Alemão: 120 anos de Ho Chi Minh, a constelação que ilumina
Neste artigo, o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Ricardo Alemão Abreu, recém-chegado de uma viagem ao Vietnã onde participou de seminário em homenagem aos 120 anos do líder Ho Chi Mnh, procura resgatar parte da trajetória que fez do vietnamita um dos principais nomes da história mundial. “Ho Chi Minh é fruto das qualidades de seu povo”, escreve.
Publicado 21/05/2010 17:13
Não conhecem o impossível.
A raiz faz forte a árvore;
A vitória tem a sua raiz no povo.
Ho Chi Minh
Revolucionário teórico e prático, estrategista militar, estadista, diplomata, poeta, Ho Chi Minh foi reconhecido pela Unesco em 1987 como “herói da libertação nacional do Vietnã e ilustre personalidade cultural da humanidade”. Nguyen Ai Quoc, nome de nascimento de Ho Chi Minh, nasceu há 120 anos, em 19 de maio de 1890, em uma aldeia do atual distrito de Nam Dan, na província de Nghe An, na parte central do Vietnã. Líder da independência nacional e da revolução socialista vietnamita, conduziu a luta de seu povo até sua morte, em 1969.
O Vietnã atual descende de uma civilização de mais de 5 mil anos, que historicamente sempre combateu com coragem a dominação estrangeira e as invasões de seu território. Escrevendo sobre os motivos que levaram o povo do Vietnã a derrotar tantos colonialismos e imperialismos no século 20, e vencer todos eles, Ho Chi Minh ressaltou que “a revolução e a resistência lograram a vitória graças à estreita unidade, ao grande entusiasmo, e à firme fé de nosso povo na vitória e a sua incrível perseverança na luta.”
Ho Chi Minh e a “bolsa mágica”
Em fevereiro de 1911, o jovem de Nam Dan adotou um pseudônimo e embarcou como ajudante de cozinha em um transatlântico. Segundo uma de suas biografias, Ho Chi Minh sentia em seu coração um profundo amor por sua pátria e seu povo, e nutria a nobre aspiração de descobrir e aprender com outras civilizações do mundo para poder, quando regressasse, ajudar os seus compatriotas a conquistarem a libertação nacional.
O jovem Nguyen Ai Quoc, antes de se tornar Ho Chi Minh, vivendo como trabalhador na França e em outras partes da Europa, indignava-se e alertava os trabalhadores europeus acerca da indiferença com que tratavam a luta dos trabalhadores nas colônias. A burguesia européia, por sua vez, autointitulava-se “civilizadora” e “raça superior”, e a colonização procurava justificar atos de selvajeria que cometia em nome desta “missão civilizadora”.
Em sua luta para compreender e derrotar a opressão colonial e social em seu país, o jovem vietnamita recebeu das mãos de um camarada as teses de Lênin e da Terceira Internacional, a Internacional Comunista, sobre o problema das nacionalidades e dos povos colonizados, publicados no L’Humanité, jornal do Partido Comunista Francês.
Há uma lenda no Vietnã que fala de uma “bolsa mágica”. Quando uma pessoa está em grandes dificuldades, é só encontrar a bolsa e abri-la para encontrar a solução. Para Ho Chi Minh, o marxismo-leninismo constitui-se na “bolsa mágica” para os revolucionários vietnamitas. Ele escreveu, em um artigo de 1960 chamado O caminho que me conduziu ao leninismo: “As teses de Lênin provocaram em mim uma grande emoção, um grande entusiasmo, uma grande fé, e me ajudaram a ver claramente os problemas. Minha alegria era tão grande que passei a chorar. Só, em meu quarto, gritava como se me encontrasse ante uma multidão: ‘Queridos compatriotas oprimidos e explorados, isto é o que nos fazia falta, este é o caminho de nossa libertação’!”.
Ho Chi Minh foi ao mesmo tempo um grande patriota e um convicto internacionalista. Em 1930 Ho Chi Minh liderou a criação do Partido Comunista da Indochina, região que compreendia, além do Vietnã, o Laos e o Cambodja. Durante toda a sua vida de revolucionário, ele sempre defendeu a libertação de seu povo e ao mesmo tempo o seu brado contra o colonialismo e o imperialismo ecoou por todo o mundo, ajudando a despertar os povos oprimidos por todo o globo.
Depois da proclamação da República Democrática do Vietnã, em 1945, o presidente Ho Chi Minh inaugura uma política externa baseada na abertura não somente aos países socialistas mas a todos os países e povos amantes da paz, da amizade e da cooperação internacional.
