O perigo vem das potências nucleares, não dos "terroristas"
Brasil, EUA e outros 45 países estarão reunidos em Washington, nestas segunda e terça (12 e 13), na Cúpula de Segurança Nuclear que discutirá a prevenção ao terrorismo nuclear. Com o encontro, o governo norte-americano tenta aumentar o controle sobre a produção e o comércio de material atômico. Especialistas, contudo, avaliam que o eixo do debate está equivocado. Para eles, o maior perigo não é o armamento nuclear cair nas mãos de terroristas, mas, sim, o fato de ele continuar existindo
Publicado 12/04/2010 18:05
A finalidade oficial da Cúpula é debater ações que as nações estariam dispostas a tomar para prevenir que armas nucleares sejam usadas por terroristas – protegendo materiais como plutônio e urânio enriquecido, que podem ser utilizados em explosivos.
A presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e do Conselho Mundial da Paz (CMP), Socorro Gomes, explica que nenhum grupo terrorista detém técnica, tecnologia, conhecimento ou estrutura para produzir armamento nuclear, e que só poderia, portanto, adquirir tal material nos países com armas nucleares.
"Ou seja, os Estados Unidos estão discutindo essa questão por um enfoque errado. Debatem o perigo de terroristas adquirirem armas nucleares. Mas o maior risco é termos ainda potências armadas até os dentes", colocou.
O pretexto da não proliferação
Ela lembra que, há mais de quatro décadas, os países nuclearmente armados ( como EUA, Rússia, China, França e Inglaterra) se comprometeram com o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)- que prevê o desarmamento e a possibilidade de enriquecimento de urânio apenas para fins pacíficos -, mas concentraram suas ações apenas na questão da não proliferação, a fim de garantirem o domínio nuclear nas mãos de apenas um seleto grupo de potências.
Estes países, ao invés de avançarem rumo ao desarmamento, pelo contrário, modernizaram seus arsenais nucleares. De acordo com o diplomata e ministro de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães, apesar disso, as potências amplificam as pressões sobre países não armados, como forma de restringir a difusão da tecnologia mesmo para fins pacíficos, a pretexto de evitar a proliferação.
"Os países nucleares, ao continuarem a desenvolver suas armas e, portanto, a intimidar os países não nucleares, estimulam a proliferação, pois os países que se sentem mais ameaçados procuram se capacitar. Isso ocorreu com a então União Soviética (1949), com a França (1960) e com a China (1964)", afirma o diplomata em artigo.
Protocolo adicional ao TNP
Seguindo a lógica das potências, a Cúpula de Segurança Nuclear deve ser palco também para novas cobranças aos países para que apoiem sanções ao programa nucelar do Irã e assinem o protocolo adicional ao Tratado de Não Proliferação.
Segundo Samuel Pinheiro, tal protocolo prevê a permissão para visita de inspetores, "sem aviso prévio, a qualquer local do território dos países não nucleares para verificar suspeitas sobre qualquer atividade nuclear, desde pesquisa acadêmica e usinas nucleares até a produção de equipamentos, como ultracentrífugas e reatores". Contraditoriamente, os países já armados nuclearmente, contudo, não são mencionados em tal acordo.
O Brasil, até então, se recusa a assinar o documento. "Não temos mesmo que assinar nada. O Brasil já é signatário do TNP, pelo qual os países não nucleares já se submetem a inspeção em todas as suas instalações nucleares. Então o acordo adicional serve apenas à espionagem industrial e para impedir o desenvolvimento soberano dos demais países", analisa Socorro Gomes.
De acordo com ela, a Cúpula pretende, sob o argumento falso do terrorismo, criar um clima "para a chantagem, a intimidação e a pressão sobre os países não armados, que não são a ameaça real". Para o Cebrapaz, o importante é lutar não apenas contra a proliferação, mas, principalmente pelo desmamento, uma vez que é justamente a ameaça provocada pelos países nucleares que provoca a proliferação.
Samuel Pinheiro Guimarães compartilha da mesma opinião. "O Protocolo Adicional constituiria uma violação inaceitável da soberania diante da natureza pacífica das atividades nucleares no Brasil, uma suspeita injustificada sobre nossos compromissos constitucionais e internacionais e uma intromissão em atividades brasileiras na área nuclear", escreveu.
Dois pesos e duas medidas
A Cúpula também deve ter como tema a busca por apoios às sanções contra o Irã. O Brasil tem se colocado contra as pressões sobre o país asiático, que afirma desenvolver urânio apenas para fins pacíficos. Socorro Gomes destaca que há uma inversão na maneira como esta questão está sendo tratada pelos Estados Unidos.
"O Irã é signatário do TNP e seu programa nuclear é para fins pacíficos, o que lhe é assegurado pelo próprio tratado. Ou seja, ao chantagearem o Irã, a fim de garantirem o domínio sobre a energia nuclear, os países armados violam o tratado," critica Socorro, lembrando que quem já fez uso de uma bomba atômica foram os próprios EUA.
"Não há controle sobre as potências. Israel, por exemplo, tem cerca de 300 ogivas nucleares e ninguém nunca viu fazerem fiscalização por lá", colocou, destacando que Israel sequer assinou o tratado. Na semana passada, Israel anunciou que o premiê Binyamin Netanyahu havia cancelado sua presença na Cúpula em Washington justamente por temer que o encontro fosse usado pela Turquia e o Egito para cobrar a assinatura do TNP.
A secretária de Estado, Hillary Clinton, em palestra na sexta (09) na Universidade de Louisville, minimizou o cancelamento e afirmou que o vice-premiê de Israel estará em Washington para a cúpula. "Israel compartilha conosco uma preocupação profunda com as ambições nucleares do Irã e também sobre a ameaça de terrorismo nuclear", defendeu a aliada de Israel.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Jonathan Schell, jornalista especializado em questões nucleares e professor da Universidade Yale, avalia que "precisamente porque os passos de desarmamento [dos EUA] foram tão modestos, imagino que os sucessos no setor de proliferação também serão modestos. Os países perceberão que viverão em um mundo com armas nucleares indefinidamente e se agarrarão ainda mais aos seus arsenais".
Por Joana Rozowykwiat,
Da Redação, com agências