Os Porcos da Europa: Designação ofensiva e sintomática
“Nas últimas semanas, nos meios político-financeiros, isto é, nos segmentos dominantes do sistema capitalista mundial e seus instrumentos de manipulação ideológica, surgiu e tornou-se recorrente a utilização de uma nova sigla: Piigs. Deste modo, as iniciais de cinco países – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain) -, são ordenados para "criativamente" lhes chamarem os "porcos" das economias da UE.” Artigo de Júlio Filipe, para O Diario.Info
Publicado 22/02/2010 18:25
Nas últimas semanas, nos meios político-financeiros, isto é, nos segmentos dominantes do sistema capitalista mundial e seus instrumentos de manipulação ideológica, surgiu e tornou-se recorrente a utilização de uma nova sigla: Piigs.
Os seus "inventores" e usuários tão-pouco ocultam o intencional uso depreciativo do novo acrônimo, com o qual pretendem designar vários países europeus, através do seu significado próximo em tradução para inglês – Porcos. Deste modo, as iniciais de cinco países – Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain) -, são ordenados para "criativamente" lhes chamarem os "porcos" das economias da UE.
Particularmente insistente nos meios de "informação" estadunidenses e naqueles que os copiam servilmente nas costas oeste do Atlântico, os objetivos são óbvios: face à maior "crise" que o sistema engendrou – um dia se conhecerá melhor quem ordenou que o Lehman Brothers falisse para que, poucas semanas depois, verbas astronómicas jorrassem das finanças públicas dos Estados para as mãos dos banqueiros, por todo o mundo … -, a par da continuada e injustificada promoção dos Bric's, considerados os alunos "bons", os Piigs surgem como contraponto político-ideológico, chamados assim e apontados à execração pública mundial, sendo ardilosamente acusados como sendo os responsáveis pela "persistência da crise" e pela demora numa "retoma sólida" da Europa capitalista.
Tal campanha, nestes últimos dias, já está a ter uma sequência visível na UE, através de várias declarações sobre a situação da Grécia, com os "patrões" da Europa (alemães e franceses) a rejeitarem uma intervenção do FMI (ler, os EUA) e a juntarem-se para anunciarem promessas de ajuda … se os gregos se portarem bem!
A par da sua comum condição de países com volumosos déficits públicos – ainda que diversos -, o que mais assemelha estes cinco Piigs? Três deles com governos "socialistas", um com uma coligação de "centro-esquerda" e um outro da direita retinta e dirigido por um neo-fascista, não parece ser razão para os associar por uma qualquer identificação político-partidária; dos países integrados pela UE, nem sequer são aqueles os países economicamente mais dependentes de uma "ajuda" da Comissão Europeia – vide a situação de vários países ex-socialistas. Então, o que será afinal que os leva a serem nestes dias os escolhidos pelos escribas e papagaios do capital?
Uma hipótese plausível, para explicar o interesse "mediático" por estes cinco países "porcos", assenta em dois pontos: 1) fragilizados no plano financeiro, estão mais vulneráveis para serem pressionados pelos centros políticos do capital, com o objetivo de os renderem e forçarem a aceitarem medidas draconianas de super-exploração, visando acelerar a concentração e centralização capitalistas na U.E.; 2) São países cujos quadros legislativos trabalhistas e constitucionais e as tradições de força e de luta dos seus movimentos sociais e sindicais, os tornam objetivos prioritários a abater pela grande burguesia, agora explorando ideologicamente o filão da (sua) "crise".
O capital imperialista – o estadunidense e o europeu – prepara novas ofensivas contra os povos, em particular sobre os países que constituem as suas respectivas áreas de influência. Na UE, o objectivo é prosseguir o curso – que foram forçados a suspender, embora temporariamente – de federalização política, liquidando totalmente o que ainda resta de independência e soberania dos países integrados, alargando os poderes de ingerência da Comissão Europeia, esvaziando os conteúdos constitucionais e legislativos nacionais e substituindo-os pelas resoluções e directivas da Comissão. Tudo isto visando intensificar a exploração dos trabalhadores e dos povos, sempre exclusivamente ao serviço do capital financeiro e dos grandes grupos económicos "europeus".
Não tenhamos dúvidas, quanto ao seu carácter predador e desapiedado: o capital, obrigado constantemente, para assegurar a sua própria sobrevivência como sistema, a expropriar a pequena propriedade e a aumentar a extração da mais-valia à força de trabalho, se pudesse nivelaria por baixo as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores europeus, igualando-as às existentes noutras paragens – por exemplo, nos Bric's e outros – e fazendo retroceder a Europa às condições laborais do início do século passado.
Este seu celerado propósito, de autêntico retrocesso civilizacional, deve ser tenazmente combatido por todos os trabalhadores, por todos os democratas sinceros, por todos os patriotas.
Estes atuais desenvolvimentos da estratégia do capital vêm confirmar, de forma eloquente, quanto falsas e erradas são as posições dos pseudo-internacionalistas e europeístas que defendem assanhadamente movimentos e lutas "internacionais", em prejuízo das lutas nacionais dos trabalhadores nos seus países, tal como defendem uma subordinação (ou mesmo a extinção) dos partidos de "esquerda" (leia-se, partidos comunistas), para serem substituídos por putativos partidos "da esquerda" europeia.
A vida está a comprovar inteiramente que é do interesse vital dos assalariados que as suas lutas se travem prioritariamente no terreno nacional, contra as burguesias nacionais, contra os seus Estados e governos nacionais, tendo como objectivos centrais a defesa dos seus próprios interesses de classe e, simultâneamente , a defesa da soberania dos respectivos países e povos. Abandonar este terreno central da luta equivaleria a "entregar o ouro ao bandido", fazendo o jogo da UE e da sua camarilha dirigente.
As grandes manifestações que ocorrem por estes dias em Portugal e na Grécia, tal como já antes ocorreram em Itália e em Espanha, lutas dos seus trabalhadores contra a exploração e as políticas pró-capital dos respectivos governos, estão no caminho certo.
Urge alargá-las, intensificá-las, politizá-las mais e mais. Urge o trabalho revolucionário dos partidos revolucionários, intensificando o desmascaramento das "democracias" burguesas vigentes e lutando por rupturas revolucionárias, apoiando as lutas das massas assalariadas, a par de uma afirmação constante e vigorosa do Socialismo como a verdadeira e única alternativa ao capitalismo na nossa época.
Anti-democráticos, vendilhões da soberania dos povos, criminosos e corruptos, desumanos – "porcos"! – são, na verdade, os governos que servilmente se vergam aos ditames da UE e do imperialismo.
Júlio Felipe é português emigrante no Brasil. Publicado n'O Diario.Info.