Um dia na vida de Camponesas
Elas são do sertão, do agreste e da zona da mata; são quatro mil mulheres que se juntam na rua Gervásio Pires, em frente à sede da Fetape. Há faixas dos sindicatos das três regiões, nove pólos de trabalho do sindicalismo rural. Há homens, mas a predominância é feminina no Dia Internacional das Mulheres. À frente de todas, Maria Aparecida de Melo, 53 anos, Mulica, como todos a chamam
Publicado 09/03/2010 14:48 | Editado 04/03/2020 16:58
Tem nas mãos um impresso com pouco mais de cem páginas, o Plano Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres. Suada, rosto cremoso, cabelos presos para evitar atrapalhos, vai entregar “os ganhos” ao governador Eduardo Campos. No dizer de Cristina Buarque, secretária Especial da Mulher, “é a primeira vez, em mais de 500 anos, que as mulheres do campo têm um plano para a independência de cada uma.”
Mulica não dá sinais de orgulho; se teve algum, perdeu-o em 88, quando coordenou a ocupação de terras em São Bento do Una, onde nasceu. Enfrentou a polícia, não recuou. Sabe, agora, que a luta das mulheres se dá junto ao propósito de fazer vingar o Plano Nacional de Direitos Humanos. Atrás de si, a vistosa faixa – Igualdade na vida, no trabalho e na política. Na avenida Conde da Boa Vista, ela canta com as outras; não se ouve sua voz, o gume da língua perde-se nos gritos, no olhar perplexo de transeuntes.
Câmeras, repórteres, Mulica sob a mira. Raimundo Doriel Barros segue-a com os olhos, não dá um pio, engrossa os refrões; é o presidente interino da Fetape. “O Plano – diz Mulica – é o resultado de dois anos de trabalho, com três seminários. Ele pede a construção de 30% de casas para as mulheres rurais, no projeto Minha casa, Minha vida, do governo federal.” Influíram na redação do plano a Fetape, o MST, a CTP, a Fetraf, o MLST, o MNTR e o MAPRA.
Na ponte Princesa Isabel, dois funcionários do governo encaminham-se à ala da frente da marcha. Mulica recebe-os. Ouve sem queixas a recomendação dos oficiais engomados. A marcha segue o entorno do Teatro de Santa Isabel. Ela, primeira-dama da demonstração, poderia segui-los, encurtando o caminho rumo ao palco montado pelo governo para a recepção. Há centenas de cadeiras na frente; no palco, poltronas de madeira, com respaldo em alto relevo. A recepcionista oficial, com uma peça comprida e única no corpo, é um mestre de cerimônia; dá as boas-vindas, diz que “é uma tarde linda” sem se dar conta da pieguice. O nome de Mulica é repetido à exaustão.
Doze mulheres camponesas são homenageadas com uma placa de bronze, alusiva aos anos de luta na militância rural. Maria do Carmo Ramos, do Araripe; Maria Auxiliadora Dias, sertão central; Ivanete Almeida Nascimento, sertão central; Rita Maria Rosa da Silva, Polo do São Francisco; Georgina Delmondes, Mata Norte; Letícia Maria Lima da Silva, Agreste Meridional; Terezinha Francisca de Macedo, de Dormentes; Rosilda da Silva, Lagoa do Carro; Isabel Cristina da Silva, Polo do São Francisco; Cristina Cândido, Margarida Pereira da Silva; e Maria José de Carvalho, primeira mulher presidente da Fetape.
Cristina Buarque, no microfone, diz: “Como Clara Zetkin, também nós somos socialistas.” O governador Eduardo Campos, após receber o plano adiantou o compromisso de, “no próximo dia 22, às 09h, todo o secretariado do governo estará reunido para dar início à execução do Plano Estadual de Políticas Públicas para as Mulheres.”
Marco Albertim