Pior chuva em 44 anos causa calamidade e 95 mortes no Rio
O Rio de Janeiro registrou volume de chuva recorde para um único dia – o maior em pelo menos 44 anos -, causando estragos, deslizamentos e 95 mortes em vários locais da região metropolitana desde a noite de segunda até a tarde desta terça-feira (6). Só na cidade do Rio, o número de mortes chega a 35, praticamente todas causadas por deslizamentos de terra. A tragédia só não foi maior por que as autoridades municipais, estadual e federal agiram rapidamente.
Publicado 06/04/2010 20:45
Institutos consultados pelo G1 apontam que o volume é o maior das últimas décadas. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os dados indicam que a quantidade foi a mais elevada desde 1962, há 48 anos, quando foi registrado o maior volume em único dia pela série histórica – a medição é feita desde 1917. Já segundo a prefeitura do Rio, o volume registrado bateu o das chuvas de 1966, há 44 anos, quando tempestades também causaram estragos no município.
O Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro (Georio), que analisa os dados pluviométricos de 32 locais da cidade, destaca que, somente nos seis primeiros dias deste mês, já choveu na maioria das estações mais do que em todos os meses de abril desde o início da série histórica.
Aquecimento global?
De acordo com meteorologistas, as chuvas fortes que atingem o rio são "anormais" para a época causadas por dois fatores: o calor acumulado na atmosfera, uma vez que as temperaturas registradas na cidade foram muito elevadas no verão e uma frente fria que passou pela região.
Para Lúcio de Souza, do Inmet, a frente fria é a principal razão. Gustavo Escobar, do Inpe, chama a situação de "anômala". "A frente fria que chegou, combinada com atmosfera carregada de umidade e o calor dos últimos tempos, foi um gatilho para o temportal. A combinação provocou esse evento anômalo."
Para o meteorologista Igor Oliveira, do Alerta Rio, ligado ao Georio, não é possível associar o fenômeno, que classificou de "atípico", com o aquecimento global, mas também não se pode descartar sua influência.
Para ele, abril deste ano vai ficar marcado. "As chuvas já estão acima do normal comparando com outros meses de abril, então mesmo que daqui para frente chova pouco, isso vai contribuir muito. A situação é anormal, embora haja uma explicação, que é a combinação da frente fria com a atmosfera quente e úmida. Muita gente gosta de dizer que é o aquecimento global, e essa é uma hipótese muito provável, mas não dá para saber, precisamos de estudos mais amplos."
Oliveira destacou que a maré alta na noite de segunda ajudou a favorecer os alagamentos na cidade do Rio.
Contraste com São Paulo
Apesar do número de mortes no Rio (95) ser superior ao número registrado durante as enchentes ocorridas em São Paulo –entre dezembro de 2009 a março de 2010, 78 pessoas morreram por causa dos temporais em municípios paulistas– chama atenção o contraste entre a ação rápida das autoridades do Rio em comparação com a morosidade dos órgãos públicos de São Paulo.
Enquanto a Prefeitura do Rio e o governo do Estado colocaram todos os seus efetivos em alerta e acionaram os canais de comunicação para orientar a população, em São Paulo levou dias para que o prefeito Gilberto Kassab (DEM) mostrasse alguma ação concreta para ajudar os atingidos pelas chuvas. Alguns bairros passaram semanas debaixo da água. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), praticamente não se pronunciou sobre o assunto durante o período mais grave dos temporais. Quem visitava as páginas eletrônicas da prefeitura de São Paulo e do governo do Estado no período em que ocorreram as enchentes tinha a impressão de que o problema era em outro estado, pois quase não havia informação nos sites sobre a tragédia causada pelas chuvas.
Já os sites da Prefeitura do Rio e do governo fluminense estavam nesta terça-feira (6) quase que inteiramente dedicados a fornecer informações e serviços aos atingidos pelas chuvas.
