Aldo Rebelo resgata "jogo vermelho" de 1945 em livro
Numa de suas esporádicas visitas à sala de troféus do Palmeiras, paixão do menino migrante das Alagoas, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) encontrou uma preciosidade: uma escultura da deusa da Vitória, na mitologia romana, com a inscrição "Homenagem do Movimento Unificador dos Trabalhadores – MUT".
Por Raymundo Costa*, em Valor Econômico
Publicado 24/02/2010 17:27
O comunista disciplinado tomou o lugar do torcedor apaixonado, e a memória de Aldo o remeteu à criação do braço sindical do Partido Comunista do Brasil nos anos em meados dos 40.
O resultado desse encontro está no livro "Palmeiras x Corinthians, 1945: O Jogo Vermelho", em fase final de impressão pela editora Unesp. Salas de troféus como a do Palmeiras "são verdadeiras bibliotecas repletas de narrativas épicas", diz Aldo.
O troféu do MUT é uma delas. Fala de uma partida de futebol entre Palmeiras e Corinthians, realizado em 13 de outubro de 1945, e do ambiente político, no país, nos dias imediatos ao pós-guerra, a Segunda Grande Guerra Mundial, antes de a Guerra Fria tornar-se sua extensão e cindir a sociedade brasileira.
"Outubro de 1945 era a véspera das eleições gerais de dezembro. Todos os partidos estavam em campanha de arrecadação de fundos, e não tive dúvidas em concluir que Palmeiras e Corinthians jogaram para ajudar a campanha do Partido Comunista do Brasil (PCB), o partido amigo da União Soviética, o partido dos operários, o partido do socialismo", escreveu Aldo. "Decidi então que a história e os bastidores daquela partida não podiam repousar eternamente no anonimato da galeria de troféus e das estatísticas dos dois clubes".
Os jogadores de Palmeiras e Corinthians, à época, localizados pelo deputado, pouco ou quase nada se lembram dessa partida específica. Apenas um deles, ao que parece, tinha simpatia pelos comunistas. Mas Aldo jogou a bateia, garimpou simpatizantes na federação de futebol, entre profissionais liberais, artistas e montou o painel de uma época que permitia ao PCB organizar um jogo de futebol entre os dois times mais populares de São Paulo para financiar uma campanha do partido.
Uma história que Aldo retira do anonimato com os olhos daqueles que perderam em 1964, com o golpe militar, mas que retrata um mundo político quase esquecido nos anos longos da Guerra Fria.
Ao final da Segunda Grande Guerra era grande o prestígio da então União Soviética. O exército vermelho, "destroçara dois terços das divisões de Hitler ao custo de 20 milhões de vidas entre militares e civis, contra 400 mil baixas americanas em toda a guerra". Havia uma espécie de "gratidão" – Carlos Drummond de Andrade escrevera seu célebre poema dedicado a Stalingrado. "Esse ambiente acentuou a influência do PCdoB entre os trabalhadores e a opinião antifascista das camadas médias da sociedade e os intelectuais", concluiu Aldo de pesquisas a registros da época.
O ditador Getúlio Vargas tentava se equilibrar no redemoinhos da história. Em fevereiro de 1945 anunciou a realização de eleições gerais; logo depois restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética; mais tarde decretou a anistia aos presos e perseguidos políticos. Nesse ambiente, o MUT reunia em sua sede profissionais liberais para promover o "jogo vermelho" – do jornalista militante ao casal judeu que integrava o grupo de intelectuais ligados ao partido e abria os salões de suas casas para dirigentes como Luiz Carlos Prestes, Joaquim Câmara Ferreira, Maurício Grabois e João Amazonas.
Aldo visitou o filho de Iracema Rosemberg, que integrava um grupo de mulheres do partido que incluía a escritora Zélia Gattai. "O médico Sérgio Rosemberg lembra-se que a mãe visitava com frequência os jornais para levar notícias da legenda", contou. Quando se despedia de Sérgio, o deputado viu na sala do apartamento um retrato da mãe pintado por Di Cavalcanti. Iracema habitualmente posava como modelo para o pintor, mais um simpatizante de uma galeria que tinha Jorge Amado, Monteiro Lobato, Cândido Portinari, Caio Prado Jr., Zélia Gattai, Oscar Niemeyer, Pancetti, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos.
O PCB fixara a meta de arrecadação de Cr$ 750 mil para financiar seus candidatos, em 1945. Só o jogo Palmeira e Corínthias entrou com Cr$ 114,464 mil, nessa bolada.
O livro conta a história do jogo. Deu Palmeiras, 3 a 1.
*Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
Fonte: Valor Online