Maracanazo: a ferida indolor
Foi com um grito desesperado que o personagem protagonizado por Antônio Fagundes subiu as escadas do túnel do Maracanã, e, atrás da meta, chamou o goleiro da seleção brasileira na vã tentativa de evitar o iminente gol de Ghiggia.
Por Daniel Ilirian
Publicado 12/05/2010 20:36
A provocação irônica do curta-metragem produzido em 1988, por Ana Luíza Azevedo e Jorge Furtado, é a de que na tentativa do já maduro torcedor de voltar aos tempos de sua infância para mudar o resultado da final da Copa de 1950, acaba por desviar a atenção do arqueiro que não vê o chute do atacante uruguaio e a bola acaba por morrer em sua rede, da mesma maneira como ficou na História. O alento que a fantasia poderia trazer se choca com a frieza que os fatos não apagam.
A Copa do Mundo realizada no Brasil foi a primeira depois da Segunda Guerra Mundial e em especial ocorre no país após o Estado Novo, quando Getúlio Vargas implantara uma ditadura. A construção do estádio Mário Filho, o Maracanã, iniciada em 1948 e a sua inauguração em junho de 1950 foi um marco de grandes obras iniciado no governo Dutra, cuja intensidade aumentaria na volta de Vargas ao poder numa política que ficou conhecida como desenvolvimentismo nacionalista e provocou um grande crescimento industrial modificando consideravelmente a infra-estrutura brasileira, porém sem conseguir resolver os graves problemas sociais.
O desenvolvimentismo nacionalista foi em sua essência uma ilusão de progresso vendida à sociedade brasileira. E foi com esta mesma ilusão, vivida a partir dos anos cinquenta, que o torcedor brasileiro se dirigiu ao recém construído estádio carioca, na tarde de 16 de julho de 1950, para assistir ao último jogo da Seleção que até então aplicara duas goleadas contra Espanha e Suécia, que ao lado de Inglaterra, Suíça, Itália e Iugoslávia, foram os representantes do continente europeu, juntos ao EUA, México, Paraguai, Bolívia e Chile, para a realização do maior evento esportivo do planeta.
Brasil e Uruguai chegaram à partida decisiva sendo que os anfitriões jogavam por um simples empate para levantarem o caneco. O resultado todos já sabem. O Brasil era amplo favorito devido aos espetáculos que a equipe proporcionara até o jogo decisivo. O Uruguai, porém , não ficava para trás com um elenco de jogadores campeões nacionais em sua base. Friaça, jogador do Vasco da Gama, abria o placar que aumentaria a vantagem brasileira. Porém, a dupla uruguaia, Schiaffino e Ghiggia, tratou de enterrar o sonho da conquista do primeiro mundial. O bravo goleiro Barbosa, considerado como um dos maiores da história, ficou marcado pela derrota, acusado de falhar em ambos os gols. Certamente uma injustiça cujo desabafo Barbosa fez anos depois em entrevista. Porém, a questão levantada principalmente quando temos no horizonte próximo a realização de uma nova Copa do Mundo no Brasil em 2014, é de que com os parcos registros de imagens existentes sobre o Maracanazo, cuja esolução é muito ruim, considerando obviamente os recursos que havia na época, como ter alguma dimensão do que realmente significou a derrota para o Uruguai?
Se o futebol tem na paixão a sua essência, fica praticamente impossível, principalmente para quem não viveu este período, ainda mais considerando a grande parcela de jovens que hoje constitui a população brasileira, conseguir minimamente se sensibilizar com a enorme frustração sentida pelos torcedores durante aquele jogo. Os números, jogos, resultados e escalações das equipes são informações que soam apenas como conhecimento semelhante ao que uma criança possa ter sobre a Conquista da América, sem que haja qualquer identificação com o fato.
Por isso, voltamos ao torcedor fictício que viaja no tempo, e assim fazemos justiça à dramaticidade que o curta nos oferece e permite aquilo que as imagens e registros reais não deixam: chorar pela derrota brasileira.
Na toada de sentimentos opostos como a alegria e a tristeza, tão intensos como o espetáculo do futebol é capaz de proporcionar ao torcedor, a Copa de 1950 se torna algo realmente insosso e indiferente. No entanto, fica para a geração atual, enquanto degusta a Copa de 2010, a possibilidade de testemunhar o evento em 2014, pensando em tudo o que já se disse sobre o Maracanazo e no significado que se procurou dar a ele e daí então poder de fato ressignificar a história e quem sabe, com um desfecho mais feliz.