Providências e ajuda federal
O governador Sérgio Cabral (PMDB) decretou luto oficial de três dias pelas vítimas das fortes chuvas que atingem o Estado. Ele pediu a quem mora em áreas de risco ou vizinhas a locais que já deslizaram que procure a casa de um parente ou espaços públicos, como ginásios e igrejas, para se abrigar. "O mais importante agora é evitar o mal maior, que é a perda de vidas", disse Cabral.
Nesta quarta-feira, às 10h, o governador terá uma reunião de trabalho no gabinete do prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira, para avaliar os estragos das chuvas e os investimentos necessários não só neste município, mas também nas cidades de São Gonçalo, Itaboraí e Tanguá, cujos prefeitos estarão presentes.
Cabral ressaltou que governo federal já se pôs à disposição para ajudar o Rio. “O ministro da Justiça, Luiz Barreto, já nos ofereceu aeronaves para apoiar nos resgates, e o ministro das Cidades, Márcio Fortes, também está atento para nos ajudar com o que for preciso”, informou.
O ministro da Integração Nacional, João Santana, virá de Brasília para acompanhar o governador no encontro junto com o secretário de Saúde e Defesa Civil, Sérgio Côrtes, e o comandante do Corpo de Bombeiros, coronel Pedro Machado. Às 11h30, o governador e seu vice, Luiz Fernando Pezão, Côrtes, Machado e o ministro João Santana vão se reunir com o prefeito do Rio, Eduardo Paes, no Centro de Comando e Controle da CET-Rio, com o mesmo objetivo.
Nas entrevistas que concedeu nesta terça-feira, Cabral disse que a tragédia foi agravada por ocupações irregulares e voltou a defender a construção de muros em torno de comunidades para frear a ocupação irregular do solo.
“No Rio de Janeiro entra ano, sai ano e essa missão da ocupação do solo urbano não é tratada com a devida seriedade. Quando dissemos que construiríamos um muro na Rocinha, íamos garantir a vida das pessoas. Não é possível a construção irregular continuar. Quase todas as pessoas que morreram estavam em áreas de risco”, avaliou.
Trabalhos de recuperação
Em coletiva à imprensa, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) reiteirou o apelo aos cariocas para que permaneçam em casa e pediu às famílias que residem em encostas e áreas que correm risco de desabamento para que busquem locais seguros. "Todas as vítimas fatais que tivemos até agora foram de deslizamentos. Não coloquem em risco suas vidas nem a de seus familiares. Todas as encostas da cidade estão muito encharcadas e as chances de deslizamento são enormes. Não vamos poupar esforços para resolver esta situação e mais uma vez nosso apelo é para que as pessoas não se arrisquem, não enfrentem as ruas alagadas. Neste momento, o objetivo da prefeitura é cuidar de vidas", afirmou Paes.
O Rio de Janeiro, como garantiu o prefeito, tem todas as condições de realizar os trabalhos de recuperação da cidade. "O governador Sérgio Cabral e eu estamos em contato permanente desde a noite de ontem e estado e município estão realizando um trabalho 100% integrado, sobretudo no socorro às vítimas", disse Cabral.
O prefeito destacou os investimentos que têm sido feitos na cidade para melhorar seu estado de conservação e prepará-la para responder com mais eficiência aos eventos de chuva. "Existem várias intervenções já em andamento, como o plano de macrodrenagem do Rio Acari e da Bacia de Jacarepaguá, e ainda um conjunto de obras que estão sendo licitadas neste momento. Além disso, a Geo-Rio tem recursos e autonomia para agir diante de todo e qualquer risco de deslizamento de encosta, independente da situaçao meteorológica. O governo federal também já se dispôs a liberar verbas caso o Rio precise. O nosso foco agora é muito menos encontrar culpados. O que queremos nesse primeiro momento é amenizar o sofrimento e os transtornos causados pelas chuvas e não perder mais vidas", garantiu o prefeito.
