Em Washington, Lula defende eliminação total das armas nucleares
No discurso que fará durante a Cúpula sobre Segurança Nuclear, iniciada nesta terça-feira (13), em Washington (EUA), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai defender, enfaticamente, a eliminação total de todos os arsenais nucleares do planeta. A intervenção de Lula foi antecipada à imprensa pelo Ministério das Relações Exteriores.
Publicado 13/04/2010 12:55
“O modo mais eficaz de se reduzir os riscos de que agentes não-estatais utilizem explosivos nucleares é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais nucleares”, deve dizer Lula aos representantes dos 47 países reunidos na cúpula. Os princípios que regem o discurso estão em sintonia os postulados dos movimentos pela paz.
“Quanto maior a quantidade de armas nucleares e sua disseminação, maiores as dificuldades e custos associados a sua proteção. O desarmamento nuclear e a não-proliferação constituem componentes essenciais de qualquer estratégia efetiva que vise alcançar os objetivos da segurança nuclear”, registra o texto com o discurso do presidente.
Confira abaixo a íntegra da provável intervenção de Lula.
Desde o advento das aplicações pacíficas do átomo, a segurança nuclear tem sido fundamental para se assegurar o pleno aproveitamento dos benefícios gerados pela tecnologia nuclear.
Hoje, enfrentamos novos desafios nessa área, em particular o risco de que agentes não-estatais, em particular grupos terroristas, tenham acesso a materiais ou armamentos nucleares para propósitos ilícitos.
O Brasil está comprometido com ações nacionais e internacionais para combater o terrorismo nuclear. Qualquer ato terrorista, praticado sob qualquer pretexto, é condenado de forma veemente pelo Brasil. O repúdio ao terrorismo é um dos dez princípios constitucionais que regem nossas relações internacionais.
É importante, por outro lado, evitar que a preocupação legítima com o terrorismo nuclear prejudique o direito de acesso, uso e desenvolvimento da energia nuclear para fins pacíficos.
O modo mais eficaz de se reduzir os riscos de que agentes não-estatais utilizem explosivos nucleares é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais nucleares.
É essencial que as armas nucleares, até sua eliminação total, estejam absolutamente seguras. Quanto maior a quantidade de armas nucleares e sua disseminação, maiores as dificuldades e custos associados a sua proteção. O desarmamento nuclear e a não-proliferação constituem componentes essenciais de qualquer estratégia efetiva que vise alcançar os objetivos da segurança nuclear.
O Brasil não abre mão de cobrar de todos os Estados-Parte a observância dos objetivos do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Esperamos que a Conferência de Exame do TNP, a realizar-se em maio, produza resultados concretos. O sucesso da Conferência somente será possível mediante o tratamento equilibrado dos três pilares do Tratado. A necessidade de se avançar o processo de desarmamento nuclear é a maior prioridade, até porque, somente com o fim das armas nucleares, teremos garantias plenas quanto à não-proliferação.
Outras dimensões devem, no entanto, ser consideradas na seara da segurança nuclear. Em meu País, estamos conscientes disso, especialmente após grave acidente radiológico na cidade de Goiânia, em 1987, envolvendo uma fonte radioativa medicinal (Césio-137).
Desde aquela época, fortalecemos e aprimoramos nossa autoridade nacional regulatória, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). A CNEN, hoje, exerce controle estrito sobre as mais de 50 mil fontes radioativas utilizadas para inúmeras atividades pacíficas no Brasil, em áreas como medicina, indústria e pesquisa.
O Brasil possui uma legislação robusta, eficiente e adequada nas áreas de proteção física e prevenção do terrorismo. Estão incorporadas à legislação interna todas as normas relacionadas à proteção física de bens, materiais e equipamentos sensíveis constantes dos acordos e regimes de que somos parte. O Brasil é parte de todas as convenções da AIEA sobre a matéria e de treze acordos multilaterais e regionais sobre combate ao terrorismo.
A segurança nuclear é responsabilidade primária de cada Estado. Trata-se, porém, de uma preocupação coletiva de toda a comunidade internacional. Devemos, pois, trabalhar juntos para assegurar a adoção universal dos mais altos padrões de segurança.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) é a única instituição multilateral de escopo universal com competência e experiência no assunto. Apoiamos a atuação da AIEA na elaboração de diretrizes para a proteção física dos materiais; na conscientização das autoridades nacionais quanto à importância do tema; e no treinamento para a implementação das medidas adequadas.
A cooperação internacional é essencial para se alcançar os objetivos abrangentes da segurança nuclear. Iniciativas bilaterais, plurilaterais ou outros esforços, ainda que relevantes, não podem sobrepor-se ao papel central e primário de organizações multilaterais pertinentes, como a AIEA.
Considerações relacionadas à segurança nuclear não podem em absoluto servir como pretexto para dificultar o acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos.
O Brasil tem fornecido à comunidade internacional todas as garantias de que suas atividades nucleares destinam-se exclusivamente a fins pacíficos. Essas garantias têm sido dadas no plano bilateral, por meio de acordo com a Argentina; no plano regional, por meio do Tratado de Tlatelolco; e no plano multilateral, por meio do Acordo Quadripartite (Argentina, Brasil, ABACC e AIEA).
O Brasil aplica controles estritos e eficazes sobre transferências de bens sensíveis de uso na área nuclear. Nossa legislação incorporou todas as Diretrizes do Grupo de Supridores Nucleares.
Apoiamos a iniciativa do Presidente Obama de convocar esta Cúpula de Segurança Nuclear. Estamos dispostos a seguir cooperando com nossos parceiros e com instituições multilaterais nessa empreitada.
O tratamento adequado das preocupações relacionadas à segurança nuclear e, em contexto mais amplo, das questões relativas à paz e à segurança internacionais envolve a necessária reforma das instâncias decisórias máximas sobre tais temas, em especial o Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Não podemos falar em segurança nuclear sem pensar em que tipo de governança global administra a segurança internacional no mundo de hoje. Nas áreas comercial, financeira e de mudança do clima, vemos progressos, com o estabelecimento de arranjos mais representativos para lidar com os desafios do mundo atual. Mas na área de segurança internacional isso ainda não vem ocorrendo. Persistem as estruturas e as regras de 1945.
A ONU vem perdendo credibilidade. Ao não contar com um Conselho de Segurança mais representativo e com maior legitimidade -e cada vez mais descompassado com a realidade atual -, as Nações Unidas perdem espaço na governança da segurança internacional. Isso não interessa a ninguém.
O compromisso do Brasil com a segurança nuclear e com o combate ao terrorismo nuclear é inabalável. Reiteramos nosso apoio ao cumprimento do Comunicado Conjunto e do Plano de Ação a serem adotados nesta Cúpula. O Brasil está pronto a cooperar ativamente para um mundo mais seguro, em que paralelamente à eliminação de todos os arsenais nucleares – os materiais físseis e as instalações nucleares estejam protegidos.