Os EUA e o acordo no Irã: A invasão ficou mais difícil
Os poderosos precisam enviar permanentemente sinais de força; seus arsenais carecem de testes práticos e seus complexos tecnológico-industriais, de encomendas. Assim, a invasão do Irã estava traçada: diabolização de suas lideranças, imposição de apertos econômicos, fomento à oposição política interna, convencimento da opinião mundial de que a bomba atômica estaria sendo preparada e que o mundo ficaria mais feliz com Ahmadinejad enforcado.
Manuel Domingos Neto*
Publicado 20/05/2010 11:14
Usado no caso iraquiano, tal roteiro se desenvolvia rapidamente até a entrada em cena de dois emergentes, Brasil e Turquia, ambos sem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Os EUA e seus grandes aliados, com insolúveis crises internas e, externamente, em déficit de legitimidade, não queriam nem querem acordo. Caso contrário, a primeira iniciativa seria a desativação das ogivas israelenses. Sem perspectivas promissoras à vista, os mandões pretendem manter a todo custo a autoridade conferida pelo monopólio da arma nuclear, o mais terrível instrumento de destruição em massa já inventado.
Correndo por fora, Brasil e Turquia, com experientes e atrevidos chanceleres, Celso Amorim e Ahmet Davutoglu, bagunçaram-lhes o coreto ao promover o inesperado acordo com o Irã e ao escancarar o fim do alinhamento automático que marcou até recentemente suas políticas externas.
Ficou mais difícil cumprir o roteiro agressivo e menos convincente a ilusão de que podem continuar mandando indefinidamente. Desconcertados, restaram-lhes declarações amarelas de descrença na sinceridade iraniana e admoestações arrogantes a Lula, protagonista maior do espetáculo. Prosseguirão, sem dúvida, seus intentos bélicos, porém não mais com a mesma facilidade.
Ao lutarem pelo acordo, Brasil e Turquia defenderam seus próprios interesses e os interesses da paz. Apenas potências decadentes lucrariam com a insegurança global ensejada por uma nova guerra; apenas governantes carentes de reconhecimento se beneficiariam com os surtos de unidades nacionais propiciadas por mobilizações guerreiras. Não é este o caso do Brasil de Lula nem da Turquia do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan.
A propaganda dos mandões destacou a decisão iraniana de continuar enriquecendo urânio a 20%. Ora, o acordo tranqüilizaria a todos quanto à fabricação da bomba, mas não implicaria em renúncia ao domínio da tecnologia nuclear, já que isso comprometeria o desenvolvimento.
Esta tecnologia não se limita a geração de bombas e a geração de eletricidade; se presta a incontáveis aplicações, da medicina à agricultura, da navegação aérea aos utensílios domésticos. Caso o Brasil e a Turquia acatassem a completa interdição da tecnologia para os iranianos, trairiam suas próprias pretensões de autonomia.
Os brasileiros, que não querem a bomba, jamais abdicariam do enriquecimento do urânio. Destaque de nossa agenda estratégica, inclusive, é o submarino movido a energia nuclear, com maior capacidade de dissuasão. Hoje, apenas cinco países dispõem dessas máquinas impressionantes e de autonomia para fabricar seu combustível. Abandonar o enriquecimento de urânio, a rigor, seria persistir reverenciando uma ordem mundial em franco declínio.
Ao repelir o acordo brasileiro-turco-iraniano, o Conselho de Segurança da ONU entoa música antiga a ouvidos ansiosos por novas harmonias.
*Manuel Domingos Neto é professor de Ciência Política da UFF, pesquisador do NEST, editor de “Tensões Mundiais”. Título do Vermelho