Todos os órgãos da prefeitura ligados ao combate aos efeitos da chuva estão com efetivo reforçado. A Comlurb trabalha com 4 mil homens na limpeza e liberação das vias, para recuperar a acessibilidade. A Coordenadoria Geral de Conservação está com 1.200 funcionários nas ruas fazendo limpeza de galerias pluviais. A Defesa Civil Municipal tem 60 homens no comando das ações de socorro e remoção de pessoas em áreas de risco, que conta com o apoio dos bombeiros e da Polícia Militar. A secretaria de Obras, que coordena as operações da Geo-Rio e Rio-Águas, conta com 300 homens. A Guarda Municipal atua com efetivo de 2.200 e a Cet-Rio tem 100 operadores de controle de tráfego.
A secretaria especial de Ordem Pública e a GM trabalham com 43 reboques para retirar veículos enguiçados e abandonados das ruas. A secretaria de Conservação está com 110 caminhões e 34 retroescavadeiras para realizar os trabalhos de drenagem nos locais mais afetados pelas enchentes na cidade.
Lula presta solidariedade
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na manhã desta terça-feira que a Marinha e a Aeronáutica estão à disposição para ajudar o governo do Estado e a prefeitura do Rio de Janeiro nas ações emergenciais de atendimento às vítimas das chuvas. No entanto, o presidente afirmou ter sido informado pelo governador Sérgio Cabral que não há necessidade imediata de ajuda material. Lula ainda disse que pede a Deus que pare a chuva no Estado.
"A ajuda material que o governador e o prefeito precisarem, tudo isso está pronto e à disposição, mas me parece que não é o caso. O que precisa é conscientização para evitar que as pessoas ocupem áreas de risco", afirmou o presidente ao deixar o hotel Copacabana Palace.
Lula disse que pretende incluir na segunda etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) recursos para garantir um melhor sistema de drenagem na capital fluminense, "para ver se conseguimos, em 10 ou 15 anos, ter uma cidade menos sofrida do que temos hoje".
Porém, Lula ressaltou que a quantidade de chuva tornou mais difícil o enfrentamento da situação. "Não existe ser humano no planeta Terra que consiga enfrentar uma mudança de clima como esta. Quando o homem lá em cima está nervoso e faz chover, só temos que pedir a Ele para parar a chuva no Rio de Janeiro e a gente poder tocar a vida na cidade."
O presidente disse que, depois dos temporais, aguardará um levantamento do prefeito Eduardo Paes (PMDB) e do governador Sérgio Cabral sobre as necessidades de recuperação das cidades mais atingidas. "Estaremos totalmente solidários em partilhar as soluções para este problema", afirmou Lula, reiterando o pedido para que moradores de áreas de risco deixem suas casas. "Por favor, saia. Espere a chuva passar. Vá para a casa de um parente, procure a prefeitura. Só tem chance de brigar para melhorar sua vida se estiver vivo. Não fique arriscando, neste momento, porque não ajuda nada", apelou o presidente.
Copa e Olimpíada
O presidente afirmou ter certeza de que não haverá grandes problemas no Rio de Janeiro durante a Copa do Mundo de 2014 e também na Olimpíada de 2016. "Quando acontece uma desgraça, acontece. Não chove todo dia, nem toda hora. Nem todo dia tem terremoto no Chile, nem no Haiti. Normalmente, os meses de junho e julho são mais tranquilos. O Rio de Janeiro está preparado para fazer a Olimpíada e a Copa com muita tranquilidade, as melhores que esse mundo já viu. Não é por causa de uma catástrofe que a gente vai achar que vai acontecer todo ano, toda hora."
O Comitê Olímpico Internacional (COI) reafirmou hoje "absoluto apoio" ao Rio e elogiou a rapidez com que as autoridades municipais e estaduais enfrentaram os transtornos causados pelas última chuvas.
A informação é do presidente do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman. Ele está em Lausanne, na Suíça, participando de reuniões com o COI.
De acordo com a nota do Rio 2016, o comitê internacional entende que o excesso de chuvas no Rio é um "fato meteorológico de natureza extraordinária" que poderia afetar qualquer cidade.
Com agências