Sem categoria

Homofobia da mídia vai da novela das 8 até Zorra Total e BBB

Numa entrevista recente a um jornal brasileiro, o autor de novelas Silvio de Abreu afirmou que o público não está preparado para assistir a cenas de afeto entre gays no horário nobre. “É uma exposição com a qual parte do público que não é gay pode se chocar. Não adianta colocar, não vai passar”, disse o enfático noveleiro.

Por mais polêmica que pareça ser, a declaração é sintomática da visão geral do telespectador sobre o gay no país. É o que afirma Irineu Ramos Ribeiro, jornalista e pesquisador de estudos de gênero, que acaba de lançar A TV no Armário — livro que examina a identidade GLS nos programas de televisão.

Escrita a partir de sua tese de mestrado na Universidade Paulista (Unip), a obra argumenta que a televisão, principalmente a aberta, ainda está longe de tratar o tema com naturalidade e sem preconceitos. Seus exemplos vão desde a cobertura na TV aberta da parada gay de São Paulo de 2007, a edição gay do programa Beija Sapo, da MTV, os programas humorísticos Zorra Total e Sob Nova Direção, além do último episódio da novela América.

Ribeiro conclui: a cobertura ainda é preconceituosa, visa associar gays a comportamentos de risco, utiliza de caricaturas primárias para fazer humor e, quando tenta cobrir manifestações gays de peso como a parada, acaba caindo em mais numa representação ligada ao consumo que propriamente homossexual.

O autor concedeu entrevista a André Duchiade, para o “Caderno B” do Jornal do Brasil. Baseando sua pesquisa na teoria dos “filósofos da diferença” — como Michel Foucault e Gilles Deleuze —, Ribeiro afirma que a TV ainda está presa a abordagens controladoras e desrespeitosas da cultura queer.

Jornal do Brasil – Como a televisão age em relação à sexualidade não-normativa e plural?
Irineu Ramos Ribeiro – A mídia tem um poder brutal e estabelece relações de poder com identidades. Para dominar certas identidades, ela desqualifica o outro; ao fazer isso, se afirma como superior. No programa de humor, por exemplo, pega uma caricatura que só pensa em bofes. A ideia é passar para o espectador que, se você quiser ser gay, será igual a essa figura ordinária e afetada, porque essa é tolerada.

JB – Isso acontece mesmo em abordagens jornalísticas, como as da parada?
IRR – A parada gay de São Paulo de 2007 saiu 48 vezes na TV aberta. Praticamente nenhuma matéria falava sobre homossexualidade, mas sim sobre gays chegando à cidade, compras, e outras coisas. Mas isso não é matéria sobre gays, é de turismo ou lazer! O gay nada mais é que um gancho para ela falar sobre o que sabe.

Uma semana antes da parada teve um protesto de punks que causou prejuízos na Avenida Paulista, e naquela reportagem faziam conexões com a parada que aconteceria sete dias depois, quer dizer, tentavam associar o evento à violência. Além disso, quando cobrem a parada gay, entrevistam apenas drag queens ou outras figuras caricatas, e nunca os caras barbados que estão na esquina. Fazem isso porque não sabem abordar essa figura próxima mas diferente.

JB – O seu livro também fala de programas de humor como Zorra Total, que trabalham com estereótipos…
IRR – No geral, programas de humor utilizam a caricatura gay da pior forma possível. O Zorra Total agora tem o Serginho do BBB e um outro cara que é igual a ele. Eles só trabalham numa loja, só disputam o bofe. Assistindo àquilo, fica claro que nem a pessoa mais afetada é tão fútil. Parecem palhaços que não têm vida nem família, só pensam em sexo.

Mas não precisava ser assim. Aqui em São Paulo, por exemplo, tem um grupo de teatro que se apresenta às terças chamado Terça Insana. Um dos personagens se chama Betina Botox. É um gay superfeminino e o tempo todo conta piadas, mas em momento nenhum ele é desqualificado, o tempo todo mistura a graça com a identidade.

JB – As novelas agora quase sempre têm gays entre os personagens. Isso é uma evolução na representação homossexual?
IRR – Seria se ocupassem papéis ligados à trama central. Mas, ao contrário, estão em historinhas paralelas, de modo que, se você tirar o personagem de um dia pro outro, ninguém perceberá. Os autores os colocam porque existe pressão de grupos organizados que querem exposição na mídia. Em política sempre se adota um pouco o outro, porque isso encerra a discussão, mas a questão em si nunca acaba.

JB – E o Big Brother?
IRR – Achei a concepção inicial deste último BBB fantástica, porque incluíram muitos personagens de setores GLS. Mas depois a produção cerceou os gays: eles não podiam manifestar afeto ou desejo. Di Cesar, por exemplo, começou a conversar muito com o Dourado: a TV mostrava que eles estavam se aproximando, até que Bial começou a insinuar que estava rolando alguma coisa. O sujeito se trancou no armário e qualquer tentativa de sair foi reprimida. O BBB colocou todos no armário, no meio do caminho.

Fonte: Jornal do Brasil