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A Universidade, os direitos autorais e o acesso à informação

Desde 2006 o Ministério da Cultura(Minc) vem realizando debates públicos no sentido de reformar a Lei dos Direitos Autorais (9610/98). Na segunda quinzena de abril o projeto de reforma da lei entra em fase de Consulta Pública. Essa etapa tem por finalidade promover a participação da Sociedade no processo de tomada de decisão nas ações Governamentais.

Durante esse processo os usuários poderão fazer contribuições para a Consulta; acompanhar o andamento; enviar comentários; receber informações por e-mail dos novos comentários postados na consulta; e enviar retorno aos usuários, após a publicação da versão final. Depois disso a proposta retorna ao Minc para compilação das alterações propostas, é enviada à Câmara dos Deputados e depois ao Senado.

No sentido de contribuir com a Reforma, o Centro e Circuito Universitário de Cultura da UNE (CUCA) vem participando e organizando debates e reuniões acerca do tema. O assunto tem uma interface tanto educacional como cultural e os 'cuqueiros' vêm formulando suas opiniões. No próximo Congresso da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), de 15 a 18 de abril no Rio de Janeiro, e no 58º Coneg da UNE, de 22 a 25 de abril, também no Rio, o CUCA organizará grupos de debate sobre o tema, como forma de construir uma opinião cada vez mais abrangente sob o tema.

No texto abaixo, Eleonora Rigotti, do CUCA, explora um dos aspectos que tangem aos direitos autorais: o xerox.

A importância do xerox na vida universitária
Por Eleonora Rigotti*

Se é verdade que uma Universidade se faz com alunos e professores, também é verdade que todo estabelecimento de ensino possui hoje um Xerox. Grandes, pequenos, uns menos informatizados, outros mais. Fato é que a maioria esmagadora dos professores disponibiliza material em suas respectivas pastas e os estudantes, fotocopiam! Em grande escala.

Segundo estudo (disponível em www.gpopai.usp.br/relatoriolivros.pdf) do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai–USP), 1/3 da bibliografia básica obrigatória de 10 cursos da Universidade de São Paulo (USP) estão esgotados.

Os dados mostram claramente que a compra dos livros utilizados na Universidade (em oposição à cópia reprográfica de capítulos) não está ao alcance dos estudantes. Em todos os cursos, para mais de 3/4 dos estudantes, os custos anuais para a compra de livros está muito próximo da totalidade da renda familiar mensal ou mesmo a ultrapassa.

A realidade atual, de livros esgotados, bibliotecas com poucos (e às vezes nenhum) exemplares e condições sócio-econômicas não compatíveis com os gastos, faz com que os estudantes sejam impelidos a xerocar as obras. Entretanto, essa prática, apesar de difundida e fundamental para a vida acadêmica atual, não é tão tranquila quanto parece.Os Xerox vem sofrendo, desde 2004, uma intensiva fiscalização da ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) e muitos foram fechados.

Em cinco estados brasileiros – São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará e Rio Grande do Sul – universidades e diretórios acadêmicos (que muitas vezes abrigam os Xerox em suas instalações) foram processados pela realização de fotocópias. Até agora, 18 instituições foram acionadas na Justiça. A atual Lei de Direitos Autorais (9610/98) permite a reprodução de "pequenos trechos" das obras, sem definir porcentagens. Para a ABDR, estariam liberadas no máximo três páginas.

Na ausência de interpretação clara do Judiciário, adicionada à insegurança jurídica causada pelo vago termo da Lei, bem como da necessidade urgente de alunos terem acesso a material para estudo, no final de 2005 a FGV baixou uma Resolução idêntica à já emitida pela USP e pela PUC e que interpreta o termo “pequenos trechos”.

O Conselho Universitário da USP aprovou resolução para regulamentar a xerox de livros e de revistas científicas, segundo a norma, "serão liberadas as cópias de pequenos trechos dos livros para uso privado do copista [aluno], sem visar o lucro”. Na prática, está liberada a cópia de um capítulo de livro ou de um trabalho científico em revistas especializadas, disse o professor encarregado do parecer, Walter Colli. "A USP não quer cometer ilegalidade, mas também não quer impedir as formas clássicas de ensino", disse.

As infinitas possibilidades de interpretação da lei prejudicam os estudantes, que não têm outra saída a não ser xerocar as obras para estudar. O que é pequeno trecho de um livro de Medicina? Ou de História? Ao mesmo tempo, o que é pequeno trecho de um poema? Uma linha?

A interpretação é subjetiva, e o que me parece central é compreender o acesso democrático ao conhecimento como fundamental para o processo educativo, dentro e fora dos ambientes educacionais. Os direitos autorais devem ser respeitados, sim. Como expressos na Constituição Federal e na Declaração dos Direitos Humanos. Mas também cabe-nos diferenciar o direito dos autores do direito das editoras. O interesse público do privado.

Cercear a reprodução de obras já esgotadas, impor preços não condizentes com a realidade econômica do país e criminalizar estudantes e professores pela tentativa de distribuir e compartilhar conhecimento não são atitudes condizentes com uma perspectiva de democratização da Educação.

O setor editorial é muito beneficiado por recursos públicos,seja por meio de imunidade de tributos e não incidência de contribuições, seja pelo financiamento direto na produção de conteúdos, com o pagamento de cientistas ou bolsistas em regime de dedicação integral seja pelo financiamento de editoras universitárias públicas. Se faz necessária, portanto, uma contrapartida para a sociedade que o financia.

Cabe ao poder público garantir a contrapartida para a sociedade, através de meios legais, cada vez mais claros e coerentes com a realidade. O processo de Reforma da atual Lei dos Direitos Autorais (9610/98), que deve entrar em fase de consulta pública ainda este mês, é uma oportunidade para que as mudanças necessárias sejam colocadas, de forma a garantir que as demandas da sociedade sejam ouvidas. A livre reprodução das obras, sem restrições de tamanho, autor ou editor, para fins educacionais, deve ser conquistada e garantida
nesse processo.

A construção de uma sociedade mais justa e fraterna passa pela garantia do acesso e da difusão dos conhecimentos didáticos e científicos, pelo reconhecimento da Educação como um direito de todos e dever do Estado e do entendimento da Cultura como elemento transversal nesse processo.

* Eleonora Rigotti é estudante de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo e intregrante do Centro e Circuito Universitário de Cultura e Arte da UNE
 

Para participar da consulta pública sobre a reforma na lei de Direitos Autorais clique aqui. E, para saber mais sobre o assunto, clique aqui.