Sidnei Magal e a virada cultural de SP
Ô Magal, pega a minha mãe! gritou o rapaz no início do show do Sidnei, já no início da madrugada. Enquanto eu ria, a pessoa que vinha com o rapaz, como que justificando disse: “Já pensou ter um pai firmeza assim?” De pronto pensei que finalmente encontrara o mote perfeito para essa crônica.
Por Marcio Rosa*, em seu blog
Publicado 21/05/2010 12:07
A pretensão inicial, de tentar definir o que é a virada, certamente não se concretizará. Mas a frase inesperada, com tanta gente tão diferente se divertindo – desde os filhos de pais meio ricos e meio de esquerda até a moça da periferia que caiu sobre mim ao tentar subir nos ombros do namorado, passando pela desconhecida que meu conhecido flertava, por mim e pela bela que me acompanhava – naquele momento se fez como máxima determinatio.
A apresentação, feita por Rita Cadillac, seguida pela bombástica "O meu sangue ferve por você", foi tão violentamente popular que arrastou o Largo do Arouche em êxtase. A forma particular da mistura que marca a cidade, com suas situações típicas e as diferenças sociais tão profundas, encontrou ali uma maneira especial de se manifestar.
Não que essas diferenças sumissem ou mesmo se amenizassem. Outras coisas tem que acontecer para encerrar a luta de classes. Mas o que me impressionou foi o domínio popular alcançado por instantes. É das coisas que mais me agrada na virada: o povo da cidade se apropriando do que é seu, mas é constantemente negado.
Porque a virada, que só poderia acontecer na gigante São Paulo, terra da garoa certa, da esperança incerta, do trabalho, incessante – principalmente do povo pobre, em constante luta pela sobrevivência e pela felicidade – tem a mágica capacidade de fazer da cidade, ao menos por 24h, um lugar de alegria.
Claro que isso não é uma crítica de arte, tampouco uma análise política. Tem mais a ver com uma impressão sobre a natureza da cidade e das pessoas, sobre uma multidão que só poderia se reunir, desse jeito, na maior cidade do hemisfério sul, com suas quase 17 milhões de almas, em uma cidade que é enorme também em sua diversidade.
E acontece principalmente na sua bela região central – Ah! mas tão abandonada que o amante da descuidada Iracema teria um motivo a mais de lamento. A virada me mostrou que a dureza é muita, mas a vontade de superá-la também é maior ainda. E quando transborda, mesmo ao som do Sidnei Magal, arrasta a multidão.
*Marcio Rosa é sociólogo