Depois da vitória em Dien Bien Phu
Em uma carta, escrita em 8 de maio de 1954, na qual felicitou o exército e o povo vietnamitas pela vitória da campanha militar que derrotou em definitivo, na batalha decisiva de Dien Bien Phu, as tropas francesas apoiadas pelos EUA, Ho Chi Minh demonstrou sua visão realista sobre o que o futuro próximo reservaria para a epopéia dos vietnamitas.
Disse ele: “nossa vitória é extraordinária, mas não é ainda definitiva. Não devemos envaidecer-nos de nossos êxitos e nem sermos subjetivos e subestimar o inimigo. Nós conduzimos com decisão a resistência para alcançar a independência, a unidade, a democracia e a paz. Mediante as armas e com a diplomacia devemos desenvolver uma duradoura e dura luta antes de chegar a uma vitória total.” E termina a carta com o bordão que ficaria famoso no discurso dos líderes cubanos: “Venceremos!”.
E o povo vietnamita realmente venceu, depois de enfrentar a dominação e a agressão do colonialismo francês e dos imperialismos japonês e estadunidense. Em 2010 comemoramos em 30 de abril os 35 anos da vitória contra a agressão dos EUA. Discursando para uma delegação cubana que visitava o Vietnã em 1966, da qual fazia parte o dirigente Raúl Castro, Ho Chi Minh previu acertadamente o que ocorreria até 1975, com a vitória final na guerra pela independência.
“O imperialismo norte-americano”, disse ele em seu discurso, “desatou uma guerra de agressão para conquistar o nosso Vietnã, no entanto está sofrendo grandes derrotas. (…) Contudo, o imperialismo ianque é muito obstinado. Quanto mais se acerca da derrota final, tanto mais freneticamente se comporta. Agora está preparando febrilmente nova escalada com vistas a intensificar e estender a guerra de agressão no Vietnã. Mas fracassará totalmente. O povo vietnamita, milhões de pessoas como uma só, tendo uma decisão férrea e gozando ademais do apoio cálido dos países socialistas, dos países amantes da paz e da humanidade progressista, está decidido a combater até a vitória final.”
Marxismo-leninismo e o pensamento de Ho Chi Minh
O ideário de Ho Chi Minh, para o Partido Comunista do Vietnã, é o desenvolvimento criador do marxismo-leninismo aplicado à realidade nacional vietnamita, é a teoria revolucionária adaptada às características e particularidades históricas e culturais do Vietnã. O pensamento de Ho Chi Minh é a sistematização de conceitos acerca das questões específicas e basilares da revolução vietnamita.
São idéias cujo alcance ultrapassa os limites do sudeste asiático e que influenciaram o movimento revolucionário principalmente na Ásia, África e América Latina. No chamado Sul do mundo, a luta pela independência nacional entrelaça-se com a luta pelo socialismo. E esta é a essência do pensamento de Ho Chi Minh, e a lei maior da revolução vietnamita.
Uma das grandes contribuições de Ho Chi Minh para a teoria revolucionária é a relação indissolúvel que estabelece entre a independência nacional e o socialismo nos países colonizados e subjugados pelo imperialismo. Nesses países, dizia ele, a libertação social da classe trabalhadora depende em primeiro lugar da conquista da independência e da soberania nacional. No pensamento de Ho Chi Minh, a independência nacional é a condição primeira para realizar o socialismo, e o socialismo é o que garante solidamente a independência nacional.
Ao estabelecer esta relação entre a libertação nacional e a libertação social, Ho Chi Minh não subestima os interesses de classe dos trabalhadores, pois para ele a verdadeira independência nacional se implementa a partir do ponto de vista proletário, de classe: “Para salvar o país e libertar a nação, não há outro caminho que o da revolução proletária”.
Atualmente no Brasil o Programa Socialista do PCdoB também desenvolve esta relação entre o socialismo e a independência nacional. No item 25 lê-se o seguinte: “Somente o socialismo é capaz de sustentar a soberania da Nação a valorização do trabalho, no esforço comum da edificação de um país soberano, democrático, solidário. Por sua vez, o socialismo não triunfa sem absorver a causa da soberania e da afirmação nacional”.
Ho Chi Minh e a renovação do socialismo vietnamita
Depois da vitória de 1975 e da reunificação do país, o Partido Comunista do Vietnã, já sem Ho Chi Minh que morrera em 1969, leva à frente a tarefa de edificação da sociedade socialista. Um marco nesse esforço é o ano de 1986, quando o Vietnã adota a política de renovação do socialismo, chamada Doi Moi, em vietnamita.
