recursos naturais, os custos dos estudos de impacto ambiental e social, que algumas legislações incorporaram como obrigatórios, os alto salários, os encargos sociais e fiscais sobre as grandes empresas.

Como se obtém esse novo ajuste estrutural da economia? Fortalecendo as instituições judiciais, oras, fazendo cumprir as normas, incorporando as altas cortes como poder supremo do Estado. Para dizê-lo nas palavras de Antanas Mockus: “A Colômbia deve entrar na Legalidade”, “Deve-se baixar os custos das transações”, “o Estado deve estar presente em cada região, se possível em cada município, não só com o exército, como acontece agora, mas ao lado de cada unidade do exército deve haver uma unidade do ministério público e um juiz".

Essa é a mudança educativo-dirigente que Mockus propõe a Colômbia: a “interiorização” das leis que favoreçam ao neoliberalismo e a inclusão, ao lado das instituições do garrote, das outras instituições, menos violentas, por certo – mas não menos autoritárias – da Lei, da cenoura.

A opção verde é a opção mais avançada e legal do neoliberalismo na Colômbia.

Vários são os obstáculos que a democracia, o socialismo e as instituições republicanas na Colômbia – as que se chama ordinariamente e sem discriminação de “corruptas” – opõem a esta aprofundização do neoliberalismo institucionalizado.

Como atravessamos uma nova etapa de “democratização”, os governos, nos sistemas representativos, mudam. Como mudam também as inclinações do eleitorado, e ante as crises recorrentes que o neoliberalismo produz – financeiras, de recessão, de desemprego, de desigualdade – se abrem fortes possibilidades de ascenso de governos populares e democráticos, quer dizer do povo, pelo povo e para o povo.

A reforma neoinstitucional defenfida ponto a ponto pelo programa verde deveria impedir, impondo limites severos, este desdobramento democrático da vontade popular. Como fazê-lo? Impondo o império da Lei como limitante das eventuais tiranias majoritárias. Claro que passaríamos ao extremo contrário, a estabelecer o que Salomón Kalmanovitz chama de uma “tirania dos magistrados”.

Evidentemente – para o enfoque neoliberal e neoinstitucionalista – em épocas de crises não são os órgãos representativos do Estado (Congresso ou Presidência da República) os que podem assegurar a estabilidade e a segurança do cumprimento desses tipos de contratos destinados a favorecer o investimento estrangeiro no país, mas o acionar mecâncio do aparato jurídico-legal, supostamente livre da “luta de interesses”, da “corrupção” e das nefastas influências “populistas”.

É nessa perspectiva neoliberal avançada, refinada sem dúvida, mas também enganosa e coberta de um certo ar místico, de uma ética metafísica, de um autoritarismo difuso que se inscreve o programa de governo do doutor Mockus.

Melhoraria as atuais condições de vida dos colombianos? Atenuaria a alarmante desigualdade social sempre em proveito dos setores financeiros e oligárquicos do país, esmagando as amplas maiorias nacionais? Criariam mais emprego e desenvolvimento econômico endógeno, local? Facilitaria uma melhor e mais equitativa distribuição das terras produtivas entre a população campesina? Aumentariam os salários reais dos trabalhadores, sua cobertura de saúde, sua aposentadoria , os serviços sociais?

A todas essas perguntas Antanas Mockus tem dado respostas, em diversas intervenções, geralmente negativas. Claro que seus apoiadores têm todo o direito a desacreditar das próprias declarações públicas do candidato. Atribuí-las a um momento de confusão, de imperícia, de oportunismo ou a uma supsota “genialidade superhumana” fora do alcance cognitivo do mais comum dos mortais.

Cobrindo-se de esperança ao que muitos pintam de verde, seus apoiadores querem sonhar com uma Colômbia melhor, unindo-se por trás de seu programa e pensando que, talvez, se os processos atuais se “legalizam”, ainda que tibiamente, iriam alcançar no longo prazo condições melhores de vida. Nada é menos seguro que esta esperança institucionalista. O inferno – segundo nos conta Dante – também está submetido a leis.

Apesar do desenvolvimento do segundo turno e do muito seguro triunfo do candidato do governo, os verdes aspiram a recolher o rechaço às políticas uribistas dos votantes de outros projetos políticos e dos abstencionistas; e assim a canalizar, através do que têm chamado de aliança cidadã, uma adesão aos seus postulados.

A experiência histórica e política de um povo não pode ser substituída por análises que setores sociais, alguns intelectuais, socialistas, democratas, nacionalistas de esquerda possamos fazer a seu propósito. Mas também nosso dever, como tais, leva-nos a tratar de elucidar os conteúdos e as intenções de um dos programas dos que estão na reta final pela presidência da república.

Parece-nos um programa neoliberal, tanto como o de Santos. Uma proposta de governo que aprofunda as condições de um modelo econômico baseado quase exclusivamente na atração do investimento estrangeiro e que, visando a reduzir os custos das negociações contratuais para as empresas, arrisca-se a recrudescer ainda mais as condições de pobreza e desigualdade existentes no país.

Apesar de ser partícipe desta maré de oposição à candidatura de Juan Manuel Santos e de ter liderado a oposição e a denúncia aos desmandos do uribismo durante estes duros anos de desgoverno, o Polo Democrático Alternativo não pode unir seus votos a um outro programa neoliberal, neoinstitucionalista, sem renunciar ao seu propósito de dotar de um sentido social as políticas econômicas da nação colombiana.

Nossa intenção não é a de destruir uma esperança, mas a de construir a fé e a esperança de nosso povo sobre uma base social de maior equidade e, sobretudo, verdadeira.

* Juan Federico Moreno é um analista político socialista e membro do Polo Democrático Alternativo. Mantém o blog http://laretomadelapalabra.blogspot.com/