O velho comunista se aliançou
O título é um verso da música Vermelho, obra do sambista amazonense Chico da Silva para o Boi Garantido, de Parintins, uma pororoca musical que sacudiu Belém na campanha de 1996 e ficou na história política daqui como um dos jingles de maior recall. O arrastão rítmico, na levada a plenos pulmões nas ruas pela militância vermelha, ajudou a botar o petista Edmilson Rodrigues na cadeira de prefeito e a reelegê-lo quatro anos depois.
Por Euclides Farias, do Diário do Pará
Publicado 23/02/2010 13:18
Foi esse verso que veio à lembrança ao saber da repentina morte do comunista Neuton Miranda, de infarto. O agnóstico Neuton se aliançou com Deus, pensei. Éramos interlocutores, partidário e jornalístico, há mais de 25 anos e, de lá para cá, os ateus foram ficando tão minoritários no PCdoB que, sinal dos tempos, as fichas de filiações incluem hoje até padres e evangélicos. Por que não, agora, a improvável aliança celestial?
Neuton fazia planos de inusitadas alianças terrenas para diminuir o coeficiente eleitoral que poderia levá-lo à Câmara Federal. Avaliava que uma união proporcional do PCdoB com o PT, seu tradicional aliado, com tanta gente brigando num só corredor, exigiria dele caminhões de votos. O cenário fez com que notasse numa coalizão parcial com o PMDB maiores probabilidades de chegar lá. Mas, coerente, compromissado com o PT para a disputa majoritária, dizia que a tese só prosperaria se PT e PMDB marchassem juntos de novo.
Tradução para a cautela: o projeto coletivo se sobrepôs ao interesse pessoal, com leitura subliminar de lição de grandeza. Foi a mistura da consciência de cidadão do mundo que não veio ao mundo a passeio, mas a serviço das gentes do mundo, com rara coerência política que levou o PCdoB a romper com o tucano Almir Gabriel, renunciar à chefia da companhia de habitação e se afastar de um governo acusado de massacrar trabalhadores sem terra. A aliança se tornara ideologicamente insustentável.
No céu, o velho comunista se aliançou sem susto:
– Licença, meu bom Deus! – pediu, bandeiramente.
E Deus, suprapartidário:
– Entra, Neuton. Você não precisa pedir licença.
Leia também:
Ana Júlia destaca opção de Neuton pelo social
PCdoB lança nota de pesar pela morte de Neuton Miranda