Insistência em sanções revela natureza agressiva dos EUA
A secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, veio a público nesta terça-feira (18) para insistir mais uma vez na aplicação de sanções contra o Irã, por causa do programa de energia nuclear conduzido pelo país persa. A administração Obama procura assim retirar a importância das negociações que conduziram o Irã a fechar um importante acordo no último fim de semana com o Brasil e a Turquia sobre a questão nuclear.
Publicado 18/05/2010 18:38
Há cerca de oito meses a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) propôs de forma vaga ao governo iraniano a troca de urânio levemente enriquecido por combustível nuclear processado fora do Irã, uma proposta que teve o patrocínio dos Estados Unidos e seus aliados.
O Irã reclamou que a AIEA não detalhou o acordo, nem dialogou sobre as quantidades de urânio envolvidas na troca e o local onde seriam realizadas, impedindo concretamente a assinatura de um acordo entre as duas partes, pois não teria salvaguardas que garantissem a entrega de combustível.
Postura do "não vi e não gostei"
Hillary mantém a pressão, brandindo as mesmas ameaças de sanções, e mais uma vez procura envolver Rússia e China no apoio às medidas contra o Irã.
“Esse anúncio" disse Hillary, "é a resposta mais convincente aos esforços ocorridos em Teerã nos últimos dias que poderíamos dar" bradou Hillary. A tal resposta revela de maneira esclarecedora que os Estados Unidos se negam a realizar qualquer tipo de diálogo com o Irã. Não há novidade nisso, na história da política externa americana. É uma manobra já utilizada em outras ocasiões, contra outros países que não se submetem ao jugo americano.
Ao longo dos últimos 20 anos, os Estados Unidos tem feito soçobrar de forma ininterrupta todos os esforços pela paz na Península Coreana, agindo de maneira semelhante ao modo como age contra o Irã.
Motivada pelas consequências econômicas negativas da perda dos seus parceiros de comércio do bloco soviético e de uma sequência de terríveis tempestades e secas, a Coreia do Norte procurou há mais de uma década normalizar as relações com os EUA.
Esta aproximação envolveria a remoção das sanções que Washington mantém contra Pyongyang há mais de cinquenta anos (embora algumas tenham sido levantadas parcialmente pela administração Bill Clinton) bem como o apoio dos EUA à admissão da Coreia do Norte em instituições multilaterais (o que Washington impede de todas as formas).
Diante das negativas dadas pelos Estados Unidos, restou para a Coreia do Norte apenas uma coisa que obrigaria os americanos a dialogarem: os receios de Washington em relação ao seu programa nuclear. Assim, de forma decidida, o governo norte-coreano jogou a sua carta nuclear. O Acordo "Quadro de 1994", que pôs termo à primeira crise nuclear da península, representou um início limitado mas promissor de melhores relações.
A RPDC prometeu congelar e desmantelar o seu programa nuclear. Em troca, o governo estadunidense concordou em fornecer novos e menos ameaçadores reatores baseados em água leve, pôr fim ao embargo e normalizar as relações.
No entanto, como é natural no imperialismo americano, os EUA quebraram seu compromisso. Apostando que as dificuldades econômicas levariam a RPDC a um colapso, a administração Clinton fez poucos esforços para vencer a oposição de um Congresso hostil à normalização ou para assegurar a construção dos novos reatores dentro dos prazos acertados.
Além disso, e graças em parte aos esforços da Coreia do Sul – e em particular ao histórico encontro entre o presidente sul-coreano Kim Dae Jung e o presidente norte-coreano Kim Jong Il em Pyongyang em junho de 2000, seguido quatro meses mais tarde pela visita da secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, a Pyongyang – uma melhoria real das relações entre as duas nações parecia possível.
No entanto, as administrações Bush e Obama fizeram tudo, até o momento, para sabotar estes progressos. Bush repudiou o "Acordo Quadro", criticou o sul coreano Kim Dae Jung pelos seus esforços no sentido da reconciliação e declarou a sua determinação em derrubar o governo da RPDC, que foi incluída no seu infame "eixo do mal".
Obama falou grosso, quando a RPDC realizou testes com mísseis considerados "ameaçadores". "As tentativas da Coreia do Norte de desenvolver armas nucleares, bem como seu programa de mísseis balísticos, constituem uma ameaça à paz e à segurança internacionais", trombeteou Obama em 2009.
Caminho contra Irã é semelhante
Em 23 de outubro de 2009, as agências anunciavam que os Estados Unidos aprovavam a proposta nuclear da AIEA para o Irã. Segundo nota reproduzida pelo vetusto "O Estado de S.Paulo", da mesma data, "os Estados Unidos aprovaram hoje a proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para encerrar o impasse em torno do programa nuclear iraniano, informou a Casa Branca".
Dizia a nota que o regime americano dava o sinal verde à proposta do ex-diretor-geral da AIEA, Mohamed El Baradei, por meio de uma declaração do porta-voz do Conselho Nacional de Segurança, Mike Hammer. O acordo não foi viabilizado porque nenhuma outra negociação foi conduzida com o Irã, que pretendia algumas salvaguardas para garantir o sucesso do acordo.
Em abril deste ano Philip Crowley, porta-voz da diplomacia americana, declarou que os Estados Unidos ainda se interessavam pelo acordo de troca de urânio por combustível, "continuamos dispostos a propô-la se o Irã estiver interessado".
As salvaguardas seriam a troca do urânio em território iraniano e a especificação de quantidades e porcentagem de enriquecimento. Ainda, o Irã pretendia comprar urânio para enriquecê-lo.
Sem urânio
As atuais reservas do mineral estão praticamente esgotadas no país, segundo o consultor brasileiro da AIEA, Leonam dos Santos Guimarães. "Há muito tempo que o Irã trabalha com a mesma quantidade de combustível. Eles têm um estoque limitado, resultado de extração de uma pequena mina, hoje esgotada, e de compras passadas", comenta.
"Entre outubro e agora, eles simplesmente não tiveram como aumentar seu estoque, até porque ninguém vendeu urânio ao Irã nesse tempo. Não dá para gerar urânio a partir de nada. É verdade que o urânio que eles têm pode ter sido mais enriquecido, mas a quantidade não tem como aumentar. Esse argumento insinua a possibilidade de o Irã continuar a fabricar uma arma nuclear com um estoque de urânio escondido, mas isso é totalmente falso", opina o consultor, em entrevista dada ao site Opera Mundi.
Atitudes incoerentes
Antes da reunião entre os três países — Brasil, Irã e Turquia — no último fim de semana, a chancelaria americana martelou na mídia que o Irã "não desejava dialogar" nem "mudar de postura". Fontes do governo americano chegaram a dizer que seria a "última chance" do Irã na questão.
Hillary fez questão de destratar os esforços pelo diálogo e pela diplomacia, afirmando na última sexta-feira que "a conversa entre o presidente Lula e o presidente [russo] Medviédev em Moscou ilustrou a montanha que os brasileiros estão tentando escalar. Eu disse a meus colegas em muitas capitais do mundo que eu acredito que não teremos nenhuma resposta séria dos iranianos até que o Conselho de Segurança aja".
O acordo obtido por Lula com o Irã demonstrou que, por meio do diálogo sincero, é possível escalar qualquer montanha, desde que exista vontade política para isto. O Irã demonstrou que está aberto à diplomacia e à negociação honesta, enquanto os Estados Unidos, ao insistirem na aplicação de sanções, mostram claramente seu empenho de destruir a soberania do Irã, com o que estão provocando e alimentando tensões e crises na região do Oriente Médio, com reflexos em todo o mundo.
Da redação, com agências