Estabelece-se um novo modelo de desenvolvimento socialista: a economia de mercado de orientação socialista com a direção do Estado, que obedece ao mesmo tempo às leis da economia de mercado e aos princípios do socialismo nos campos da propriedade, da gestão da produção e da distribuição. É um modelo que rejeita, por um lado, a economia de mercado liberal, e por outro, a economia de gestão burocrática e excessivamente centralizada.
O novo modelo visa a eficiência e o desenvolvimento acelerado das forças produtivas, e a garantia dos direitos dos trabalhadores e dos objetivos de um povo próspero, um país consolidado, uma sociedade justa, democrática e civilizada.
Renato Rabelo, presidente nacional do Partido Comunista do Brasil, em artigo denominado Ho Chi Minh, um revolucionário exemplar do século 20, faz a seguinte reflexão: “Se a própria revolução vietnamita por ele dirigida foi uma demonstração da capacidade do marxismo em se adequar a diferentes realidades, o recente desenvolvimento do país acelerado após 1986 é expressão desta forma não dogmática de se enfrentar a realidade”.
Com base na nova política, a economia do Vietnã tem crescido 7,5% ao ano, em média, nos últimos 24 anos, e o índice de pobreza reduziu-se de 58%, em 1990, para 13% em 2008. A sociedade vietnamita vive uma fase de intensa modernização e de grande otimismo.
A constelação que ilumina
Ho Chi Minh, ou “aquele que ilumina”, foi um homem franzino e simples, com uma enorme força de caráter. A luta do povo vietnamita, liderada por ele, projetou-o como um gigante delgado pelos céus de todos os continentes. Sua imagem simpática e suas profundas convicções humanistas fizeram-no o Tio Ho, cujos sobrinhos são as crianças e os jovens, do Vietnã e de todos os países do mundo.
Certa feita, Ho Chi Minh disse que “um exemplo de vida é mais valioso que cem textos de propaganda”. Sua vida modesta e humilde, e seu trabalho incansável pela causa da libertação nacional e social do povo do Vietnã, o transformaram em uma liderança que realmente iluminava pela força das idéias e do exemplo pessoal.
Toda essa luz, porém, Ho Chi Minh encontrava e recolhia da energia e da alegria dos vietnamitas. As fontes de todas as vitórias deste povo foram e são a unidade e a coesão, aliadas à determinação de lutar por sua independência, por sua liberdade e por sua felicidade, custasse o que custasse, custe o que custar. E todos sabemos que custou muito, inclusive milhões de vidas humanas, para que a estrela amarela de cinco pontas brilhasse hasteada em todo o território vietnamita.
A estrela estampada na bandeira vermelha da República Socialista do Vietnã é ao mesmo tempo o símbolo deste povo que ilumina por sua singeleza e humanidade, e o símbolo do internacionalismo por representar os cinco continentes. Em outras palavras, simboliza a solidariedade internacional e o caráter nacional, tão especial, do povo vietnamita.
Como diz Alberto Anaya Gutiérrez, principal dirigente do Partido do Trabalho do México, ao apresentar a edição em espanhol dos Escritos Políticos de Ho Chi Minh,“fundidos em um mesmo esforço heróico e um mesmo destino, Ho Chi Minh e seu povo se converteram em símbolo visceral de luta contra o colonialismo, o imperialismo e a exploração dos povos do mundo pelas potências capitalistas. Seu nome se destaca entre as mais altas referências mundiais da esquerda revolucionária, muito mais além dos limites de seu país”. Essa fusão natural entre o povo e sua liderança é uma marca característica da história da revolução vietnamita e de Ho Chi Minh.
Ho Chi Minh é fruto das qualidades de seu povo, das melhores tradições populares de seu país, da circunstância histórica, da inteligência científica e revolucionária coletiva de sua época, e também de seu talento e dedicação pessoal. A liderança de Ho Chi Minh, apoiada na milenar sabedoria do povo, resolveu o problema levantado pelo artista brasileiro Raul Seixas em uma de suas músicas, quando este dizia que o problema é “muita estrela pra pouca constelação”. Para o povo e o Partido Comunista do Vietnã esse não é o problema, pois todo o povo é uma só constelação, são as “milhões de pessoas como uma só”.
O último desejo de Ho Chi Minh
Em seu Testamento político, de 1969, Ho Chi Minh declara que o seu último desejo é: “Todo nosso Partido estreitará sua unidade e lutará pela edificação de um Vietnã pacífico, reunificado, independente, democrático e próspero e contribuirá dignamente à causa revolucionária mundial”. Os comunistas e o povo vietnamita atenderam ao último pedido da sua maior liderança nacional. Ho Chi Minh vive, de muitas formas ainda vive, e fez 120 anos no dia 9 de maio de 2010.