Mercado interno lidera novo ciclo de investimento
O novo ciclo de investimento da economia brasileira está sendo impulsionado pelo mercado interno. No período anterior, foi o setor externo que liderou a demanda. Já houve uma melhora no mercado internacional, mas ela ainda reflete uma recuperação incipiente.
Por Cristiano Romero, no jornal Valor Econômico
Publicado 24/02/2010 15:36
A ocorrência de novos abalos em países europeus põe em dúvida o processo de reabilitação. A tendência é que o crescimento do Brasil siga sendo liderado pelo consumo interno. Entre 2006 e setembro de 2008, portanto, até o advento da crise financeira internacional, o país viveu, como notam os economistas Adriana Inhudes e Gilberto Borça Jr., do BNDES, o mais longo e intenso ciclo de investimentos em mais de duas décadas.
Naquele período, a taxa de investimento, medida pela evolução da Formação Bruta de Capital Fixo, avançou numa velocidade 2,5 vezes superior à do Produto Interno Bruto (PIB). Graças ao então dinamismo da economia mundial, aquele ciclo começou estimulado pelos principais setores exportadores – de siderurgia, papel e celulose e mineração.
Em meados de 2008, ele se generalizou, beneficiando também os setores voltados para o mercado interno e a infraestrutura básica. O boom de investimentos refletia a confiança dos empresários na demanda futura – efetivamente, eles estavam ampliando a capacidade produtiva para atender a demanda.
Com a crise, praticamente todos os segmentos da indústria, especialmente os dedicados ao mercado externo, foram impactados. Entre o último trimestre de 2008 e o primeiro de 2009, a queda acumulada dos investimentos foi de 20%. Em meados do ano passado, superada a fase mais crítica da turbulência, as empresas voltaram a investir. Inhudes e Borça Jr. decidiram avaliar a situação para descobrir o perfil do ciclo de investimentos pós-crise.
Utilizando uma metodologia própria, os dois economistas desmembraram o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) em dois: um interno, integrado pelos setores que têm o mercado interno como principal destino da produção; e um externo, com os setores em que as vendas ao mercado internacional são dominantes.
O uso do Nuci, neste caso calculado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) – há um outro, apurado pela FGV -, tem uma explicação. Esse indicador aponta a proporção de recursos industriais já existentes que estão sendo utilizados na produção. Para alguns especialistas, é a variável determinante na tomada de decisão de investimento por parte de um empresário.
“Quando o grau de ociosidade diminui além do planejado, chega-se ao momento ideal para a expansão da capacidade produtiva, que, por conseguinte, se dá a partir de novos investimentos. De maneira inversa, quando o grau de ociosidade fica acima do planejado, ocorre uma contração dos gastos em investimento, limitada pelas necessidades de reposição de capacidade produtiva”, explicam Inhudes e Borça Jr., que tratarão do tema no próximo boletim “Visão do Desenvolvimento”.
Taxa de investimento e Nuci andam juntos. Quando a primeira cresce, o segundo aumenta. Com a eclosão da crise, o investimento sofreu forte queda e a indústria aumentou, rapidamente, o grau de ociosidade. Olhando para o momento atual, vê-se que os investimentos cresceram na margem, no terceiro trimestre de 2009, 6,5% em relação ao trimestre anterior. Mas quem está liderando as inversões?
No chamado Nuci interno, os dois economistas do BNDES agruparam 11 setores que destinam a maior parte de sua produção ao mercado doméstico. Eles representam 49,5% do Nuci total da indústria. São eles: têxtil; vestuário; edição e impressão; refino e álcool; produtos químicos; borracha e plástico; minerais não-metálicos; produtos de metal; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; material eletrônico e de comunicação; móveis e diversos. Do Nuci externo fazem parte oito setores, com peso de 50,5% no Nuci total da indústria – alimentos e bebidas; couro e calçados; madeira; papel e celulose; metalurgia básica; máquinas e equipamentos; veículos; outros equipamentos de transporte.
A análise dos dois indicadores mostra que, entre 2006 e setembro de 2008, o Nuci externo foi sempre superior ao Nuci interno. Durante a crise, a retração do investimento foi generalizada. Apesar de o consumo das famílias ter se mantido como um amortecedor dos efeitos da crise, os investimentos relacionados tanto ao mercado interno quanto ao externo sofreram forte revés. No processo de retomada, o que se observa é que, agora, o Nuci interno supera o externo (ver gráfico).
“Para 2010, espera-se uma acomodação gradual da velocidade de ocupação da capacidade industrial ligada aos setores domésticos (o Nuci interno), enquanto nos setores mais voltados à exportação esse ritmo dependerá da evolução dos principais mercados de destino dos produtos manufaturados brasileiros, notadamente os países da América Latina”, dizem Inhudes e Borça Júnior.