Renato Rabelo: o novo papel do Brasil na política internacional
A iniciativa do Brasil e Turquia em mediar um acordo com o Irã, nas últimas semanas, teve uma grande repercussão no mundo e no país, na tentativa de evitar as sanções impostas pelas potências comandadas pelos Estados Unidos.
Por Renato Rabelo*
Publicado 24/05/2010 08:57
Em Madri, na Espanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi explícito: colocou em questão o papel de “xerife” dos EUA no Oriente Médio, e enfatizou que o Brasil pretende ser um “grande ator político internacional”. Desnudando seu caráter imperialista-belicista, em resposta relâmpago, o governo norte-americano fez letra morta acerca do empreendimento Brasil-Turquia pela solução negociada. Washington ignorou esta negociação. Respondeu não ser possível nenhum acordo com o Irã. As sanções, e mais duras ainda, são a única resposta que os Estados Unidos querem dar a este país.
Do ponto de vista estratégico do imperialismo norte-americano, essa região tem papel fundamental para seus objetivos expansionistas hegemônicos (mais importante que a América Latina). Na ótica deles o equilíbrio da região se funda em ter uma cabeça de ponte que mantenha a superioridade militar em relação aos demais – papel desempenhado por Israel — e aliados que defendam seus propósitos. Em conseqüência procura coibir e aniquilar qualquer pretensão de autonomia soberana de países e, mais ainda, de qualquer ameaça à hegemonia militar israelense.
Na verdade, o caso do Irã não se resume à questão nuclear. Vai muito além disso. A pretensão imperialista é abrir caminho com sanções crescentes para tentar coagir e desestabilizar o regime atual iraniano, tendo à frente o presidente Mahmud Ahmadinejad.
Sob pressão conservadora interna, o governo Barack Obama não pode demonstrar vacilação, ou fracasso de sua diplomacia, que deve sustentar o plano de domínio dos Estados Unidos sobre a região.
Outro fator da rápida resposta dos Estados Unidos é impedir a ascensão de novos atores globais, sobretudo nessa região. Não há interesse da parte dos Estados Unidos que o Brasil ascenda a um papel de líder emergente regional, quanto mais de ter um papel destacado de ator protagonista na arena mundial.
A mediação do Brasil em Teerã acabou sintetizando o novo papel do Brasil na política global. ¨Acordo reflete ascensão das potências regionais emergentes¨ (diz o jornal inglês Financial Times, de Londres).
O ascenso de potências emergentes, por outro lado, se dá num quadro de crise de grande dimensão dos países centrais. Hoje, os próprios círculos acadêmicos e jornalísticos americanos discutem o declínio do papel de potência unipolar exercido pelos Estados Unidos. Os conservadores americanos chamam Obama de fraco e inepto. Constatam que tem um presidente com poder em declínio. ¨Mas o declínio não é da pessoa de Obama. Outra pessoa não seria diferente. Os tempos mudaram. O poder dos Estados Unidos está reduzido – em termos relativos e absolutos também”. “A guerra ‘rápida’ no Iraque, está agora no seu oitavo ano”. E emblematicamente: “Fazemos mais guerras do que nosso dinheiro permite”. É o fim do sonho americano (todas estas citações são do diário americano The Washington Post).
Duas posições antagônicas no Brasil
É Importante levar em conta como reage a elite dominante conservadora do Brasil. Através da grande mídia, a oposição expressa seu pensamento: “não temos credenciais para nos meter em assuntos que não nos concerne. “Vamos perder credibilidade internacional” – Perguntamos para quem? Ao contrário, a credibilidade do Brasil é crescente no plano internacional, em função da nova política externa. E o jornal O Globo, em editorial, toma claro partido: “O Brasil adota política arriscada de confrontos sistemáticos com Washington “. E mais: “A opção brasileira pôs em risco um esforço necessário da comunidade internacional (sic) para conter um foco de desequilíbrio que tornará ainda mais volátil a perigosa a situação do Oriente Médio”. É a mesma ótica dos Estados Unidos!
Sendo este um importante divisor de águas, deve-se perguntar: o Brasil vai continuar tendo papel subalterno, revelando um complexo de “vira-lata”, diante das grandes potências?
O Brasil não necessita da licença de terceiros para conduzir sua política externa. É o tempo do metalúrgico Luis Inácio, presidente da República. Por isso, eles abominam o governo de Lula. O jornal O Globo — que expressa a opinião e as idéias da elite conservadora — não se deu conta que o tempo é outro. Não é mais a época em que Otávio Mangabeira beijava a mão de Eisenhower e Vernon Walters dava ordens aos golpistas de 1964 (citado pelo jornalista Mauro Santayana). Assim constatamos que o Brasil mudou muito. Não podemos retroceder.
*presidente nacional do PCdoB